Nestes tempos em que o debate público é cada vez mais refém de narrativas políticas, o oftalmologista e psiquiatra goiano Leonardo M. Reis propõe uma reflexão desconfortável — porém necessária. Em “A Esquerdopatia na Medicina, na Vida Geral e em Particular” (editora Conexão), ele analisa como o pensamento de esquerda, em suas múltiplas vertentes, infiltrou-se nas estruturas sociais, culturais e científicas do país, incluindo a própria prática médica.
Com base em sua formação acadêmica e passagens por instituições da área da saúde, Reis busca identificar os efeitos dessa “contaminação” — que, segundo ele, ameaça princípios basilares da medicina e da liberdade intelectual. No trecho a seguir, o autor revisita três episódios simbólicos da História recente: o programa Mais Médicos, a Lei do Ato Médico e a abertura desenfreada de novas faculdades.
O Programa Mais Médicos, lançado em julho de 2013 pelo governo socialista brasileiro, previa que o Ministério da Saúde repassasse aproximadamente R$ 11,5 mil por médico à OPAS (Organização Pan-americana de Saúde), que enviava os profissionais de Cuba. Destes, cerca de R$ 3 mil eram pagos diretamente aos médicos, e os outros R$ 8,5 mil, retidos pelo governo cubano.
Porém, a ideia de trazer médicos de Cuba já era gestada pelo menos dez anos antes do lançamento. Por ocasião de um evento estudantil nacional em 2003, um amigo estudante de medicina na época, e líder da militância socialista juvenil, me relatou a intenção do governo de trazer “companheiros” que estavam se formando em Cuba.
Obviamente, não vi vantagem nenhuma no plano, porque os que estavam lá e em outros países da América Latina se deslocaram, na maioria dos casos, por não conseguirem aprovação em universidades brasileiras. Portanto, não seria razoável que retornassem sem uma comprovação de proficiência, ou pelo menos de suficiência técnica e cognitiva.
A publicização do plano de “importação” de médicos cubanos e brasileiros formados em Cuba se deu em janeiro de 2013, o que ensejou as primeiras manifestações de rua daquele ano, que se tornaram gigantescas até meados do mesmo ano.
O movimento estudantil, juntamente com médicos, saiu às ruas já no início do ano para se manifestar contra a vinda de médicos “estrangeiros”, ou melhor, formados no exterior, independentemente da nacionalidade, sem revalidação dos seus diplomas.
Fato é que a Lei n° 12.871/2013 foi aprovada e sancionada pelo governo socialista brasileiro, aliado ao governo cubano, que repassava a maior parte do dinheiro do programa à ditadura de Castro.
Programa eleitoreiro
No auge, o programa contava com cerca de 18.240 médicos no total — mais de 11 mil deles cubanos. Em 2014, médicos cubanos representavam cerca de 79% dos participantes.
O movimento médico brasileiro se opôs fortemente porque o programa era eleitoreiro e os médicos estrangeiros atuavam sem revalidação de diplomas e domínio do português, além de ser uma maneira de “importar” médicos cubanos para atuarem em áreas totalmente inóspitas e desprovidas de qualquer recurso para exercer a medicina.
Mas, sobretudo, em função de que o programa era uma maneira de retirar bilhões de reais do pagador de impostos brasileiro e enviar para o regime cubano.
Em 14 de novembro de 2018, Cuba anunciou a retirada dos profissionais em resposta às exigências do presidente eleito Jair Bolsonaro — que pedia revalidação do diploma, pagamento integral aos médicos e autorização para trazer a família.
Entre novembro e dezembro de 2018, cerca de 8.300 médicos cubanos deixaram o programa e as vagas foram rapidamente preenchidas por médicos brasileiros — segundo o governo, 7.120 já no primeiro edital e 1.397 no segundo.
A reversão dessa situação, que representou um enorme prejuízo financeiro para o Brasil e uma catástrofe na saúde pública, foi um alívio para os médicos e toda a população brasileira.
O remédio final veio no governo do presidente Bolsonaro, com a exigência de aprovação no Revalida (exame de convalidação do diploma em território brasileiro), que passou a ser regra para novos ciclos, limitando a entrada de médicos cubanos sem diploma revalidado.
Veto político
A Lei nº 12.842, de 10 de julho de 2013, conhecida como Lei do Ato Médico, regulou o exercício da medicina no Brasil após quase 11 anos de tramitação (origem no PL 268/2002, depois 7.703/2006).
Em 17 de junho de 2013, foi aprovada no Senado Federal por larga maioria (apenas um voto contra). Foi sancionada pela presidente de ideologia trotskista em 11 de julho de 2013, com 10 vetos parciais ao projeto, o que trouxe um brutal revés para o exercício da medicina no Brasil e insegurança sanitária para a população brasileira.
Dilma vetou pontos considerados importantíssimos para a garantia do exercício ético e exclusivo da profissão médica, sob justificativa de manter protocolos do SUS, como por exemplo:
1. Art. 4º, caput e § 2º (Inciso I): retirou a exclusividade médica para “formulação de diagnóstico nosológico e prescrição terapêutica”, dando margem para que outros profissionais se aventurem na prescrição médica.
2. Art. 4º, incisos VIII e IX: vetou a exclusividade na prescrição e indicação de órteses e próteses, inclusive oftalmológicas, atentando contra os médicos oculistas e incentivando a invasão ilegal na área ocular por profissionais não médicos, principalmente em óticas.
