A situação de total inversão de sinais a que se chegou no Brasil produziu um fenômeno exótico na Amazônia. A calamidade na gestão da conferência do clima em Belém virou motivo de orgulho, pelo menos para essa grande parte da imprensa que insiste em tentar embelezar um regime político torto.
Como se sabe, o conceito de soberania foi ressuscitado pelas forças que hoje mandam no país — naturalmente com propósito demagógico. “Ressuscitado” é modo de dizer, porque o princípio da soberania nunca morreu, mas parecia ter morrido para uma parte da sociedade que passou a fazer cara de nojo para todas as manifestações em verde e amarelo, que traziam, na ideia do patriotismo, o clamor por respeito às liberdades ameaçadas. Tudo isso era propensão fascista no glossário do PT e dessa imprensa transformista.
Chegaram a tentar estigmatizar o uso da própria bandeira nacional como símbolo de afirmação popular. Virou moda associar a bandeira do Brasil a um segmento político — e acusar esse segmento de antidemocrático. Ou seja, para um bom contingente de hipócritas, nos últimos anos os símbolos pátrios viraram ameaça fascista. Lembrando que, evidentemente, não há possibilidade de afirmação de soberania nacional sem respeito aos símbolos pátrios.
Mas é tudo bailado retórico conforme a música da conveniência política. Foi só o governo dos Estados Unidos passar a criticar a deformação institucional no Brasil para que toda essa campanha de aviltamento do sentido pátrio virasse do avesso. De repente, os algozes do verde-amarelo viraram soberanistas inflamados. E esse mesmo truque serviu para a tentativa de maquiagem mais patética da história contemporânea da diplomacia.
VEJA TAMBÉM:
A constatação do desastre organizacional da COP 30 virou pecado contra o orgulho nacional
Manchete da Folha de S.Paulo: “Incêndio na COP é usado como munição para críticos nas redes sociais”. Incêndio usado como munição? Como alguém pode ter pensado nessa acrobacia: transformar um problema grave em suposto pretexto para alegação de problemas?
Se o problema existe, obviamente a crítica é legítima e dispensa pretextos. Seria como dizer que os descontos fraudulentos nas aposentadorias estão sendo usados como munição para criticar o INSS.
Notícia de O Globo: “Qualidade da condução brasileira da COP eleva expectativas”. A matéria poderia, pelo menos, ter detalhado a “condução de qualidade” por setor: a área de segurança contra invasão e depredação que a ONU condenou, a estrutura da marquise que despencou, o atendimento alimentar que deixou participantes mofando em filas, a gestão dos preços proibitivos para hospedagem — e até uma garrafa d’água custando os olhos da cara —, o colapso dos banheiros e as inundações, os assaltos e o incêndio… Não à toa, a ONU comunicou, no final da conferência, que não se responsabilizaria mais pela área do evento. “É tudo nosso!” — poderiam ter proclamado os novos soberanistas.
Foi preciso um chefe de Estado estrangeiro se declarar satisfeito por ter voltado ao seu país após deixar Belém para despertar o ufanismo dos enganadores. O prefeito do Rio de Janeiro chegou a chamar o chanceler alemão de filhote de Hitler (depois apagou o post). Enfim, foi um show de valentia.
Para o Brasil, a COP 30 ficará na história como símbolo de uma época em que uma conjunção de interesses privados dominou o espaço público no grito. Uma época em que se investiu como nunca na impostura — e a imprensa tradicional mergulhou decidida nessa mistificação. Só não se sabe ainda quando será possível começar a contar a história verdadeira.
