A cidade de Cruzeiro do Sul, no Vale do Taquari (RS), recebeu 29 representantes de 13 organizações governamentais e não governamentais em uma VisitAção a lugares que ficaram marcados pelas emergências climáticas desde 2023.

A atividade na tarde da última terça-feira (23), foi organizada pela rede de articulação do Projeto “Cáritas nas Emergências: Comunidades Mobilizadas no Enfrentamento às Mudanças Climáticas” que está sendo executado no município. A Cáritas Brasileira Regional RS tem mobilizado as comunidades para ações coletivas de incidência política desde 2023, quando foi implementada a Campanha Missão Sementes de Solidariedade, com distribuição de mudas e sementes para famílias atingidas.

O objetivo da visita foi analisar as realidades, os danos e os riscos socioambientais vividos por famílias e comunidades rurais de Cruzeiro do Sul que foram duramente atingidas pelas inundações de maio de 2024. Mais do que isso, buscou incentivar a reflexão sobre ações concretas para a prevenção, a proteção e a sustentabilidade destas comunidades. Daí o nome: VisitAção.

O objetivo da visita foi analisar as realidades, os danos e os riscos socioambientais vividos por famílias e comunidades rurais de Cruzeiro do Sul – Foto: Roseana Isabel Vogt Ozório / Unisc

Em um trecho de, aproximadamente, 20 quilômetros, foi possível observar os cenários vividos pelas comunidades Bom Fim, São Miguel e Desterro – três das sete comunidades rurais atingidas pelo desastre. A primeira parada foi na área denominada de Demanda, na divisa entre Bom Fim e São Miguel, primeiro ponto de alagamento que impede a mobilidade dos moradores da região.

Este ponto liga as águas do rio Taquari e da lagoa Crispim, dois agentes naturais que são rapidamente mobilizados quando chove no território. O secretário Municipal de Assistência Social e Habitação, Gilmar Gregory, contou que ali a sua casa e a de seus familiares foram levadas pelas águas, assim como as vidas de seus pais. Geólogo, pesquisador e professor da Univates, Rafael Spiekermann observou que estudos sobre o solo revelaram que a lagoa existe há milhares de anos e que o rio fez uma movimentação natural do seu curso.

A Cáritas Brasileira Regional RS tem mobilizado as comunidades para ações coletivas de incidência política desde 2023 – Foto: Roseana Isabel Vogt Ozório / Unisc

A segunda parada foi na rodovia RS 130, em São Miguel, na encosta do rio Taquari, local que faz a conexão de Cruzeiro do Sul com o município de Venâncio Aires, onde foi possível notar o efeito da erosão e o risco para a população que utiliza a via. A cada enchente, ali o leito do rio vai ficando cada vez mais alargado, sem a proteção natural da mata ciliar.

No local, a engenheira ambiental Tanara Schmidt falou sobre ações e projetos da prefeitura para a preservação dos territórios e das moradias, e de mobilidade das comunidades. Ela observou que estas ações têm um ritmo mais lento do que as necessidades das pessoas, mas reforçou o empenho da gestão municipal para responder aos desafios deixados pelas enchentes.

A Barragem Eclusa, na comunidade Desterro, foi o terceiro ponto de VisitAção. Situada entre os municípios de Cruzeiro do Sul e Bom Retiro do Sul, a Barragem foi inaugurada em 1976 para garantir a navegação no rio Taquari. O coordenador do Meio Ambiente do município, Diego Sehn, apresentou a “escada do peixe”, que permite que os peixes subam para as cabeceiras para a reprodução, a desova e os berçários. Segundo Sehn, há resultados positivos das condições de vida desta população, o que indicaria que não há impacto da Barragem para o meio ambiente.

O vice-prefeito de Cruzeiro do Sul, Carlos Spiekermann, fez um breve relato da situação atual da hidrelétrica a ser construída junto à barragem, sem prazo ainda para execução. Segundo Spiekermann, é preciso ainda resolver questões legais de transferência de parte das terras para a prefeitura.

João Jair Haacke, integrante do Movimento dos Atingidos pelas Barragens (MAB), questionou sobre os resultados de estudos de impacto da barragem e da hidrelétrica para a população e para o meio ambiente. Gestores e técnicos da prefeitura referiram não ter informações sobre esta questão. Circula a hipótese, junto a líderes comunitários do território, de que a barragem teria alguma relação com o desastre vivido na região. Elaine Biondo, professora da Universidade Estadual do Rio Grande do Sul (Uergs), destacou o desafio de analisar os impactos climáticos em uma perspectiva ampliada para, de fato, incidir nos determinantes das questões climáticas.