3. Art. 4º, § 4º, incisos I e II: vetou a definição restritiva de “procedimentos invasivos” (injeções, punções etc.) como privativos.
4. Art. 4º, § 5º, incisos I, II e IV: vetou a exigência de prescrição médica para procedimentos como injeções e cateterizações para flexibilizar o trabalho no SUS.
5. Art. 5º, inciso I: vetou exclusividade técnica para direção e chefia de “serviços médicos”, por falta de definição clara desse conceito.
Em 21 de agosto de 2013, o Congresso confirmou os 10 vetos de Dilma — senadores e deputados não reuniram quórum suficiente para derrubá-los. Lastimavelmente, os mesmos que aprovaram o projeto na integralidade, votaram para manter vetos presidenciais ao projeto.
O que eu presenciei, pessoalmente, naquele dia foi o ministro da Saúde, Alexandre Padilha, visitando os gabinetes dos parlamentares para fazer o lobby da manutenção dos vetos. Encontrei-o no gabinete do líder do governo no Senado, na época o senador Eduardo Braga.
Alexandre Padilha também pressionou os presidentes da Câmara e do Senado (Henrique Eduardo Alves e Renan Calheiros, respectivamente) para manter os vetos, e os dois acabaram entregando a cabeça dos médicos na bandeja para o governo, em troca de apoio nos seus estados. Documentos do Senado defenderam que os vetos foram indevidos tecnicamente, mas o veto político prevaleceu.
Insegurança sanitária
O PLS 350/2014, da Senadora Lúcia Vânia, tentou reverter partes da lei com vetos, mas foi arquivado em 2016. Desde então, a Lei do Ato Médico está em vigor nos termos sancionados, com atribuições exclusivas aos médicos mais limitadas que no texto original do PL, mantendo espaço para atuação de paramédicos onde deveria haver um profissional de medicina atuando.
Na prática, isso trouxe enormes distorções na atuação de não médicos em procedimentos para os quais não estão autorizados. Invadindo a área médica sem o preparo necessário, a consequência tem sido: lesões corporais graves, sequelas, intoxicações, deficiências permanentes, perda de tecidos e membros, monstruosidades e óbitos, sobretudo na área estética da plástica e da dermatologia.
Mas não apenas: em quase todas as especialidades médicas vemos hoje algum aventureiro, charlatão, estelionatário querendo atuar para obter vantagem financeira às custas da ingenuidade e ignorância do paciente.
Nos países desenvolvidos isso não é frequente, mas no Brasil a esquerda socialista deixou esse legado, causando grave prejuízo na assistência à saúde da população brasileira e uma insegurança sanitária mortal.
Explosão de cursos
Até o ano de 1995, havia no Brasil 83 faculdades de Medicina instaladas. Destas, aproximadamente a metade era de escolas públicas e a outra metade de faculdades privadas.
No governo do sociólogo socialdemocrata gramscista Fernando Henrique Cardoso, segundo fonte com dados do INEP, entre 1995 e 2002 foram criados 44 novos cursos, totalizando assim aproximadamente 127 faculdades até 2002. Começa aí a expansão indiscriminada de vagas para curso de medicina no Brasil.
Foi justamente nesse período que participei do movimento estudantil para defender a qualidade do ensino médico e para impor critérios na abertura de novas escolas. Porém, foi nos governos da esquerda radical que esse número explodiu.
O número passou de 127 faculdades de medicina em 2002 para 448 em julho de 2025, ainda do meio do terceiro mandato de Lula. Portanto, temos, até julho deste ano, os seguintes números: 448 faculdades de medicina, contabilizando cerca de 48.500 vagas, com mais de 70% na rede privada.
O único período em que não houve abertura de escola médica pelo sistema federal nesse interstício, para sermos justos, foi na moratória de cinco anos que proibia a abertura de novas vagas, iniciada em 2018, no governo do presidente Temer, quando o Ministro da Educação era Mendonça Filho. O presidente Bolsonaro manteve a moratória nos seus quatro anos de mandato.
Comportas abertas
Enfim, no mandato atual, após a saída de Bolsonaro, as comportas foram novamente abertas e essa enxurrada de faculdades de medicina foi autorizada. Abrem-se hoje faculdades a toque de caixa, sem critérios técnicos, em qualquer lugar, sem nenhuma estrutura ou mínimas condições de funcionamento para atender interesses políticos e econômicos de um determinado consórcio.
O resultado disso foi uma queda vertiginosa na qualidade do ensino médico brasileiro, colocando em risco a população brasileira. A maior parte dos egressos dessas novas escolas não tem a menor capacidade de lidar com o atendimento de um paciente.
Até 2002, quando me formei, a maioria dos meus colegas tinha plena capacidade de exercer a medicina ao final do curso, pelo menos nas áreas básicas como: Clínica Médica, Pediatria, Clínica Cirúrgica, Ginecologia e Obstetrícia, Medicina Preventiva e Saúde Pública, Medicina de Família e Comunidade, Medicina de Urgência, Psiquiatria, Medicina Intensiva, pois temos exemplos de quem já saiu do curso colocado em alguma dessas áreas.
Hoje, como professor de Medicina, vejo justamente o oposto em todas as escolas médicas que eu conheço: a maioria dos novos médicos não tem uma formação terminal e nenhuma capacidade de exercer medicina, independentemente da especialidade, seja em que área de atuação for.