Em meados de 2022, diante do colapso do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (“SEF”) – posteriormente rebatizado de Agência para a Integração Migrações e Asilo (“AIMA”) –, começou a ser tópico de conversa entre Advogados o recurso à intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias para que o Tribunal ordenasse ao SEF a instrução, agendamento e decisão dos pedidos de autorização de residência que se encontravam pendentes. Teoricamente, parecia evidente o recurso a uma ação urgente para garantir uma decisão definitiva, sob pena de inutilidade do recurso à tutela jurisdicional.

É verdade que os pioneiros no recurso a esta ação urgente foram os Requerentes de autorizações de residência para o investimento – cujo cumprimento dos requisitos de recurso ao mecanismo processual, regra geral, se afigura mais complexo –, mas rapidamente se alastrou a outras autorizações de residência – cuja urgência, porventura, se afigure mais evidente – e, acima de tudo, se massificaram ao ponto de tornarem ingerível o contencioso administrativo urgente em Lisboa. Com a mesma velocidade com que se multiplicava a submissão de intimações – só o Autor das presentes linhas, submeteu cerca de uma centena desde 2022 –, como se fossem redigidas em forma de formulário por um simpático administrativo que, qual linha de montagem, preparava a próxima submissão, se multiplicaram decisões que anuíam o recurso a este meio processual e outras que, contrariamente, não validavam o recurso a este meio processual.

Naturalmente, a indefinição decisória, conduziu a um número significativo de recursos para o Tribunal Central Administrativo Sul que, sendo chamado a se pronunciar sobre o mérito desses recursos, foi mantendo a instabilidade decisória. Ora, a sucessão de decisões permitiu que rapidamente fosse proferido um Acórdão pelo Supremo Tribunal Administrativo (“STA”), acabando o Tribunal por, em junho de 2024, proferir um acórdão uniformizador de jurisprudência a validar o recurso à intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias como o meio processual idóneo à tutela dos interesses dos Requerentes.

Aqui chegados, e já com um número de pendências no Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa absolutamente descontrolado que em muito prejudicava a tramitação de um processo urgente – podendo até questionar-se se ainda existe contencioso administrativo urgente em Lisboa ou, ainda, se os restantes processos não sofreram com esta avalanche de litigância –, foram surgindo, na primeira instância, todo o tipo de interpretações do Acórdão do STA. Muitas dessas interpretações, padeciam do pecado original de restringir aos Requerentes a tutela que carecem em função da inação da AIMA.

Ora, desde que verificados os pressupostos de que depende a intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias, não pode o Tribunal fazer recair sobre os Requerentes a demonstração de “requisitos adicionais”, que visam única e exclusivamente, restringir o recurso ao referido meio processual. Dito de outro modo, ao Tribunal não compete decidir de modo a mitigar os danos para a Administração, mas sim a julgar se, verificados os pressupostos, deve ser ou não deferido o pedido dos Requerentes e, em caso afirmativo, intimar a AIMA a cumprir com a sua função, mesmo que isso conduza a maiores dificuldades organizativas na AIMA.

É certo que, em muitos dos casos que chegam a Tribunal, o cumprimento dos requisitos de que depende a intimação se afiguram apenas parcialmente cumpridos, mas não é menos verdade que, tendo em consideração a esmagadora maioria dos pedidos e o objeto das ações propostas, inexiste outro meio que seja apto à tutela dos Requerentes e, no caso da urgência, basta a permanência em território nacional na condição de “cidadão indocumentado”, para que se cumpra com o requisito de urgência – como, aliás, refere o Acórdão do STA.

Em suma, à justiça administrativa caberá decidir se os requerentes das Intimações para proteção de direitos, liberdades e garantias têm direito a que as suas pretensões sejam deferidas, desde logo por verem um direito fundamental seu ferido – nomeadamente, o direito a uma boa administração – e não o papel de justiceiro que limita o recurso ao único meio processual apto à tutela dos Requerentes; aos Advogados caberá a defesa dos direitos dos Constituintes com a mesma determinação que o Batman defende Gotham City; e, por fim, à AIMA, cabe instruir e decidir o futuro de centenas de milhar de Requerentes. No fundo, encontrando-se estas três entidades num bar, não existirá qualquer desgraça, desde que cada uma das partes, respeite e cumpra com a sua função.

By Daniel Wege

Consultor HAZOP Especializado em IA | 20+ Anos Transformando Riscos em Resultados | Experiência Global: PETROBRAS, SAIPEM e WALMART

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