A chegada de 2025 marca um novo momento para as teses de investimento ESG. Os primeiros relatórios financeiros conforme as normas IFRS S1 e S2 do ISSB (International Sustainability Standards Board), que incluem riscos e oportunidades ligados à sustentabilidade e ao clima, serão divulgados por Renner e Vale.
Até aqui, as duas empresas são as únicas que se adiantaram de forma voluntária à obrigatoriedade de divulgação. A imposição começa a valer para todas as companhias de capital aberto no exercício de 2026, conforme decisão da Comissão de Valores Mobiliários (CVM).
Já são 56 as jurisdições que decidiram adotar o novo padrão.
As normas são reflexo de um esforço internacional para a padronização dos dados de sustentabilidade com foco nos investidores.
Companhias abertas divulgam algumas métricas ambientais nos seus relatos integrados, seguindo diretrizes do TCFD e do SASB. As novas regras do ISSB, porém, exigirão mais.
O relatório deverá fazer a conexão desses aspectos com as demonstrações financeiras, estimando impactos no curto, médio e longo prazo. Renner e Vale têm até setembro para divulgar os dados referentes a 2024.
Com mais detalhes em mãos, analistas do mercado financeiro poderão usar as informações para incorporá-las às avaliações das companhias, se assim desejarem. Embora não seja algo obrigatório, pessoas consultadas pelo Reset já preveem que analistas de bancos e de gestoras de fundos farão ajustes nos seus modelos de avaliação.
Esses impactos em valuation estão em discussão no Comitê Brasileiro de Pronunciamentos de Sustentabilidade (CBPS), responsável pela tradução das normas S1 e S2 e pela articulação no Brasil entre a CVM e os impactados.
“Em um dos grupos de trabalho estamos discutindo o que é realmente criação de valor. A percepção de preço de cada um pode ser diferente, é algo do próprio do analista, mas queremos dar um padrão de conceito”, explica Haroldo Neto, coordenador de Relações Institucionais do CBPS.
As normas vão garantir mais sofisticação para a atribuição de preço ao valor das ações, na visão de José Pugas, diretor de sustentabilidade da Régia Capital. A gestora foi formada este ano a partir de parceria entre a JGP Capital e o Banco do Brasil Asset e deve atingir entre R$5 bilhões e R$6 bilhões sob gestão este ano.
“Poderemos fazer uma projeção para ver, por exemplo, a suficiência das provisões financeiras para fazer frente a riscos climáticos, o quanto a empresa é dependente de ativos naturais”, explica Pugas. “No momento em que eu percebo que o clima é um risco, a própria análise fundamentalista me obriga a incorporar o fator. Não que a equação vá ser alterada, mas os elementos que a compõem e os seus pesos, sim.”
Os modelos da JGP usados pela Régia envolvem cerca de 140 indicadores. Um exemplo é o desmatamento gerado pelos negócios. Até agora, porém, a gestora não tinha a postura de precificar o risco, mas de limitar a exposição ao investimento.
Na visão de Pugas, as normas mudam isso e vão permitir aplicação de penalidades no valuation, com responsabilização da governança das companhias.
Mais confiança, menos greenwashing
Renato Tucci, sócio e líder de estratégias beta e investimento responsável da Itaú Asset, com R$ 1 trilhão sob gestão, prevê um reforço do engajamento com as empresas em que a gestora tem participação.
“Vamos conseguir integrar de forma mais pragmática os riscos e oportunidades. Para cada empresa e setor, a gente hoje tem os drivers materiais para identificar o que tem impacto com um banco de dados robusto. Mas há desafios porque a temática é dinâmica. Se tem algo novo, eu preciso modelar. Não conseguimos ter de forma harmônica a visão completa. No mínimo, a gente vai reavaliar a modelagem”, explica.
Entre os critérios de sustentabilidade da casa estão a gestão de resíduos e efluentes, rotatividade de colaboradores e diversidade no conselho de administração das companhias.
Pelo lado do sell side, o analista do Itaú BBA Victor Natal, responsável pelas carteiras de ações ESG, TOP 5, Small Caps e Dividendos, vê melhoria da confiança.
Pesquisa da auditoria PwC de 2023 mostra que 94% dos investidores mundiais veem algum nível de greenwashing nos relatórios. No Brasil, o percentual sobe para 98%.
