Algo que já foi entrave no mercado imobiliário, a construção em terrenos contaminados agora é um caminho para conseguir um bom espaço nas cidades.

Estamos vivenciando a substituição de áreas que no passado foram industriais por edificações para serviços e moradia, é processo pelo qual as principais capitais do Brasil também estão passando”, afirma Thomaz Toledo, presidente da Cetesb (Companhia Ambiental do Estado de São Paulo). A atividade industrial é a maior fonte de contaminação do solo e da água subterrânea nos ambientes urbanos.

Terrenos contaminados são comuns. A Cetesb tem cadastradas em seu sistema 7,5 mil áreas contaminadas no Estado. Mas a reabilitação desses terrenos também é recorrente: do total, 2,5 mil já passaram por uma remediação. Em São Paulo, onde a disputa por espaço para construir é ainda maior, 41% das 2,8 mil áreas cadastradas como contaminadas já foram reabilitadas.

O setor imobiliário é o maior responsável pela recuperação dessas áreas: está presente em 64% dos 2,5 mil terrenos remediados. Se depender do apetite do setor, esse patamar deve seguir alto.

A Cetesb lançou neste mês uma nova edição do seu manual sobre descontaminação do solo, a primeira revisão desde 2001, conta Toledo. A ideia é que, com os processos mais claros, a aprovação de planos de remediação seja mais rápida. O órgão tem tentado manter o tempo de aprovação em até 60 dias, ante uma média de 9 meses há poucos anos.

Roberta Jardim, sócia de direito ambiental do escritório Cescon Barrieu, explica que para construir em um terreno contaminado não é preciso acabar com todos os poluentes, mas chegar até os padrões mínimos exigidos para cada tipo de ocupação. Além das regras da Cetesb, há uma norma federal sobre o tema, a Conama nº 420.

É comum, por exemplo, que a contaminação das águas subterrâneas no terreno não seja totalmente resolvida, mas a empresa é liberada para tocar seu projeto, desde que o prédio não use essa água. “É obrigatório [a restrição] estar na matrícula do imóvel, no registro da convenção do condomínio, com publicidade absoluta”, afirma Ely Wertheim, presidente-executivo do Secovi-SP, sindicato do setor imobiliário.

O uso comercial tem parâmetros mais “brandos” do que o residencial, o que transforma as áreas contaminadas em oportunidades de negócio. É o caso da Goodman, que constrói galpões para logística de “última milha”, focados em entregas rápidas, em São Paulo e na região metropolitana.

A empresa precisa de áreas grandes e com boa localização nas cidades, o que a coloca em disputa com o segmento residencial, principalmente o de baixa renda. Mas as obras de logística não são “verticalizadas”, usam menos do potencial do terreno e, por isso, pagam menos pela área. “Em uma disputa padrão, sem contaminação, o residencial está ganhando, então passamos a ver imóveis contaminados com bons olhos”, afirma Tamara Mereb, diretora de novos negócios e propriedades da Goodman no Brasil. “O imóvel contaminado assusta mais o player residencial, é algo que nos ajuda a comprar”.

Essa contaminação é avaliada superficialmente antes da compra do terreno. O custo para remediá-la é calculado e entra na negociação com o terrenista, em forma de desconto.

“A maioria das pessoas não entende que esse passivo não é nosso, é um tema muito sensível nas negociações”, afirma Bruna Santini, diretora de incorporação da Cury. A Goodman também já deixou de fazer negócios por não chegar a um acordo entre as partes.

A empresa está construindo um galpão logístico no terreno onde, por um século, funcionou uma indústria química, a Rhodia. Foi constatada a presença de metais pesados no solo, que precisou ser escavado e retirado. Também foi feita a injeção de neutralizantes no terreno, conta Mereb.

O solo também foi elevado em quatro metros, para evitar enchentes. Com a escavação, foi necessário trazer 370 mil metros cúbicos de terra, vinda de outras obras, em 25 mil viagens de caminhão. “E ainda recusamos 100 mil metros cúbicos, que estavam contaminados”, afirma a diretora. A empresa não abre os valores envolvidos na operação.

Na Cury, é considerada viável uma remediação que custe até 1% do valor geral de venda (VGV) total do empreendimento, afirma Santini. “Tem terrenos em que a remoção do solo custou R$ 300 mil, outros em que foi R$ 8 milhões”.

Antes, a empresa evitava áreas assim. Agora, não mais. “Existe escassez da nossa matéria prima, que é o terreno, não dá pra se dar ao luxo de escolher não enfrentar esse tipo de situação”, diz.

Com projetos em São Paulo e no Rio, a companhia se depara com mais áreas contaminadas na capital paulista, devido ao perfil mais industrial da cidade.

A depender da região em que a empresa atua, essas áreas são quase inevitáveis. É o caso da incorporadora Porte, que constrói no Tatuapé e no Jardim Anália Franco, na Zona Leste de São Paulo. “Por estarmos concentrados nesses bairros, que tinham ocupação fabril, precisamos nos especializar no assunto”, afirma Marília Kovacsik, gerente de legalização da Porte.

A empresa está investindo cerca de R$ 3 milhões na descontaminação de um grande terreno em frente ao Sesc Belenzinho, onde terá um projeto multiuso, com residenciais, escritórios, hotel, shopping e teatro. Ali, no passado, já operou uma indústria de galvanoplastia, que liberou metais pesados no solo. O valor é alto, mas viável diante dos R$ 2,8 bilhões de VGV previstos para o local.

A retirada do solo, com descarte para aterros especializados, é a saída mais simples e a preferida das incorporadoras. Quando a contaminação envolve o lençol freático, a situação se complica. Santini conta que, pela movimentação natural da água, o processo se torna mais demorado e, pior, imprevisível. “É mais difícil fazer as injeções de componentes que descontaminam”, diz. “Tem que injetar, medir, dar um tempo, medir de novo”.

Toledo afirma que, hoje, há solução para todo tipo de contaminação por substâncias químicas. “O que entra na discussão é o custo”, diz.

O interesse do mercado imobiliário pela descontaminação das áreas não significa que os terrenos com poluentes se tornarão mais raros no futuro, pontua Igor Melro, diretor comercial da Porte, porque a legislação ambiental evolui e se torna mais restritiva. “Quanto mais os anos passam, mais contaminantes aparecem”.

Um contaminante comum são hidrocarbonetos que vazaram de antigos tanques de postos de combustível. Postos novos precisam ter tanques com parede dupla, para evitar o vazamento, afirma Toledo.

Outra contaminação recorrente é por organoclorados, resultado do uso de solventes para retirar graxa de maquinário industrial. A substância é da mesma classe do pesticida DDT. “Tem técnica de reabilitação que consiste em aplicar carga elétrica no solo, ele aquece a 100 graus Celsius, esses compostos são voláteis e evaporam”, explica.

Em São Paulo, na região de Jurubatuba (Zona Sul), vários terrenos foram contaminados dessa forma. Mesmo assim, tem sido possível fazer desenvolvimento imobiliário no local, lembra Santini. “Era uma área que ninguém olhava, tem grandes problemas ambientais, e hoje existe movimento forte de incorporação”.

By Daniel Wege

Consultor HAZOP Especializado em IA | 20+ Anos Transformando Riscos em Resultados | Experiência Global: PETROBRAS, SAIPEM e WALMART

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *