Desenvolvimento como encontro, interdependência e contaminação criativa entre humanos e não humanos – Imagem gerada por IA – Foto: Ilustrativa/Divulgação
Por – Cristiano Chiaramonti* e Marta L. Fischer*, especial para Neo Mondo
O Global Ethical Stocktake (GES), lançado na COP30, em 2025, pelo governo do Brasil em conjunto com a ONU, acrescentou à tradicional avaliação técnica um “balanço ético” global, integrando valores, justiça social, cultura e pluralidade de vozes ao debate sobre o clima. Por meio de diálogos regionais e de fóruns autogestionados da sociedade civil, indígenas, jovens, cientistas, ativistas, religiosos e artistas, propôs refletir sobre quem somos como humanidade, que tipo de desenvolvimento queremos e quais são nossas responsabilidades.
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O conceito de desenvolvimento sustentável é marcado por incertezas e ambiguidades, uma vez que, historicamente, é associado ao progresso, entendido como avanço contínuo, expansão e melhoria — uma trajetória linear, orientada por “mais, melhor e/ou igual”. Contudo, a simplificação do termo ignora que desenvolver-se também implica erros, desvios, retrocessos e escolhas que nem sempre resultam em triunfos ou repousos. Trata-se, portanto, de um conceito frequentemente guiado por perspectivas unilaterais, centrado na autonomia decisória e na hegemonia do pensamento humano. É nesse ponto que a Bioética Ambiental oferece uma alternativa, ao acolher em suas deliberações assembleias de humanos e não humanos como chave para compreender as teias de relações que sustentam a vida planetária e os indicativos de desenvolvimento.

Para a antropóloga estadunidense Anna Tsing, assembleias são encontros imprevisíveis que iluminam processos vivos, espaços onde humanos e não humanos transformam-se mutuamente, produzindo histórias que ultrapassam a soma das partes. São encontros que se modificam continuamente, movidos por uma “contaminação” de saberes, sentimentos e práticas que se retroalimentam. Ao reconhecer essas assembleias, deslocam-se as certezas unilaterais e retiram-se os humanos e os não humanos do centro exclusivo das decisões, arrastando para dentro de si todos os elementos que compõem e sustentam a vida planetária, revelando que não há domínio estritamente unilateral capaz de sustentar sozinho a diversidade.
Esse domínio unilateral dialoga diretamente com uma das críticas centrais de Tsing: a crença no progresso linear e ilimitado, também problematizada por Van Rensselaer Potter em sua proposta de uma Bioética Global. Durante séculos, naturalizou-se a ideia de que o futuro sempre reserva algo maior e mais evoluído, como se a história da vida fosse uma estrada linear iluminada por trajetórias individuais, humanas ou não humanas. Nessa lógica, a sobrevivência parece descansar na maximização de interesses particulares, que se aproveitam dos encontros sem se deixar afetar por eles, mantendo-se como núcleos invioláveis de saberes. Essa dinâmica repercute diretamente na forma como se estruturam os campos do conhecimento, como a Economia e a Ecologia, cujo radical “eco”, vindo de oikos — que significa casa/lar —, tornou-se, paradoxalmente, fértil para a perpetuação da lógica do progresso individual. Perdeu-se a percepção dos encontros, das trocas, das contaminações que sustentam a vida no planeta Terra.

Dessa forma, sobreviver não é permanecer puro, isolado ou autossuficiente, como sugere a crença no desenvolvimento individual. Sobreviver é permitir-se transformar e ser transformado. É depender, interagir, relacionar-se. Quando humanos e não humanos buscam maximizar interesses a partir do isolamento, as relações deixam de produzir interações significativas, abrindo espaço para processos de morte ecológica, econômica, biológica e simbólica. A perda das trocas, das interdependências e dos movimentos mútuos dificulta a continuidade da vida na Terra.
Para Tsing, nada na vida planetária nasce de decisões isoladas. O que sustenta o mundo são os encontros: combinações instáveis, criativas e, por vezes, improváveis de seres distintos em um coletivo, que formam assembleias dinâmicas. São esses encontros — e não planejamentos rígidos ou perspectivas unilaterais, humanas ou não humanas — que garantem a pluralidade socioambiental. A ilusão da autonomia nos afasta de uma compreensão elementar: ninguém sobrevive sozinho — nem florestas, fungos, animais, cidades, sociedades humanas ou economias desenvolvidas. Toda forma de vida depende da contaminação contínua que produz diversidade, resiliência e capacidade de adaptação.

Nesse sentido, pensar o desenvolvimento sustentável a partir da Bioética Ambiental significa superar a ideia de progresso linear e estático e reconhecer o entrelaçamento como condição fundamental. Isso implica compreender que a vida é sempre interdependência — um estado caótico, em constante transformação mútua — e que é justamente desse entrelaçamento que emergem as reais possibilidades de continuidade da vida no planeta. Superar a dualidade entre Economia e Ecologia, entre humanos e não humanos, entre sociedade e meio ambiente, produzida historicamente por uma matriz antropocêntrica, talvez seja a chave para desconstruir os modelos tradicionais de desenvolvimento.
*Cristiano Chiaramonti – Economista, com especialização em Docência no Ensino Superior e MBA em Gestão Empresarial pela FGV, com foco em desenvolvimento de novos negócios. Mestre em Sustentabilidade Sócioeconômica pela (UNIFAE), atualmente é mestrando em Bioética Ambiental pela PUCPR, pesquisando ética, tecnologia e transformações socioambientais como bolsista CNPq.
*Marta Luciene Fischer – Bióloga e arte educadora, mestre e doutra em zoologia, líder do grupo CNPq/PUCPR Bioética Ambiental, docente dos cursos de Ciências Biológicas e do Programa de Pós-graduação em Bioética.
