Muita gente concorda que a recente aprovação do controverso PL do licenciamento ambiental pelo Congresso Nacional foi um retrocesso sem precedentes na história da regulamentação ambiental brasileira.

Os 63 vetos feitos pelo presidente Luís Inácio Lula da Silva colocaram um freio neste movimento negativo, mas é preciso manter todos os alertas, porque eles podem ser derrubados.

O que talvez poucos saibam, ou não se tenham se dado conta, é que a nova legislação aprovada pelo Congresso não apenas ameaça seriamente as florestas do país – o que já seria suficiente para barrá-la –, mas também o oceano.

E essas ameaças não estão descartadas, ainda mais num momento político delicado entre os poderes Executivo e Legislativo.

Uma eventual volta ao projeto de lei originalmente aprovado por deputados e senadores significaria colocar seriamente em risco o oceano, bioma responsável por absorver mais de 90% do calor excedente e cerca de um quarto das emissões globais de CO2.

Ele é um dos maiores aliados na luta contra a mudança do clima, que tem avançado perigosamente, em especial nos últimos anos, colocando em risco a vida no planeta e o nosso bem-estar.

Segundo o Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC, na sigla e inglês) da ONU, em 2023 e 2024 todos os recordes de temperatura média da superfície do mar foram batidos, ajudando a aumentar em 1,5ºC a temperatura média do planeta no ano passado. 

No entanto, o mundo não tem dado a devida importância ao oceano, e no Brasil não é diferente. 

Ecossistemas interligados

Os ecossistemas terrestres e marinhos estão interligados. O desmatamento e a contaminação nos ambientes continentais impactam diretamente os ambientes marinhos por meio das bacias hidrográficas e dos cursos d’água que deságuam no oceano.

Ao autorizar intervenções sem a devida avaliação de impactos e sem programas contínuos de monitoramento e mitigação de impactos, cria-se um perigoso mecanismo de degradação cruzada.

A destruição de florestas e o despejo de poluentes nas bacias hidrográficas, especialmente na Amazônia e na Mata Atlântica, têm impactos diretos nos ambientes costeiros. O aumento do escoamento de sedimentos e contaminantes reduz a qualidade da água, intensifica a turbidez e compromete ecossistemas sensíveis como recifes de coral. 

Também são afetados manguezais, marismas e pradarias marinhas, ecossistemas de “carbono azul” cruciais para mitigar os efeitos das mudanças climáticas. Eles armazenam grandes quantidades de carbono e funcionam como barreiras naturais contra tempestades e a elevação do nível do mar, importantes aliados na adaptação de municípios costeiros.

Além disso, sustentam a biodiversidade e garantem meios de vida para milhares de pessoas nas zonas costeiras. 

Proteção do litoral

Ambientes como restingas e dunas, que também protegem o litoral, estão igualmente ameaçados por propostas que fragilizam o licenciamento ambiental, uma vez que mais da metade da população brasileira vive nos primeiros 150 quilômetros da costa. Para termos uma ocupação sustentável desses importantes ambientes necessitamos de um arcabouço normativo e de licenciamento ambiental robusto.

Ao permitir intervenções em áreas tão frágeis, medidas que enfraquecem critérios ambientais diminuem a capacidade de o Brasil enfrentar a crise climática e de conservar seu patrimônio natural. É essencial ouvir a ciência, respeitar os alertas dos especialistas e adotar políticas que priorizem a resiliência, a justiça ambiental e o bem-estar das atuais e futuras gerações.

O risco se estende também aos empreendimentos de alto impacto no ambiente marinho. Atividades como exploração de petróleo e gás offshore, mineração submarina e instalação de eólicas no mar, mesmo com seu potencial estratégico, não podem prescindir de rigorosos processos de licenciamento ambiental.

Qualquer flexibilização nesses casos aumenta exponencialmente a possibilidade de danos irreversíveis ao oceano e às comunidades que dele dependem.

Os ambientes naturais estão todos conectados, do continente ao oceano, sustentando uma delicada dinâmica natural. Tratar esses sistemas de forma fragmentada e permitir que autodeclarações substituam estudos técnicos é um erro grave, que põe em risco a integridade dos ecossistemas e a segurança ambiental do país.

O veto presidencial ao artigo 22 da licença por adesão e compromisso restringe seu uso a apenas empreendimentos de baixo risco poluidor. É um avanço, porque projetos com riscos maiores não poderão usar esse tipo de licença caso não seja novamente alterada.

Gol contra

Permitir esse desmonte legal seria caminhar na contramão da agenda ambiental e climática. É um gol contra! Não haverá futuro climático saudável se destruirmos os sistemas naturais que regulam o clima e sustentam a vida. Aprovar um projeto como esse às vésperas da COP30 — que será realizada em Belém e pretende posicionar o Brasil como líder em conservação oceânica — foi uma contradição gritante.

Os vetos da Presidência ao PL 2.159/2021 foram necessários. Mais do que nunca, é importante que o Congresso Nacional não volte a cometer o mesmo erro e revalidar essa legislação, ouvindo com mais atenção os alertas de especialistas que, com base na ciência, têm mostrado as possíveis consequências desastrosas que podem vir.

Proteger os ecossistemas costeiros e marinhos é garantir a resiliência climática, a segurança alimentar, a proteção da biodiversidade e o bem-estar das comunidades humanas. É, sobretudo, uma escolha por um futuro com justiça ambiental.

* Marinez Scherer é doutora em Ciências Marinhas e professora da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) e foi nomeada enviada especial para o oceano pela presidência da COP30

By Daniel Wege

Consultor HAZOP Especializado em IA | 20+ Anos Transformando Riscos em Resultados | Experiência Global: PETROBRAS, SAIPEM e WALMART

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