O primeiro semestre de 2025 terminou com o maior patamar de desastres de trânsito (14.655) e mortes (760) nas rodovias estaduais e federais que cortam Minas Gerais desde o fim das restrições mais severas adotadas na pandemia do novo coronavírus, em 2022. Na comparação entre os primeiros seis meses dos últimos anos, as ocorrências vêm subindo seguidamente, com aumento de 1,5% neste ano em relação a 2024 e um salto de 10,4% em termos de mortes (veja infográfico na página ao lado), aponta levantamento feito pelo Estado de Minas.
No semestre que passou, desastres na BR-381 mataram 74 pessoas, situação quase idêntica à da BR-040, com 73 vidas perdidas. Com 27 óbitos, a MGC-135 foi a mais mortal entre as rodovias estaduais. Os dados utilizados pelo EM são referentes às ocorrências da Polícia Rodoviária Federal, no caso das BRs, e da Secretaria de Estado de Justiça e Segurança Pública (Sejusp) de Minas Gerais, com os registros de sinistros nas estradas estaduais e nas federais concedidas.
A maior gravidade dos desastres pode explicar o salto nas fatalidades no estado, com a letalidade total – considerada a proporção de pessoas que morrem em determinado conjunto de sinistros – chegando a 5,2 mortes a cada 100 ocorrências no primeiro semestre de 2025. Após apresentar melhora gradual entre 2022 e 2024, o índice de letalidade voltou a subir neste ano, marcando uma reversão negativa para vias estaduais e federais.
A equação da fatalidade
Para a diretora da Associação das Clínicas de Trânsito de Minas Gerais (Actrans-MG), Giovanna Varoni, alguns fatores têm contribuído para o agravamento dos acidentes e para a ampliação da letalidade nas rodovias mineiras. “É uma equação fatal: estradas perigosas somadas ao comportamento imprudente equivalem a mais mortes”, afirma.
Ela constata que o fluxo rodoviário cresceu significativamente após a pandemia. “E as estatísticas revelam índices alarmantes de condutas perigosas – velocidade excessiva, reduzindo o tempo de reação e multiplicando a gravidade dos impactos, ultrapassagens imprudentes e desatenção. A fiscalização insuficiente cria uma sensação de que infrações não serão punidas e as rodovias – principalmente no interior – são inadequadas: faltam sinalização, acostamentos e segurança básica”, avalia.
A principal fonte do agravamento da violência no trânsito rodoviário em Minas no primeiro semestre de 2025 vem das estradas estaduais. Elas não só concentram mais que o dobro do número de desastres em comparação com as federais, como também apresentam a mais drástica projeção de aumento de fatalidades, com um salto de 13,1% nas mortes entre 2024 e 2025.
As rodovias sob responsabilidade do estado também concentraram a vasta maioria dos acidentes (69,7%), enquanto as federais responderam por 30,3% do total. É importante destacar que a malha rodoviária de Minas Gerais é a maior do Brasil, com uma extensão total de 272.087,90 quilômetros. Desses, 9.205 quilômetros (3,38%) estão sob responsabilidade federal e – praticamente o triplo – 27.211 quilômetros (10%) são estaduais. A capilaridade mais ampla de estradas é municipal, com 240.571,90 quilômetros (88,43%).
BRs são mais mortais
Mas a situação muda drasticamente quando se trata da proporção de desastres fatais: as rodovias federais, com menos de um terço dos desastres, registraram a maioria das mortes (51,2%). Isso significa que um sinistro em uma BR, sob responsabilidade federal, foi quase 2,5 vezes mais letal do que um ocorrido em uma rodovia estadual mineira. No último semestre, foram 8,8 mortes a cada 100 desastres nas BRs, contra 3,6 óbitos por 100 ocorrências nas MGs.
Nas rodovias federais, as principais causas relatadas pela Polícia Rodoviária Federal (PRF) para desastres com mortes foram a ausência de reação do condutor (57 vítimas), velocidade incompatível (48), transitar pela contramão (42), reação tardia ou ineficiente do motorista (37) e situações em que o condutor dormiu (23). Os tipos mais frequentes de ocorrências fatais foram colisões frontais (111 vítimas), saídas de pista (72), atropelamentos de pedestre (57), colisões traseiras (31) e batidas transversais (30).
E quais são as causas?
“As colisões frontais são resultado direto de ultrapassagens em pistas simples, enquanto as saídas de pista ocorrem por velocidade excessiva, desatenção ou sono. Os atropelamentos costumam se dar em locais sem infraestrutura adequada para pedestres. A ausência de reação e reações tardias indicam motoristas com capacidade comprometida de processar informações e tomar decisões sob pressão. A desatenção também é ligada ao uso de celular, conversas ou ‘piloto automático’ mental”, observa a diretora da Actrans-MG, também especialista em segurança viária e psicóloga de trânsito.
Já nas estradas estaduais, segundo a Secretaria de Estado de Justiça e Segurança Pública (Sejusp), entre as ocorrências com mortos em que foi possível estipular uma causa principal, as mais destacadas foram a falta de atenção ao trânsito (70 mortes), veículos trafegando na contramão (41 mortes) e condutores dirigindo acima da velocidade permitida (28 mortes).
