Por Emílio Pio, Aedas Barra Longa
Nos dias 25 e 26 de outubro de 2025, aconteceu o Primeiro Encontro das Comunidades Quilombolas da Rede de Saberes dos Povos Quilombolas (SAPOQUI). O evento foi realizado no Quilombo de Gesteira, território severamente atingido pelo desastre-crime socioambiental cometido pela Samarco, em decorrência do rompimento da Barragem de Fundão, em Mariana, ocorrido em 2015.
O encontro teve como objetivo fortalecer a articulação entre comunidades quilombolas da Zona da Mata e do Sudeste de Minas Gerais, promover trocas de saberes e debater políticas públicas voltadas à reparação, à titulação de terras e ao enfrentamento ao racismo ambiental.
Caminhada pela memória e resistência
Na manhã do primeiro dia, as lideranças quilombolas participaram da “Andança”, um momento de visita ao território destruído pela lama do rompimento. A caminhada foi conduzida por integrantes do Quilombo de Gesteira, que compartilharam suas experiências e mostraram os impactos do desastre-crime sobre a vida da comunidade.
Mesmo diante das grandes perdas e da ausência de seu território original, Gesteira segue como símbolo de resistência, lutando pela reparação justa e integral, condição fundamental para a manutenção da vida, da cultura e das tradições quilombolas.
Vozes quilombolas: união, luta e esperança
Geraldino, do Quilombo Campina em Congonhas, e representante da Federação das Comunidades Quilombolas do Estado de Minas Gerais, destacou a importância do encontro:
“É a primeira vez que venho nessa comunidade. Não é sempre que temos a oportunidade de encontrar nossos irmãos de raça para conversar, trocar ideias e experiências. Queremos construir mais diálogo, mais conhecimento e levar isso para outras comunidades também.”
Iscah Silva, liderança do Quilombo Bom Jardim, em Visconde do Rio Branco, reforçou o papel coletivo desses momentos:
“É muito importante, para além do aprendizado, estarmos juntos com nossos povos, reforçando nossa luta e levando mais esperança para nossas comunidades. A partir desse encontro conseguimos encaminhar várias demandas comuns, ainda que com realidades diferentes.”
Simone, do Quilombo de Gesteira, ressaltou a relevância simbólica e política do evento:
“Hoje é um dia muito importante, marcante para o Quilombo de Gesteira, um dia que reforça a nossa resistência contra as retiradas de direitos. Costumamos dizer que, para o Quilombo de Gesteira, as coisas são mais difíceis, porque hoje estamos lutando contra o sistema. Estamos buscando o direito, e o direito não chega. Com essa repactuação, nosso quilombo, que foi devastado, varrido do mapa pela lama, ficou de fora do direito à reparação, fora da repactuação. Por isso, estamos aqui para discutir políticas públicas e a titulação de terras, direitos pelos quais continuaremos lutando e resistindo para poder existir.”
Para Simone, a saída é coletiva:
“Aqui temos quilombos de todos os lugares, da Zona da Mata, universidades, a EFA Paulo Freire. É um momento muito potente. É resistir para poder existir.”
Maria Ester Fernandes, moradora do Quilombo Bairro de Fátima, em Ponte Nova, também destacou o aprendizado e o fortalecimento coletivo:
“Esses encontros nos ajudam a entender o que está acontecendo e a trocar saberes. É um espaço de luta coletiva, de união e aprendizado. Na luta a gente consegue o remédio que o médico não tá conseguindo, muita alegria, muito abraço, isso é muito bom.”
Maria da Conceição Carvalho, conhecida como Tia Preta, do Quilombo Barro Branco, falou sobre o sentimento de solidariedade ao conhecer a realidade de Gesteira:
“Ouvir a história do que aconteceu em Gesteira traz um sentimento de abandono. Com união conseguimos mais força para alcançar o que precisamos. Hoje, com o apoio da Aedas e da equipe de participação social, conseguimos apresentar nossas demandas e renovar nossa esperança.”
Maria Elismar da Silva, também do Quilombo Barro Branco, descreveu a emoção de revisitar as ruínas de Gesteira Velha:
“Ver pela televisão é uma coisa, mas estar aqui é muito diferente. É impossível não se emocionar e não se entristecer com o que aconteceu. Precisamos valorizar o que eles perderam e nos unir nessa luta por justiça e reconstrução.”
Julius Keniata, do Quilombo Buieié, integrante da Rede SAPOQUI e vice-presidente da Federação das Comunidades Quilombolas de Minas Gerais (N’golo), destacou o caráter político e pedagógico do encontro:
“Este primeiro encontro tem papel fundamental no fortalecimento das comunidades, na construção de estratégias de enfrentamento às violações de direitos e ao racismo ambiental. É um espaço de socialização, de empoderamento e de organização coletiva. Aqui discutimos identidade, pertencimento e ancestralidade, temas essenciais para que cada comunidade compreenda e valorize sua história e seu território.”
Construção coletiva e continuidade da luta
O encontro reafirmou a importância da organização quilombola e da solidariedade entre os territórios atingidos, além de fortalecer o diálogo entre comunidades, universidades e instituições de apoio técnico. Em Gesteira, a palavra resistência segue sendo o fio que une memória, luta e esperança por justiça e reparação.
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Imagem: Quilombolas participam do Encontro das Comunidades da Rede SAPOQUI (Saberes do Povo Quilombola) – Reprodução Aedas Barra Longa
