Exposição em Tóquio mostra como o design pode transformar situações de desastre em experiências de reconstrução e solidariedade, do tecnicismo à emoção coletiva. Foto: Reprodução
Por Piti Koshimura
Morando no Japão, é impossível ignorar uma realidade constante: a possibilidade de enfrentar um grande desastre natural, como terremotos ou tsunamis. O governo japonês orienta os cidadãos a pesquisarem onde fica o centro de evacuação mais próximo e a manterem em casa um kit de emergência com mantimentos, lanterna, rádio e outros itens essenciais. Ainda assim, muitos não dão a devida atenção a esse nível de preparação, preferindo acreditar que tragédias desse tipo jamais acontecerão. No entanto, em algum canto da mente, permanece a pergunta inevitável: e se acontecer?
Em Tóquio, a exposição “What If: Bosai – The Next Disaster” traz essa reflexão à tona e destaca a importância de estar preparado para o pior. A mostra discute como o design pode desempenhar um papel fundamental em situações de desastre, tanto na criação de produtos voltados para emergências quanto em projetos voltados à reparação de danos e reconstrução de cidades.
Arquitetos e designers têm se debruçado sobre um comportamento humano comum: o de evitar pensar que uma calamidade possa atingir o próprio lar. Mesmo em um país que registra tremores quase diários, essa resistência emocional leva à criação de produtos de uso duplo. Esses objetos se disfarçam em funções cotidianas, mas, em situações extremas, podem salvar vidas.
Entre os exemplos está um enfeite de parede criado pela H. Concept, em formato de mini-canários coloridos, que funciona como apito de emergência. Já a empresa Ishiyama, especializada em produtos de EPS, desenvolveu o Sonair, um aparador multiuso que serve como banqueta ou cooler e pode se transformar em flutuador durante enchentes ou tsunamis.

Exposição em Tóquio mostra como o design pode transformar situações de desastre em experiências de reconstrução e solidariedade, do tecnicismo à emoção coletiva. Foto: Reprodução
O design também se mostra essencial em projetos de reconstrução urbana. Fundado pelo arquiteto japonês Shigeru Ban, ganhador do Pritzker em 2014, o Voluntary Architects’ Network (VAN) é uma organização sem fins lucrativos dedicada à melhoria das condições de moradia de pessoas afetadas por desastres e conflitos. Um de seus principais projetos é o Paper Partition System, sistema modular de divisórias feitas de tubos de papel e tecido que oferece privacidade em abrigos temporários. De montagem simples e custo acessível, o sistema foi adotado em diversas partes do mundo, como nos incêndios da Califórnia e nas enchentes do Rio Grande do Sul, em 2024, em versão adaptada pela Faculdade de Arquitetura da UFRGS.
Outro exemplo marcante vem de Ishinomaki, cidade fortemente atingida pelo Grande Terremoto do Leste do Japão, em 2011. Cerca de 30 mil moradores perderam suas casas e mais de 3 mil perderam a vida. O arquiteto e designer Ashizawa Keiji, que havia concluído recentemente um projeto na região, decidiu contribuir para a reconstrução local. Após arrecadar fundos e doações, criou uma oficina de carpintaria comunitária onde os moradores podiam aprender e colaborar na reconstrução de suas casas e comércios. Nasceu assim o Ishinomaki Laboratory.

Exposição em Tóquio mostra como o design pode transformar situações de desastre em experiências de reconstrução e solidariedade, do tecnicismo à emoção coletiva. Foto: Reprodução
Uma das primeiras iniciativas do estúdio foi a construção de mais de 40 bancos de madeira com a ajuda de estudantes da cidade. Para Keiji, o banco tinha um significado simbólico: representava um espaço de uso coletivo e remetia ao esforço comunal necessário para reconstruir a vida em comunidade. Os bancos foram utilizados em sessões de cinema ao ar livre no festival de verão e, depois, doados à cidade, transformando-se em pontos de encontro e diálogo.
Com o tempo, o Ishinomaki Laboratory expandiu suas atividades, recebendo colaborações de arquitetos e designers do Japão e de outros países. Um grupo da Herman Miller passou duas semanas na cidade oferecendo workshops, que resultaram em novas peças de mobiliário. O design simples e funcional, aliado ao propósito social, impulsionou a reputação do estúdio, que passou a participar de feiras internacionais.
Entre os destaques está o Ishinomaki Stool, uma banqueta criada em parceria com a Herman Miller para resolver questões práticas, como alcançar prateleiras altas ou deixar os sapatos na entrada de casas temporárias. A peça acabou integrando o acervo do Victoria and Albert Museum, em Londres.
De uma iniciativa emergencial, o Ishinomaki Laboratory se tornou uma marca de design consolidada, com parcerias com nomes como MUJI e Blue Bottle. A cidade, antes lembrada pela tragédia do terremoto, passou a ser reconhecida por sua criatividade e inovação.
A exposição “What If: Bosai – The Next Disaster” segue aberta ao público até 3 de novembro de 2025, no 21-21 Design Sight, em Tóquio.
Piti Koshimura é autora do blog e podcast Peach no Japão e fundadora da Momonoki, plataforma de cursos sobre cultura japonesa. Mora em Tóquio há 7 anos, compartilhando histórias e orientando viajantes que querem descobrir o Japão.