Mais desastres e mortes
No cenário de aumento na violência nas rodovias federais que cortam Minas Gerais durante o primeiro semestre deste ano, a BR-040 e a BR-262 foram as principais responsáveis pela piora do quadro geral. A primeira teve um roteiro em que desastres e mortes cresceram juntos, enquanto a segunda apresentou um quadro ainda mais preocupante: uma pequena redução nas ocorrências foi ofuscada por um aumento abrupto de 76,5% no número de óbitos, indicando que a gravidade dos acidentes na via se tornou muito mais severa.
Entre as estradas estaduais mineiras com mais ocorrências no primeiro semestre de 2025, a MGC-135 se tornou a mais letal, com aumento de 35% nas mortes, apesar de ter registrado redução no número de desastres. Da mesma forma que na BR-262, esse é o indicativo mais forte de um aumento drástico na gravidade dos sinistros. Outro trecho de alerta é a MGC-491, onde as mortes subiram 150% no comparativo de seis meses entre 2024 e 2025.
Ponto crítico na BR-040
Nas rodovias sob responsabilidade federal, a BR-040 em Itabirito, no Km 582, foi onde mais ocorrências com mortes foram registradas em um só segmento de mil metros. Foram quatro óbitos em dois desastres no primeiro semestre de 2025. O mais grave aconteceu em 8 de abril, quando um carro que seguia de Jeceaba para Belo Horizonte saiu da sua pista e bateu de frente em uma carreta carregada de minério de ferro. Três pessoas do carro morreram e dois ocupantes do veículo de carga ficaram feridos. Segundo a PRF, o motorista do carro dormiu e invadiu a contramão. No local, a combinação de uma geometria severa no entorno da Serra da Moeda, com longo declive e curvas fechadas, e o intenso tráfego de veículos pesados, especialmente transportadores de minério, aumentam os riscos.
Outro trecho marcado por muitas mortes na BR-040 fica em Carandaí, entre o Km 662 e Km 669, onde ocorreram nove óbitos em quatro acidentes no primeiro semestre. Essa parte da estrada, sem acostamento ou separação em trechos de serra, é marcada por diversos acessos de veículos de transporte de cargas pesadas a complexos industriais.
O maior risco nas MGs
Entre as rodovias estaduais, a MGC-135 teve 10 mortes atribuídas à “falta de atenção do condutor”, com ocorrências localizadas em Bocaiuva, Buenópolis, Corinto, Curvelo, Engenheiro Navarro, Manga e Montes Claros. O município com mais mortes registradas na estrada foi Bocaiuva, no Norte de Minas, com oito vítimas. A serra de Bocaiuva (do Km 400 ao Km 404), que passa por obras de ampliação, é um segmento crítico com longo e sinuoso trecho em declive, especialmente perigoso na época de chuvas, e acessos diretos e com pouca visibilidade a propriedades rurais.
Na MG-050, as maiores concentrações de acidentes ocorreram em Divinópolis (159), Itaúna (114) e Passos (71). Dois segmentos de menos de 10 quilômetros foram os mais violentos, cada um com três óbitos. Um deles fica entre o Km 330 e o Km 336, em Passos, após a praça de pedágio, caracterizado por uma estrada estreita com limitados pontos de ultrapassagem e grande volume de veículos. Outro segmento crítico está em Pimenta, entre o Km 235 e o Km 238, também uma estrada estreita e de pistas simples, com curvas fechadas e sem pontos de ultrapassagem adequados.
A Rodovia MG-010 tem sua maior concentração de acidentes na Grande BH, com a capital Belo Horizonte concentrando 199 ocorrências, principalmente nos bairros Serra Verde (57), nas imediações da Cidade Administrativa, Satélite (35) e Canaã (28). Vespasiano e Jaboticatubas também registraram números significativos de acidentes na estrada.
Siga nosso canal no WhatsApp e receba as notícias relevantes para o seu dia
Solução deve ser conjunta
Para a diretora da Associação das Clínicas de Trânsito de Minas Gerais (Actrans-MG), Giovanna Varoni, a redução das mortes em desastres rodoviários exige ação coordenada e urgente. “São necessárias medidas de infraestrutura, como a duplicação de pistas, sinalização inteligente e iluminação adequada, dispositivos de alerta sonoro e redutores de velocidade, além de passarelas e travessias para pedestres”, enumera.
Em relação à fiscalização, ela cobra presença permanente da polícia rodoviária, combate rigoroso à embriaguez, ao uso de celular e ao excesso de velocidade. Já no campo da educação para o trânsito, a representante da Actrans defende campanhas regionais, programas permanentes sobre ultrapassagem segura e sobre os perigos do sono ao volante.
Especialista em saúde mental no trânsito, Giovanna Varoni destaca ser este um ponto crucial, mas negligenciado. “Motoristas estressados, fatigados ou com sobrecarga mental são bombas-relógio no trânsito. O ato de dirigir exige atenção total e decisões rápidas, fatores que o estresse compromete gravemente. Por isso, algumas medidas urgentes são a avaliação psicológica obrigatória a cada renovação de CNH, não apenas na primeira habilitação; revisão dos prazos estendidos para renovação, que permitem motoristas com problemas não detectados circularem por anos; e programas de saúde mental para motoristas profissionais. Esses dirigem veículos pesados e potencialmente mais perigosos, aumentando a letalidade do trânsito”, alerta.
“Os dados revelam um padrão claro e preocupante: 90% dos acidentes fatais têm origem no fator humano. Precisamos tratar o trânsito como questão de saúde pública, com foco na prevenção dos fatores humanos que causam essas tragédias”, alerta Giovanna Varoni.