Entre o leque de parlamentares que justificaram faltas por motivos de transporte está o vice-presidente da Assembleia da República, Diogo Pacheco de Amorim, que tem direito a motorista privado. Maior parte aponta dificuldades de trânsito e imprevisibilidade nos acessos a Lisboa

Na última legislatura sete deputados deram 12 faltas no Parlamento por “dificuldades de transporte”, uma justificação que apenas pode ser usada em “casos excecionais”, segundo a lei que define os direitos e deveres dos eleitos à Assembleia da República (AR). Entre os parlamentares que mais faltas deram por este motivo estão nomes como o socialista André Pinotes Batista e o vice-presidente da AR Diogo Pacheco de Amorim, do Chega, que tem direito a motorista particular. Em ambos os casos os deputados disseram à CNN Portugal que a culpa é do trânsito. 

Na lei que define os Estatuto dos Deputados é referido que se considera “motivo justificado de falta” a “doença”, o “casamento”, a “maternidade e a paternidade”, o “luto”, “força maior”, ou a participação em trabalho político. No entanto, existe a possibilidade de os deputados justificarem faltas em casos “excecionais” de “dificuldades de transporte”. 

Augusto Santos Silva, antigo presidente da Assembleia da República, destaca à CNN Portugal que esta exceção prevista na lei foi concebida para situações “fora do controlo dos deputados” que possam impedir a sua deslocação ao Parlamento. “Basta pensarmos nos constrangimentos nos comboios ou, no caso dos deputados eleitos pelos círculos da Madeira e dos Açores, em atrasos e cancelamentos de voos”, exemplifica. Santos Silva acrescenta ainda que a verificação das justificações das faltas cabe aos vice-presidentes da AR, que assumem essa responsabilidade de forma rotativa, de 15 em 15 dias. 

A aceitação dessas justificações por parte dos parlamentares é feita num princípio de “boa-fé”. “Aqui acaba por vigorar um critério de bom senso”. “Isto é, se o deputado falta demasiadas vezes, é normal que o vice-presidente levante o sobrolho”, esclarece. Também Duarte Pacheco, ex-deputado social-democrata e antigo secretário da Mesa da Assembleia da República, aponta que, para que um deputado possa justificar a sua falta com questões de transporte, “tem de explicitar os factos e é necessário que esses factos sejam de natureza pública e notória, como é exemplo um aeroporto fechado ou uma greve nos comboios”. “Não basta dizer que não havia transportes”, afirma.

Diogo Pacheco de Amorim justificou três faltas por dificuldades de transporte

Segundo os registos da Assembleia da República, das 12 faltas que foram justificadas com “dificuldades de transporte”, quatro foram dadas pelo deputado socialista André Pinotes Batista e três pelo deputado do Chega Diogo Pacheco de Amorim, que foi também eleito vice-presidente da Assembleia da República. As restantes faltas dizem respeito ao deputado social-democrata Paulo Neves, que justificou duas faltas por este motivo; e aos deputados do PS Pedro Sousa, Lia Ferreira e Luís Dias, que deram, cada um, uma falta por esta razão. 

À CNN Portugal, os deputados que deram mais faltas por razões de dificuldades de transporte, justificam-se com o congestionamento nos acessos a Lisboa. Pacheco de Amorim, que tem residência no Estoril, refere que a razão de ter apresentado faltas nesse sentido prende-se “não por dificuldade em arranjar forma de chegar”, mas sim por “muitas questões de trânsito” que “o levam a chegar atrasado”. “O que eu admito é que tenha tido falta por chegar atrasado”. “Não tem a ver com a dificuldade de transportes, mas com a dificuldade em chegar” ao Parlamento.

O deputado dá como exemplo as sextas-feiras, em que o Plenário na Assembleia da República costuma acontecer às 10:00. “Eu normalmente demoro 50 minutos a chegar, mas calculo sempre para sair uma hora ou uma hora e dez minutos antes”. “Agora, uma pessoa não pode estar a contabilizar uma hora ou duas horas, ou sair às 06:00 porque está a contar que haja um desastre”. Além disso, diz, “o motorista, se deteta que há uma dificuldade de trânsito particular, avisa-me e nós saímos antes”. No entanto, “quando há um desastre é impossível prever”. “O desastre nós não podemos estar a metê-lo permanentemente nas nossas expectativas”.

Pacheco de Amorim descarta também a possibilidade de utilizar transportes públicos pela sua função no Parlamento. No entanto, garante, “antes de ser nomeado para esta função usava-os”. “Para tentar não chegar atrasado posso usar os faróis do carro – marcha de urgência – mas isso eu nunca faço”, continua Pacheco de Amorim, apontando que, quando chega o momento de justificar as faltas, afirma que prefere marcá-las como “dificuldades de transporte” do que recorrer ao “pretexto do trabalho político” que, segundo os registos da Assembleia da República, é a razão mais frequente para a ausência de deputados. “Eu fujo a atirar para cima dessa velha história”. “Quando é trabalho político, é trabalho político, se são outras coisas, são outras coisas”.

Por ser vice-presidente da Assembleia da República, Diogo Pacheco de Amorim tem direito a motorista privado. Em dezembro do ano passado, foi noticiado que o mesmo apresentou como despesa 600 horas extraordinárias, mais 400 do que o limite previsto pela lei, alegando como justificação o facto de viver fora de Lisboa e de várias vezes ter de desempenhar funções de representação em nome do presidente da Assembleia da República, José Aguiar Branco. Sobre esta questão, refere que ele não é caso único e que nos últimos 10 anos vários motoristas apresentaram 55 mil horas extraordinárias. “Havia horas extraordinárias por todo lado”. “Isso acabou por ser resolvido internamente”.

André Pinotes Batista, eleito pelo círculo de Setúbal, refere que para chegar à AR demora entre uma e três horas

Na mesma linha, o deputado do PS, André Pinotes Batista, que justificou quatro faltas por dificuldades de transporte, refere que a maior parte das situações se deveram a dificuldades de trânsito ou acidentes na ponte 25 de Abril. “Eu moro no Barreiro e demoro às vezes entre uma e três horas a fazer o trajeto para São Bento”.

Assim, acrescenta, “o que normalmente acontece é que entro em contacto com quem esteja a coordenar a reunião e informo, por exemplo a Alexandra Leitão, de que o meu carro não voa”, aponta, acrescentando que costuma “enviar um print-screen do trânsito”. “À exceção de uma vez que tive uma avaria no carro, foi tudo derivado a acidentes na Ponte 25 de Abril”. 

Já sobre a possibilidade de ir de transportes públicos para o Parlamento, o deputado garante que há vezes em recorre ao barco para atravessar as duas margens. “Isso permite-me normalmente chegar a horas”. “Mas nem sempre posso escolher essa solução porque raramente o meu dia é passado só no Parlamento e, como não tenho motorista, prefiro ser eu a fazer esse trajeto”.

Segundo o estatuto dos deputados da Assembleia da República, os deputados só podem dar até cinco faltas injustificadas antes de arriscarem perder o mandato. Mas, aponta Duarte Pacheco, a própria natureza dessa justificação “muitas vezes depende do grau de compreensão do vice-presidente”, “especialmente se forem justificadas como assistência à família ou trabalho político – que são as mais frequentes”.

By Daniel Wege

Consultor HAZOP Especializado em IA | 20+ Anos Transformando Riscos em Resultados | Experiência Global: PETROBRAS, SAIPEM e WALMART

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *