A minissérie Cidade Tóxica (Toxic Town), que chegou recentemente à Netflix, escancara um dos maiores escândalos ambientais do Reino Unido. A trama ficcionaliza o caso real da contaminação em Corby, cidade inglesa marcada por décadas de descaso governamental e má gestão de resíduos tóxicos.

Mas, por trás dos personagens da série, existem figuras da vida real que influenciaram os eventos retratados. Roy Thomas e Pat Miller podem ser fictícios, mas suas histórias têm raízes profundas na realidade.

Roy Thomas: Um rosto para a corrupção sistêmica

Na série, Roy Thomas é retratado como o inescrupuloso líder do conselho municipal, aquele que simboliza a ganância e a negligência das autoridades responsáveis pela reurbanização de Corby. Porém, segundo as fontes históricas, ele não foi baseado em um único indivíduo.

Em vez disso, a produção condensou vários líderes do Corby Borough Council (CBC) que atuaram entre 1984 e 2010, especialmente Kelvin Glendenning, que esteve à frente do conselho durante um período crucial da crise ambiental.

Nos anos 80, a cidade enfrentou um colapso econômico após o fechamento da British Steel Corporation, que deixou mais de 11 mil pessoas desempregadas. Em resposta, o conselho iniciou uma operação de reurbanização em larga escala para revitalizar Corby.

O problema? A pressa para cumprir prazos e cortar custos levou à escolha de métodos inseguros na remoção de resíduos industriais, o que resultou na contaminação do ar e no aumento alarmante de casos de bebês nascendo com malformações.

Uma das figuras reais que denunciou a situação foi Sam Hagen, então vice-líder do conselho, que apontou irregularidades nas contratações e alertou sobre os riscos da exposição à poeira tóxica. No entanto, como retratado na série, a burocracia e a corrupção dentro do próprio governo impediram que medidas fossem tomadas a tempo.

Pat Miller e as empresas despreparadas para lidar com resíduos tóxicos

Outro personagem central da série é Pat Miller, o empresário que recebe contratos milionários sem ter qualificação para lidar com resíduos perigosos. Na vida real, a inspiração para essa figura veio de empresas como Noone and McGowan Ltd. e Shanks & McEwans Ltd., contratadas pelo governo para realizar a remoção dos rejeitos industriais.

Um dos responsáveis por expor essa farsa foi Mark Bosence, funcionário da reurbanização que tentou denunciar as más práticas de gestão dos resíduos. No entanto, ao invés de ser ouvido, ele foi retirado do projeto, o que reflete a mesma lógica de silenciamento vista na série. Além disso, documentos judiciais revelaram que caminhões da Shanks & McEwans eram frequentemente vistos vazando lama tóxica pelas ruas da cidade, o que reforça a negligência total das empresas envolvidas.

Apesar da gravidade das acusações, nenhum executivo ou empresa foi penalizado criminalmente. O máximo que aconteceu foi a dissolução dessas companhias anos depois, deixando para trás um legado de doenças e sofrimento para a população de Corby.

O impacto e a justiça tardia

Em 1998, o jornalista Graham Hind, do Sunday Times, começou a investigar os casos de bebês com deformidades em Corby, trazendo atenção nacional para o escândalo. Mas foi só em 2003 que o governo começou a enfrentar consequências legais, quando o advogado Des Collins entrou com uma ação coletiva representando as famílias afetadas.

Durante o processo, Chris Mallender, então chefe executivo do CBC, se recusou a aceitar um acordo e levou o caso à justiça. O veredito final saiu anos depois: a corte determinou que o conselho era responsável pelos danos e ordenou o pagamento de 14,6 milhões de libras a 18 famílias, marcando uma das primeiras vitórias de um grupo de vítimas de contaminação ambiental no Reino Unido.

Por que a série foca em um vilão central?

A decisão dos criadores de Cidade Tóxica de condensar vários líderes do conselho em Roy Thomas foi puramente narrativa. Em uma história tão complexa, mudar constantemente o rosto da autoridade corrupta poderia enfraquecer o impacto dramático da série. Assim, Thomas se torna o símbolo único de um sistema falho, canalizando a revolta do público para um antagonista claro.

O mesmo acontece com Pat Miller, que representa empresários que, por ganância, aceitaram contratos sem terem capacidade técnica para lidar com materiais perigosos. A série deixa claro que essas falhas sistêmicas não foram um acidente, mas sim escolhas feitas repetidamente por pessoas que priorizaram o dinheiro em detrimento da vida humana.

No fim das contas, Cidade Tóxica não é apenas um drama sobre um escândalo ambiental. É um retrato contundente de como governos e empresas podem se alinhar em esquemas corruptos, com consequências devastadoras para as pessoas comuns. E, infelizmente, é uma história que se repete em diferentes partes do mundo.

By Daniel Wege

Consultor HAZOP Especializado em IA | 20+ Anos Transformando Riscos em Resultados | Experiência Global: PETROBRAS, SAIPEM e WALMART

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