“O progresso mede-se pelo tempo necessário até estabelecer uma civilização autossustentável em Marte”. A frase é do homem mais rico do mundo

A explosão de um veículo Starship da SpaceX durante um teste de rotina em terra lançou uma onda de choque de fogo e fumo que pareceu envolver as instalações de testes da empresa em Starbase, no Texas. O incidente levantou questões sobre a capacidade da empresa em resolver desafios significativos de engenharia e design num veículo considerado crucial para o objetivo fundador da SpaceX: transportar, um dia, comboios de pessoas para Marte.

Quando o CEO da SpaceX, Elon Musk, discursou perante os colaboradores no sul do Texas no final de maio, com o intuito de reacender o apoio às suas ambições em Marte, sublinhou o critério pelo qual avaliaria o sucesso: “O progresso mede-se pelo tempo necessário até estabelecer uma civilização autossustentável em Marte.”

Mais adiante no discurso – que Musk proferiu dois dias após o mais recente protótipo Starship lançado pela empresa ter falhado na reentrada, marcando o terceiro final prematuro de um voo de teste este ano -, detalhou o cronograma exato que a SpaceX pretende seguir. O plano depende de prazos específicos ditados pelas leis da física, dada a distância entre a Terra e o planeta vermelho.

A distância entre a Terra e Marte pode variar entre cerca de 56 milhões de quilómetros e 400 milhões de quilómetros, consoante a posição orbital de cada planeta em torno do Sol. Para poupar tempo e custos de combustível, as missões com destino a Marte devem aguardar até que este se encontre na posição ideal em relação à Terra – oportunidades de alinhamento perfeitas, conhecidas como “janelas de transferência para Marte“, que duram algumas semanas e ocorrem apenas a cada 26 meses. 

A próxima janela, durante a qual o tempo de viagem até Marte é reduzido de mais de um ano para apenas seis a nove meses, ocorrerá no final de 2026. O plano de Musk sugere que a SpaceX espera enviar até cinco veículos Starship não tripulados, carregados com carga, durante esse período. No entanto, há várias preocupações importantes que a empresa terá de resolver antes de enviar a sua primeira nave de carga rumo a Marte, e a explosão de quarta-feira – a quarta do tipo este ano – poderá ser prova disso.

Atualização esperada para o Starship

Musk falou sobre a viabilidade de chegar a Marte em 2026 durante o discurso de maio, afirmando que imaginava haver apenas uma “probabilidade de 50/50” de a SpaceX conseguir enviar uma nave Starship para Marte no próximo ano. 

Antes da abertura da janela de transferência de 2026, a SpaceX planeia estrear outra versão atualizada do Starship e do propulsor Super Heavy – que, em conjunto, formam o sistema de lançamento mais potente alguma vez construído.

Neste novo sistema Starship, tanto o propulsor de primeira fase como a nave da segunda fase serão ligeiramente maiores e, juntos, poderão transportar 300 toneladas métricas de propelente (equivalente a cerca de 774.823 euros).

É uma atualização substancial, semelhante à que a SpaceX apresentou no início deste ano, o Starship Versão 2, que adicionou 25% de capacidade de propelente em comparação com os modelos anteriores de teste.

E a SpaceX tem tido dificuldades em fazer com que a Versão 2 funcione como esperado: os dois primeiros voos de teste, realizados em janeiro e março, falharam minutos após a descolagem, espalhando destroços perto de ilhas habitadas a leste da Florida.

O último teste, em maio, chegou mais longe no voo, mas a nave Starship perdeu o controlo antes da reentrada, resultando numa descida descontrolada e angustiante até ao Oceano Índico. 

E a explosão de quarta-feira durante um teste de rotina em terra levanta ainda mais preocupações sobre quanto tempo levará a SpaceX a aperfeiçoar o design do Starship e garantir que consegue transportar carga ou humanos em segurança. A empresa ainda não revelou qual o impacto que este contratempo poderá ter na nave ou nas instalações de lançamento.

Dados preliminares sugerem que a explosão foi causada pela explosão de um tanque de gás, disse Musk numa publicação nas redes sociais. O tanque “falhou abaixo da sua pressão de prova”, explica, o que significa que testes de resistência anteriores e as propriedades conhecidas do tanque indicavam que este deveria ter resistido ao cenário. Trata-se, potencialmente, de um problema único que nunca foi observado antes.

Durante o seu discurso de 29 de maio, Musk sublinhou que introduzir ainda mais melhorias e aumentar ainda mais o tamanho do Starship é crucial para o sucesso a longo prazo.

“É preciso fazer três grandes iterações de qualquer nova tecnologia para que funcione realmente bem”, disse Musk aos colaboradores durante a atualização do Starship.

Um desafio sem precedentes

Musk afirmou que espera que a versão atualizada do Starship faça o seu voo de estreia até ao final do ano.

Mas mesmo que a nova versão execute um voo de teste impecável ao longo da mesma rota suborbital onde a SpaceX realizou testes anteriores do Starship, isso não garantirá que a nave esteja pronta para uma viagem interplanetária.

Isto porque, mesmo com a capacidade de combustível aumentada, o Starship terá de ser reabastecido com mais propelente depois de alcançar o espaço para poder fazer a longa viagem até Marte.

A SpaceX planeia fazer isto lançando uma série de naves-tanque, ou veículos Starship concebidos para transportar lotes de combustível e oxidante. Essas naves-tanque irão encontrar-se com a Starship enquanto esta permanece em órbita da Terra, transferindo milhares de quilos de propelente e fornecendo o combustível necessário para a nave prosseguir a sua viagem pelo sistema solar.

Importa sublinhar que transferir combustível entre duas naves no espaço nunca foi feito antes.