“As normas resolvem a confiança, mas existem outros aspectos que elas não vão resolver, como se é um dever fiduciário ou não do gestor seguir os critérios sustentáveis. A nossa opinião é que sim, mas existe a discussão. Então elas não vão fazer com que o mercado de investimentos sustentáveis cresça em múltiplas vezes, mas ajudam”, estima Natal.
Ainda assim, o analista vê algum crescimento da alocação em ativos a partir do critério ESG. Dados da Anbima (Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais) analisados pelo BBA apontam que apenas 0,24% do patrimônio dos fundos do Brasil está alocado com base em critérios sustentáveis. São R$22 bilhões num universo de R$9,5 trilhões. Na Europa, os critérios estão aplicados a 50% do patrimônio investido.
Conforme os dados fiquem mais estruturados, naturalmente os investidores devem “subir a barra” para fazer a seleção de papéis. Essa é a visão de Maria Eugenia Buosi, sócia de ESG Finance da KPMG.
“Vai ter investidor que vai criar seu referencial e fazer um ranking, os que vão colocar os dados na premissa de uma variável. Existem vários modelos possíveis. Eu não tenho dúvida de que vai aumentar a integração com as métricas de sustentabilidade. Muitos investidores, às vezes por efeito do tanto de informação que precisam olhar, deixam de considerar riscos. Com a informação ali, vão entender que é relevante.”
Essa divergência de metodologias apontada por Buosi é vista como natural. Mesmo com a normatização, as casas de análise devem continuar a ter recomendações diferentes porque o modelo de valuation que leva em conta aspectos de sustentabilidade é particular de cada analista.
No caso dos fundos, a Anbima, enquanto reguladora, tem regras e boas práticas para a classificação deles como sustentáveis, mas a modelagem de avaliação dos ativos é desenvolvida por cada gestora.
Nesse cenário de recalibragem, os índices de ações temáticos como o MSCI ESG, ICO2 e ISE são vistos como complementares e ajudam a compor os modelos, mas não serviriam para alocação direta a todo investidor.
Desafio de ambos os lados
A S1 e S2 exigirão adaptação também para a formação dos analistas, algo reconhecido pelos times de research.
A ideia da Apimec (Associação dos Analistas e Profissionais de Investimento do Mercado de Capitais do Brasil) é acrescentar a IFRS S1 e S2 às exigências de obtenção do certificado CNPI, obrigatório para os analistas de investimento no Brasil . A associação está discutindo se haverá uma certificação extra ou se o ideal é integrar à avaliação geral.
Para as empresas, a conexão entre os riscos e oportunidades de sustentabilidade e a demonstração financeira traz um desafio contábil.
A Vale, por exemplo, fez alguns exercícios em seus relatos integrados. No futuro relatório ISSB, eles deverão ser mais abrangentes.
A mineradora assume como riscos mudanças na legislação para cumprir reduções de emissões de gases de efeito-estufa, a taxação de carbono e a adoção de materiais alternativos ao minério de ferro.
Em números, isso significa que o Ebitda ajustado (US$ 19 bilhões em 2023) pode ficar num percentual entre 90% e 140% do patamar atual.
Em caso de taxação do carbono, a Renner fez também um exercício em seu relato integrado. Ao aplicar um tributo sobre o carbono em um dos modelos de calça feminina, o resultado no curto prazo é de 6% de redução no lucro.
As emissões no escopo 1 e 2 são hoje uma das métricas com mais materialidade, usadas amplamente nos modelos de valuation, independentemente do setor.
Com o mercado regulado de carbono, as emissões devem ter efeito direto na avaliação dos papéis das companhias porque os setores terão limitação de emissões.
Tendências
A adoção das normas S1 e S2, o mercado de carbono regulado e a nova Contribuição Nacionalmente Determinada (NDC, na sigla em inglês) expressa pelo Brasil reforçam a tese de investimento ESG nos próximos anos.
Para a Régia Capital, esse cenário favorece a tese de “finanças de transição”, com atuação mais ativa dos fundos. No cenário global, a gestora vê com força a estratégia temática, mas não no Brasil, devido ao tamanho pequeno do mercado de capitais.
Para o Itaú BBA, é possível complementar as teses de investimento best-in-class e best-in-progress no momento de selecionar as ações.
As empresas recomendadas pela research incluem as empresas que já alcançaram um alto nível em critérios ESG (best-in-class), mas também as que mostram uma boa evolução nas métricas de sustentabilidade (best-in-progress).