
Lisboa ficou diferente esta semana. Ó Web Summit transformamos a cidade em um grande laboratório de ideias, onde startups, investidores e especialistas tentam adivinhar para onde o futuro quer ir. Este ano, como já era esperado, a inteligência artificial tomou conta das conversas, das filas, dos palcos e até dos cafés.
Em meio a esse universo hipertecnológico, sinto falta de algo mais básico. Faltou um palco dedicado às soluções climáticas. Faltou espaço para discutir água, energia, adaptação, regeneração, risco climático. Faltou reconhecer que nenhum IA funciona sem água, sem energia estável, sem território, sem clima adequado. Faltou o planeta na conversa de forma clara e objetiva.
E isso fica ainda mais evidente quando lembramos que, neste exato momento, o mundo também está olhando para o Brasil. A COP30 acontece em Belém com a missão de discutir, de forma séria, como vamos atravessar as próximas décadas. E, ao mesmo tempo, vemos o país tentando equilibrar nem sempre de forma harmônica a transição energética com decisões complexas sobre a exploração petrolífera na Amazônia.
Não cabe aqui julgar, muito menos fazer discurso político. Mas é impossível não observar o paralelo. Enquanto em Lisboa discutimos o futuro da tecnologia, na Amazônia discutimos o futuro da vida. E ambos os debates ainda caminham em trilhos que raramente se encontram.
O governo brasileiro enfrentou um desafio real e profundo, como avançar em clima, governança ambiental e oposição internacional, ao mesmo tempo em que tenta equilibrar interesses econômicos e pressões regionais? Essa é a dicotomia do nosso tempo. E ela não é exclusiva do Brasil. Ela apareceu aqui no Web Summit, aparece na COP30, aparece nas grandes economias e aparece em qualquer país que tenta olhar para o futuro sem abandonar o presente.
Talvez por isso a presença da KPMG no Web Summit tenha sido tão simbólica. Em um ambiente onde o “novo” domina o discurso, eles carregam uma visão global que lembra que a governança não acompanha modismos. A governança exige consistência. Risco climático não espera decisão de conselho. Água não negocia com prazos. E impacto não se faz em apresentações se faz no território.
Enquanto IA avança em velocidade de luz, a água segue fluindo no seu tempo. Garantindo que os data centers funcionem, que as cidades existam, que a economia rode e que a vida continue. A água não aparece nos grandes palcos, mas é ela quem sustenta todos eles.
O Brasil e o mundo vivem agora uma corrida contra o relógio. Debates sobre reuso, novas legislações hídricas, governança climática, biodiversidade e restauração ganharam força em função da COP30. A discussão está amadurecendo. Mas ainda convivemos com escolhas contraditórias, como se o país estivesse tentando correr em duas situações ao mesmo tempo.
E essa é, talvez, a parte mais importante da reflexão: o mundo inteiro está vivendo essa contradição. Lisboa vive. Belém vive. Brasília vive. A tecnologia corre para um lado. A natureza corre para outro. A agenda climática tenta gritar no meio.
No final das contas, saio do Web Summit com uma sensação curiosa. Estamos cercados de inovação, potência intelectual e energia empreendedora. Mas falta centralidade. Falta coragem para colocar clima, água e regeneração no palco principal. Falta entender que o futuro não será decidido por chips, mas por escolhas.
A tecnologia pode até acelerar, mas a água chega primeiro.
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