“Nunca fizemos isso. Nunca ninguém transferiu combustível de uma nave espacial para outra em órbita de forma autónoma”, explica Bruce Jakosky, professor emérito de ciências geológicas no Laboratório de Física Atmosférica e Espacial da Universidade do Colorado.

“Isso é difícil”, acrescenta Bruce Jakosky, especialmente tendo em conta que o veículo Starship funciona com combustíveis criogénicos – essencialmente oxigénio e metano mantidos a temperaturas tão baixas que se tornam líquidos. E, no ambiente de microgravidade da órbita, esse combustível pode flutuar dentro do depósito em vez de se manter num único local, explica. Por isso, entre muitas outras dificuldades técnicas, a SpaceX terá de conceber bombas ou motores que consigam canalizar eficazmente o combustível de uma nave para outra.

Atualmente, nem sequer é claro quantos veículos-tanque a SpaceX terá de lançar para fornecer a uma única Starship combustível suficiente para uma viagem até Marte. (Em estimativas anteriores, elementos da NASA e peritos independentes projetaram que poderão ser necessários cerca de uma dúzia de veículos-tanque Starship só para uma missão lunar.)

Anteriormente, Musk disse acreditar que a transferência de combustível no espaço seria “tecnicamente viável”.

A SpaceX não tentará realizar o seu primeiro teste de voo com um veículo-tanque antes do próximo ano, acrescentou ainda.

Obstáculos na reentrada

Mesmo depois de a SpaceX resolver o problema da transferência de propelente, enfrentará outra questão tecnológica significativa: como é que a Starship irá sobreviver à descida até à superfície de Marte?

No mês passado, Musk classificou este problema como “um dos mais difíceis de resolver”.

“Ninguém desenvolveu ainda um escudo térmico orbital verdadeiramente reutilizável, por isso é extremamente difícil de fazer,” disse. “Penso que isto será algo em que teremos de trabalhar durante alguns anos, para o ir aperfeiçoando.”

Os veículos que precisam de aterrar com segurança em corpos planetários enquanto viajam a velocidades orbitais têm de possuir um componente chamado escudo térmico – um revestimento especial no exterior do veículo que atua como barreira contra as temperaturas abrasadoras geradas ao entrar na atmosfera de um planeta. 

Trabalhadores inspecionam o foguetão Starship da SpaceX a 3 de março, antes do seu oitavo voo de teste não tripulado (Brandon Bell/Getty Images)

Em Marte, um dos principais problemas é o ar: é composto quase inteiramente por dióxido de carbono.

Quando a Starship entrar na atmosfera de Marte, irá comprimir violentamente o ar à sua frente e gerar temperaturas intensas. E as condições da reentrada são tão extremas que o processo chega a arrancar eletrões dos átomos e a dividir moléculas, transformando o dióxido de carbono em carbono e oxigénio – sendo que este último pode começar a “oxidar” ou, essencialmente, incinerar o escudo térmico da nave, explicou Musk.

A reentrada em Marte irá, na verdade, produzir mais oxigénio destruidor de escudos térmicos do que o processo de regresso à Terra, sublinhou ainda. O escudo térmico da Starship terá de ser suficientemente resistente para sobreviver a ambos os tipos de reentrada – e potencialmente fazê-lo várias vezes.

O problema humano

Ainda que as probabilidades de a SpaceX resolver todos os dilemas técnicos a tempo de enviar uma Starship com carga para Marte no final do próximo ano sejam reduzidas, existem problemas ainda maiores por resolver no futuro.

Se a SpaceX quiser enviar seres humanos para o planeta vermelho terá de descobrir, por exemplo, como garantir que o exterior da Starship protege as pessoas da radiação mortal que incidirá durante os seis meses da viagem. Terão de estar também a bordo sistemas de suporte de vida com ar respirável em quantidade suficiente.

Como afirmou Musk, cada necessidade humana tem de ser contemplada. “Não se pode falhar nem sequer com o equivalente à vitamina C”, disse.

Quando a Starship atingir o seu destino, muito provavelmente terá de reabastecer num entreposto marciano antes de regressar à Terra – outro feito que apresenta enormes desafios tecnológicos. 

O escudo térmico da Starship terá de ser suficientemente resistente para sobreviver a uma viagem até à superfície de Marte (NASA/JPL/Cornell)

A ideia de que, até 2029 – ou 2031, segundo publicações anteriores de Musk nas redes sociais – já existirá infraestrutura suficiente em Marte para tornar possível uma missão tripulada parece, no mínimo, utópica.

Ainda assim, especialistas do setor afirmam que as ambições arrojadas da SpaceX geram tanto entusiasmo como ceticismo.

“Sou um adepto do que a SpaceX está a tentar fazer. Subscrevo totalmente esta visão de uma sociedade multiplanetária,” afirma Olivier de Weck, professor do programa Apollo de Astronáutica e Sistemas de Engenharia no Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT). “Mas é, acima de tudo, um problema logístico. E o que me parece faltar é uma reflexão sobre os ciclos, a produção de combustível – e o regresso à Terra.”

Já Phil Metzger, físico planetário do Florida Space Institute, frisa que a SpaceX tende a cumprir o que promete, mesmo que com alguns anos de atraso.

“Sinto que tiveram azar com alguns dos (fracassos nos testes do Starship), tendo em conta o tipo de falhas que ocorreram nos últimos três,” afirma Phill Metzger. “Considerando a filosofia de design e desenvolvimento deles, penso que ainda estão dentro da janela de resultados esperados.”

No entanto, acrescenta Metzger, “estamos a chegar a um ponto em que começamos a preocupar-nos.”

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By Daniel Wege

Consultor HAZOP Especializado em IA | 20+ Anos Transformando Riscos em Resultados | Experiência Global: PETROBRAS, SAIPEM e WALMART

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