Se dependesse apenas da Companhia Vale do Rio Doce, que era então uma empresa estatal, a primeira ponte sobre o rio Tocantins, em Marabá, com extensão de 2.430 quilômetros, seria exclusivamente ferroviária. A Vale trabalhava com o máximo de pressa para colocar o minério no Japão, destino principal da produção de Carajás, seguindo por uma das maiores ferrovias de carga do planeta, com 870 quilômetros de extensão.

A CVRD resistiu, a princípio, mas a pressão do governo do Pará e da opinião pública local, acabou por definir o uso duplo da ferrovia. Era a compensação pela derrota do Estado na disputa, com o Maranhão, pelo escoamento do que viria a ser a maior e melhor mina de ferro a céu aberto, por uma saída fluvial, pelo litoral do Pará. Prevaleceu, porém, a linha férrea, coerente com a exportação direta ao porto da Ponta da Madeira, em São Luís. Os japoneses não aceitariam outra decisão. Afinal, ficariam com 60% do minério exportado.

Em 28 de fevereiro de 1985 a ferrovia foi inaugurada, apenas três anos depois de começar a ser construída. A ponte seria aberta dois meses depois, com uma via, na parte central, para os trens, e duas vias rodoviárias nas laterais. Pela primeira vez no Brasil, o padrão seria o inglês, de mão ao contrário da norma brasileira.

Com as duas novas estradas em construção, uma rodoviária e outra ferroviária, a imprensa anuncia que o Ministério Público Federal pediu a suspensão da licença para a obra, cujo valor total é de 4,1 bilhões de reais. A ação contra a mineradora e o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis apontam danos socioambientais, falta de consulta prévia a comunidades tradicionais e omissão na fiscalização do empreendimento.

Segundo a ação, o projeto causa impactos socioambientais graves, como queda de até 40% na renda de pescadores, contaminação da água e perda de pontos tradicionais de pesca, além de não ter realizado a consulta prévia às comunidades ribeirinhas, prevista em convenção internacional. O Ibama é acusado de omissão na exigência da consulta prévia, livre e informada, e na fiscalização dos impactos da obra.
O MPF alega que as comunidades de pescadores artesanais e ribeirinhos da região são prejudicados desde o início da duplicação da ponte por redução de cerca de 40% no pescado e na renda das famílias; dificuldade de navegação e aumento dos custos de combustível; contaminação da água do Tocantins, usada para consumo, banho e lavagem de roupas; perda definitiva de pesqueiros tradicionais; exclusão dos programas de mitigação e monitoramento do licenciamento.

Já o MPF acusa a Vale de se negar a compartilhar dados de monitoramento de pesca com os próprios pescadores e com pesquisadores da Universidade Federal do Sul e Sudeste do Pará, além de utilizar metodologia considerada falha no estudo da ictiofauna da região.

A imprensa noticia que o MPF solicita decisão urgente “que determine a suspensão imediata da licença de instalação até que a consulta prévia seja feita. Também pede que a Vale seja obrigada a pagar uma verba mensal de, no mínimo, um salário mínimo a cada pescador atingido; fornecer combustível, gelo, embarcações e materiais de pesca para adaptação da atividade; e corrigir a avaliação de impactos ambientais e garantir fiscalização da qualidade da água”.

Ao final do processo, o MPF pede que a licença seja declarada nula e que a Vale e o Ibama sejam condenados solidariamente a pagar R$ 100 milhões por danos morais coletivos.
Nenhuma referência ao fato de que, desde o início do projeto Carajás, quem está por trás da aceleração e ampliação da produção mineral são os grandes compradores, inicialmente os japoneses, agora os chineses. Por isso a Vale se empenha em enviar o mais rápido e em volume cada vez maior o valioso ferro de Carajás, o melhor do mundo.


A imagem que abre este artigo mostra a estrada de ferro Carajás utilizada no transporte do minério extraído pela Vale de território paraense (Foto: Agência Pará).

By Daniel Wege

Consultor HAZOP Especializado em IA | 20+ Anos Transformando Riscos em Resultados | Experiência Global: PETROBRAS, SAIPEM e WALMART

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