O triste espetáculo do vira-latismo em tempos de COP30.

Por Marcelo Botelho

Fico observando a reação de muitos brasileiros diante da COP30 e me pergunto, com sincera inquietação, quando foi que nos acostumamos a torcer contra nós mesmos. O fenômeno é antigo, mas a intensidade atual assusta. Há quem deseje, todos os dias, de maneira quase visceral, que qualquer espelho internacional onde o Brasil apareça retorne quebrado — como se o fracasso coletivo representasse, de algum modo, uma vitória pessoal. A isso se soma uma constatação incômoda: muitos que vibram com a possibilidade de ver o país envergonhado sequer possuem base sólida de estudo, estabilidade ou segurança mínima. Ainda assim, acolhem com entusiasmo uma sensação ilusória de pertencimento a uma elite que jamais os incluirá. O resultado é uma torcida pelo caos que nasce da ignorância e floresce na desinformação.

E esse comportamento, que já seria triste vindo de qualquer parte do país, se torna ainda mais doloroso quando parte de paraenses. Sim, paraenses. Filhos da terra que hoje abriga o maior evento climático do planeta. Pessoas que deveriam estar celebrando o protagonismo amazônico, mas que preferem repetir um velho mantra de autodepreciação: “quanto pior, melhor”. É o complexo de vira-lata em sua forma mais cruel — não apenas duvidando da própria capacidade, mas desejando ativamente que um desastre prove seu ponto. Enquanto haitianos, venezuelanos, angolanos e tantos outros imigrantes chegam ao Brasil descrevendo-o como um lugar onde puderam recomeçar, trabalhar, estudar e viver com dignidade, muitos brasileiros seguem insistindo em enxergar somente o que há de ruim, como se o pessimismo fosse sinal de inteligência.

É nesse ambiente de torcida contra que emerge a pergunta: “Por que escolheram Belém? Brasília ou São Paulo seria muito melhor”. A crítica, compartilhada em tom de perplexidade por alguns, revela não uma análise técnica, mas uma crença arraigada de que o Norte jamais será digno de protagonismo. Para esses, a Amazônia pode ser debatida, desde que longe da Amazônia. A floresta pode ser pauta, desde que seu povo permaneça invisível. Belém, ao ser escolhida, rompeu um eixo histórico — e isso incomoda muitos que se acham donos do Brasil. Belém não é um corpo estranho ao país; é sua alma úmida, pulsante e verde. Negar sua centralidade é negar o próprio Brasil.

E como se não bastasse a resistência inicial, bastou o incêndio no East African Community Pavilion, na Blue Zone, para que uma avalanche de ataques tomasse conta das redes. “Vai botar a culpa no aquecimento global?”, ironizou um senador. “Mais um desastre que marca um evento que já começou errado”, escreveu outro. Na ânsia de transformar um incidente técnico — possivelmente iniciado por uma régua de tomadas sobrecarregada — em munição política, parlamentares correram para rotular a situação como “vergonha internacional”, “falta de água, segurança, energia e saneamento” ou “planejamento inadequado”. A pressa em julgar diz mais sobre eles do que sobre a cidade. E enquanto especialistas lembram que acidentes podem ocorrer em qualquer lugar do mundo, aqui há quem prefira acreditar que apenas Belém seria capaz de atrair o infortúnio.

Curiosamente, no mesmo instante em que as redes ferveciam, a segurança interna da COP30 montava um cordão humano para retirar jornalistas e garantir a integridade física das pessoas. A Green Zone seguia funcionando normalmente, e delegações continuavam seus debates. O incidente foi contido, os eventos na Blue Zone continuaram, e a vida prossegue — menos para aqueles que torciam, secretamente, para que o fogo consumisse não apenas uma tenda, mas o prestígio de toda a Amazônia. Para esses, o incêndio foi um prato cheio: a chance perfeita de dizer “eu avisei”, mesmo que nada tivessem avisado de fato, exceto sua má vontade permanente.

E talvez aí resida o ponto central deste texto: quando foi que deixamos de nos reconhecer como parte de um mesmo país? Quando foi que torcer contra sua própria cidade virou demonstração de esperteza? Quando foi que desejar o fracasso de Belém se tornou, para alguns, equivalente a vencer um debate político? A Amazônia é parte indissociável do Brasil. Belém é porta de entrada do país para o mundo. O êxito da COP30 é o êxito de todos nós — do Acre ao Rio Grande do Sul. Não existe país forte com regiões humilhadas. Não existe Brasil respeitado internacionalmente se o próprio brasileiro insiste em desrespeitá-lo.

E é por isso que, apesar das críticas rasas, das ironias de internet e dos profetas do apocalipse, sigo acreditando que este momento é maior do que qualquer narrador de tragédias. O mundo veio até Belém porque entendeu algo que muitos brasileiros ainda não entenderam: a Amazônia não nasce à beira — nasce no centro daquilo que somos. Belém não é exceção — é o símbolo vivo de uma região que sustenta o Brasil e inspira o mundo. Uma verdade que transcende política, geografia ou conveniências: ela diz respeito à própria essência da nossa identidade nacional.

Porque no final das contas, amar o Brasil não exige cegueira, mas exige lealdade. Exige a coragem de reconhecer falhas sem desejar o colapso. Exige maturidade para saber que um incêndio não apaga um legado. E exige, acima de tudo, que deixemos de ser espectadores do próprio fracasso para nos tornarmos protagonistas do nosso futuro. A COP30 está dizendo ao mundo que a Amazônia importa. Resta saber se nós, brasileiros, teremos grandeza suficiente para acreditar nisso também.

Nota: A imagem final é apenas uma metáfora visual. Sua inclusão atende ao caráter visual da publicação. Criada para ilustrar a forma como alguns brasileiros necessitam visualizar o desastre que insistem em desejar ao Norte do país.

By Daniel Wege

Consultor HAZOP Especializado em IA | 20+ Anos Transformando Riscos em Resultados | Experiência Global: PETROBRAS, SAIPEM e WALMART

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