O Rio Grande do Norte ainda convive com os impactos do maior vazamento de óleo já registrado no litoral brasileiro. Desde que as primeiras manchas chegaram à costa nordestina, em agosto de 2019, comunidades pesqueiras e tradicionais potiguares esperam por justiça e reparação, mas pouco avançou desde então.
A investigação criminal, conduzida pela Procuradoria da República no RN, segue sob sigilo. Embora a Polícia Federal tenha apontado a petroleira grega Delta Tankers e a tripulação do navio Bouboulina como responsáveis pelo derramamento, o caso permanece sem punições concretas. O Ibama não aplicou sanções administrativas, e a Advocacia-Geral da União ainda não ingressou com ações para cobrar os prejuízos arcados por estados e municípios.
“Ainda existem incertezas sobre a autoria, com respostas pendentes de autoridades estrangeiras”, relada a Procuradoria da República no Rio Grande do Norte, unidade do Ministério Público Federal que conduz o inquérito para identificar as causas e os culpados pelo desastre.
Pico de contaminação e avanço das manchas
O ápice do desastre aconteceu em 21 de outubro de 2019, quando cinco estados nordestinos, incluindo o RN, registraram 17 novos pontos contaminados em um único dia. Segundo levantamento feito à época pelo G1, mais de 250 localidades foram atingidas em todo o país, com destaque para a presença de petróleo cru em praias, estuários, recifes de corais e áreas de proteção ambiental.
No Rio Grande do Norte, a força das correntes marítimas concentrou a chegada de manchas especialmente na terceira semana após o início da crise. Locais turísticos como Pipa, Tabatinga e Genipabu foram impactados. Em 17 de outubro daquele ano, a Marinha recolheu um barril flutuando na costa potiguar, fechado, com conteúdo semelhante ao óleo recolhido nas praias, o que levantou suspeitas de que se tratasse de uma carga irregular.
Custos
Reportagem publicada pela Agência Brasil mostra que o governo potiguar gastou mais de R$ 600 mil em ações emergenciais. Foram R$ 456 mil para recolher mais de 34 toneladas de resíduos oleosos e R$ 165 mil para apoiar o trabalho do Projeto Cetáceos da Costa Branca/UERN no resgate de animais afetados. Municípios litorâneos também bancaram suas próprias operações de limpeza. Nenhuma dessas despesas foi reembolsada pela União.
Enquanto isso, a Petrobras recebeu do governo federal R$ 39 milhões em reembolso por sua atuação no episódio. O Ibama, apesar de confirmar o navio grego como a fonte poluente, alegou não ter base legal para aplicar sanções administrativas.
Pescadores, marisqueiras e moradores das regiões atingidas seguem sem reparação econômica ou social. Diversos voluntários participaram das ações de limpeza, muitas vezes sem equipamento adequado, e relataram sintomas como náuseas, irritação na pele e falta de ar. Compostos como benzeno e tolueno, presentes no petróleo cru, têm alto potencial tóxico e cancerígeno.
Segundo o Ibama, ao menos 39 animais foram diretamente afetados pelas manchas. No RN, o impacto sobre tartarugas, aves e peixes levou à suspensão de soltura de filhotes marinhos em projetos ambientais.
Andrea Rocha, do Conselho Pastoral dos Pescadores e coordenadora da campanha Mar de Luta, afirma que o caso representa não apenas um desastre ambiental, mas um colapso institucional. “As populações tradicionais foram abandonadas. Nenhuma indenização foi paga, nenhuma punição efetiva aplicada. A inação estatal escancara o desprezo com que vidas costeiras são tratadas”, relata.

Relembre: Omissão Federal
A resposta do governo federal ao desastre foi lenta e criticada por especialistas. O então ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, estava fora do país durante o primeiro mês do desastre e só se pronunciou após retornar, em outubro. Durante esse período, o Plano Nacional de Contingência, mecanismo oficial para resposta a desastres como este, permaneceu desativado.
A demora foi atribuída, entre outros fatores, ao desmonte institucional da política ambiental federal. A coordenação de emergências ambientais ficou acéfala por mais de seis meses e só foi ocupada após 35 dias do início da crise.
A Justiça de Alagoas e o Ministério Público Federal em diversos estados apontaram omissão da União, pedindo medidas urgentes de contenção e mitigação. No RN, a população continua sem respostas.
Seis anos de silêncio e incertezas
Mesmo com a conclusão do inquérito da PF, o sigilo das investigações impede o acompanhamento do caso por jornalistas, pesquisadores e a sociedade civil. “O MPF nos responde que há dúvidas pendentes, mas sequer sabemos quais são essas dúvidas”, lamenta Andrea Rocha.
Sem transparência, sem punição e sem reparação, o caso se arrasta no tempo. E o Rio Grande do Norte, que viu suas praias manchadas e suas comunidades sofrendo, segue sem justiça.