A Escola Estadual de Ensino Fundamental (Emef) Itaipava Ramos, em São Miguel, foi muito atingida pela enchente de maio de 2024 – Foto: Roseana Isabel Vogt Ozório / Unisc

A quarta e última parada foi na Escola Estadual de Ensino Fundamental (Emef) Itaipava Ramos, em São Miguel. A escola foi muito atingida pela enchente de maio de 2024. A supervisora e orientadora Deisi Prado fez um breve relato sobre a recuperação do prédio conduzida pela dedicação da diretora da escola e de voluntários e voluntárias. Prado destacou a importância deste espaço para o acolhimento das crianças do entorno. Hoje, o colégio tem cerca de 30 alunos, porque muitas das crianças saíram de suas casas após as inundações e ainda não retornaram. Ela falou sobre a dificuldade de trabalhar com crianças que viveram este desastre e, ao mesmo tempo, o aprendizado desta vivência.

Durante a visita, a supervisora contou sobre o Dicionário das Comunidades para o Enfrentamento das Mudanças Climáticas, que está sendo elaborado em parceria com o Projeto Cáritas nas Emergências. Ao lado da escola, ainda são visíveis os impactos das águas nos prédios da igreja católica e da capela mortuária. Do outro lado da estrada, o Ginásio da Comunidade, que abrigava mais de 400 pessoas, foi totalmente destruído durante a tragédia ambiental de 2024.

Segundo os organizadores, a visita se encerrou neste local. Não foi possível acessar outras comunidades rurais também atingidas: Linha Lotes, Maravalha, Santarém e Zona da Lagoa, que estavam inacessíveis pelas interferências dos arroios Castelhano, Bonito e Sampaio, lagoa Crispim e rio Taquari. Segundo Arlete da Rosa, moradora e líder da comunidade Maravalha, o percurso até sua casa desde a Comunidade São Miguel é de quatro quilômetros. Pela impossibilidade de chegar por esta estrada, ela necessita andar 30 quilômetros a mais. Em maio de 2024, todas as comunidades ficaram completamente ilhadas.

Participantes em mutirão para a análise de danos e riscos socioambientais

Em maio de 2024, todas as comunidades ficaram completamente ilhadas – Foto: Roseana Isabel Vogt Ozório / Unisc

A VisitAção contou com a participação, além da equipe articuladora do Projeto Cáritas nas Emergências, de representantes de lideranças das comunidades e de organizações e movimentos sociais: Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural (Emater), Comissão Pastoral da Terra (CPT), Escola de Jovens Rurais (EJR), Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA), Instituto Cultural Padre Josimo (ICPJ), Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB); de gestores municipais: da Prefeitura de Cruzeiro do Sul, da Defesa Civil, da Assistência Social e Habitação, do Meio Ambiente; e das universidades: Universidade do Vale do Taquari (Univates), Universidade do Estado do Rio Grande do Sul (Uergs) e Universidade de Santa Cruz do Sul (Unisc).

Para contribuir no processo de diálogo e análise na visita foi entregue a cada visitante o Mapa do Zoneamento das Áreas de Risco de Cruzeiro do Sul elaborado pela Univates, Prefeitura Municipal de Cruzeiro do Sul e Governo do Estado do Rio Grande do Sul, e um quadro analítico inspirado em instrumentos de análise de Danos Socioambientais elaborado por Julián Camilo Ruiz Álvarez, colombiano que está em intercâmbio pela Uergs e que participou da visita.

Tanto a VisitAção, como o encontro virtual vão ajudar a compor o Diagnóstico Socioterritorial do município que está sendo produzido pela equipe do Projeto Cáritas nas Emergências e pela Rede Parceira – Foto: Roseana Isabel Vogt Ozório / Unisc

Todas as pessoas que participaram da VisitAção foram convidadas a contribuir com a análise dos danos, indicação dos riscos socioambientais e proposições de alternativas para prevenção, proteção e sustentabilidade de Cruzeiro do Sul. Este material vai servir de base para um novo debate do grupo, desta vez em formato virtual, no dia 6 de outubro. Tanto a VisitAção, como o encontro virtual vão ajudar a compor o Diagnóstico Socioterritorial do município que está sendo produzido pela equipe do Projeto Cáritas nas Emergências e pela Rede Parceira, entre outras ações de enfrentamento às mudanças climáticas.

No dia 30 de setembro, durante a Jornada e Mostra “10 anos da Laudato Si’ e os Enfrentamentos às Mudanças Climáticas em Cruzeiro do Sul”, a comunidade e autoridades terão mais uma oportunidade de ampliar estas discussões, em três painéis de debates no Salão da Comunidade Católica São Gabriel Arcanjo, das 8h30min às 21h.

* Com informações de Marilene Maia, assessora do Projeto Cáritas nas Emergências

By Daniel Wege

Consultor HAZOP Especializado em IA | 20+ Anos Transformando Riscos em Resultados | Experiência Global: PETROBRAS, SAIPEM e WALMART

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