A geração de energia a partir do lixo ou recuperação energética de resíduos (em inglês, Waste-to-Energy – WtE), tem sido alvo nos últimos anos de falsas informações, bem como de críticas sem fundamentação científica e economicamente equivocadas no Brasil, frequentemente sustentadas por argumentos que desconsideram os custos ambientais e sociais dos aterros sanitários. Enquanto os aterros são ainda necessários no País, que carece de infraestrutura adequada e amparo legal para a segurança em investimentos em projetos WtE, os impactos ambientais e sanitários gerados por essas estruturas são inegáveis. A necessidade de um debate técnico e fundamentado sobre a recuperação energética torna-se essencial à exposição dos benefícios dessa tecnologia e da urgência de sua implementação para tornar mais sustentável a gestão de resíduos urbanos.

Os aterros sanitários, mesmo aqueles com sistemas modernos de captação de biogás, apresentam falhas na captação de metano que podem chegar a 70% do total de gás produzido. Esse dado, respaldado por medições de satélite, contradiz as estimativas teóricas frequentemente reportadas às autoridades ambientais e internacionais. O metano (CH₄) tem um potencial de aquecimento global 86 vezes superior ao CO₂ em um horizonte de 20 anos, tornando-se um dos maiores motores das mudanças climáticas.

Além disso, a decomposição da fração orgânica dos resíduos sólidos urbanos nos aterros gera o chorume, que possui risco de contaminação de lençóis freáticos e corpos hídricos, ampliando riscos para a saúde pública.

A Organização das Nações Unidas (ONU) e o Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) indicam que a disposição final de resíduos sem tratamento adequado é a terceira maior fonte de emissões antropogênicas de metano.

Diante desse cenário, a recuperação energética de resíduos sólidos urbanos é a solução mais eficaz para mitigação dos gases de efeito estufa (GEE). Estudos do IPCC confirmam que as usinas de WtE reduzem em até 8,4 vezes as emissões de GEE, se comparadas aos aterros sanitários com captura de biogás.

A implementação de usinas WtE em 28 regiões metropolitanas brasileiras poderia evitar 51 milhões de toneladas de CO₂ equivalente por ano, representando 1,53 bilhão de toneladas de CO₂ equivalente ao longo de 30 anos, o que equivale ao plantio de 7 bilhões de árvores. Em contrapartida, os aterros sanitários devido às suas características e tecnologias mais utilizadas não conseguem captar todo o metano produzido, segundo dados do Carbon Mapper, da Nasa, que identificou que os aterros são o terceiro maior emissor de metano, atrás apenas das emissões do setor de óleo e gás, que juntos são responsáveis por 1 milhão de mortes anuais por doenças respiratórias.

A queima controlada de resíduos em usinas de última geração WtE, por outro lado, gera energia limpa e renovável, aproveitando um recurso que, de outra forma, permaneceria como um passivo ambiental. Em países desenvolvidos, essa tecnologia é complementar à reciclagem, contribuindo para a recuperação de 23 kg de metais recicláveis por tonelada de resíduo tratado, evitando o desperdício de recursos.

Um dos argumentos mais recorrentes difundidos nacionalmente contra as tecnologias WtE é o suposto alto custo da eletricidade gerada. Contudo, a análise e conclusões isoladas do custo do megawatt/hora (MWh) têm ignorado os custos evitados na comparação com aterros sanitários, incluindo danos ambientais, emissões de metano e impactos na saúde pública.

Além disso, energia gerada por usinas de recuperação energética pode ser subsidiada com impacto tarifário insignificante. Estudos do setor mostram que um aumento de apenas 0,06% na tarifa de energia elétrica seria suficiente para viabilizar projetos de recuperação energética. Isso contrasta com os bilhões de reais gastos anualmente no gerenciamento de aterros sanitários e na remediação de passivos ambientais, sem levar em consideração os custos invisíveis das emissões de metano e contaminação do solo e da água.

Nos países desenvolvidos, os aterros sanitários estão sendo progressivamente proibidos ou altamente taxados. A União Europeia adotou medidas rigorosas desde a década de 1990, com alguns países banindo completamente a disposição de resíduos orgânicos em aterros. A justificativa para essa política é clara: adoção isolada de aterros é solução ineficiente, poluente e obsoleta. É preciso pensar em soluções mais eficazes tanto com relação aos impactos ambientais causados quanto ao desperdício de recursos que podem ser transformados em fontes de energia renováveis e gerar renda contribuindo para a economia circular e o desenvolvimento sustentável.

A adoção da recuperação energética de resíduos sólidos urbanos não é apenas uma escolha ambientalmente responsável, mas uma necessidade urgente para mitigar as mudanças climáticas e reduzir impactos na saúde pública. A perpetuação da dependência isolada dos aterros sanitários é insustentável e contraria as tendências globais de gestão eficiente de resíduos.

Os argumentos contra o WtE desconsideram os benefícios ambientais, econômicos e sociais que essa tecnologia traz. Haja vista a tendência mundial nessa direção, principalmente nos países mais desenvolvidos do globo. Inclusive, ao contrário do que pensam muitos, os países que adotam tecnologias WtE para gestão de resíduos são os que mais reciclam materiais e adicionalmente geram mais empregos no setor.

Enquanto os aterros são suscetíveis a liberar metano na atmosfera e levando a riscos sanitários, a produção de energia renovável a partir do lixo urbano se consolida como a solução mais eficaz para transformar resíduos em energia limpa, reduzir emissões de GEE e impulsionar a economia circular.

A inércia e apatia diante desse cenário são mais onerosas do que o próprio investimento em tecnologias WtE, e cabe ao Brasil acelerar a transição para um modelo mais sustentável e de baixo carbono.

By Daniel Wege

Consultor HAZOP Especializado em IA | 20+ Anos Transformando Riscos em Resultados | Experiência Global: PETROBRAS, SAIPEM e WALMART

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