Apesar dos avanços no controle dos fatores de risco tradicionais das doenças cardiovasculares, poucos profissionais de saúde têm se atentado ao papel da poluição do ar na gênese e na progressão da aterosclerose. Estudos recentes têm demonstrado que a exposição a poluentes ambientais, principalmente o contato com partículas finas (PM2.5), está associada ao desenvolvimento e progressão da aterosclerose. O artigo de revisão recém-publicado na revista Atherosclerosis (Air pollution and atherosclerosis) traz dados epidemiológicos e experimentais sobre como a exposição crônica à poluição pode acelerar o desenvolvimento de placas ateroscleróticas e aumentar o risco de doença aterosclerótica. 

Evidências epidemiológicas 

Estudos populacionais de diferentes regiões do mundo demonstram associações consistentes entre níveis mais altos de poluição do ar e indicadores morfológicos de aterosclerose. A maioria dessas evidências envolve a exposição a PM2.5 e seu impacto sobre a espessura da camada média íntimal das carótidas, a calcificação da artéria coronária e a calcificação da aorta. O estudo de Kunzli et al. (2005) demonstrou que um aumento de 10 μg/m³ em PM2.5 se associava a um acréscimo de 5,9% na espessura da camada média intimal carotídea. Meta-análises subsequentes estimaram aumentos de até 16,89 μm na espessura da camada médio intimal por incremento de 10 μg/m³ em PM2.5. 

Associações significativas também foram observadas entre exposição ao tráfego e medidas de calcificação arterial, além de estudos com jovens e adolescentes que sugerem que a exposição precoce já contribui para alterações vasculares subclínicas. 


Ainda que alguns estudos não tenham encontrado significância estatística, a maioria mostra uma tendência positiva, especialmente nos desfechos relacionados à espessura da parede arterial. Revisões sistemáticas apontam que aproximadamente 60% dos estudos avaliados encontram associações positivas entre poluição e aterosclerose. 


Evidências mecanicistas 


Estudos experimentais em modelos animais e celulares demonstram os mecanismos pelos quais a poluição do ar pode acelerar a aterosclerose: 


  • Estresse oxidativo: partículas ultrafinas e gases poluentes promovem a geração de radicais livres que oxidam LDL e reduzem a disponibilidade de óxido nítrico, favorecendo a disfunção endotelial. 
  • Inflamação sistêmica: exposição a PM2.5 aumenta citocinas pró-inflamatórias (TNF-α, IL-6, MCP-1) e reduz IL-10, favorecendo infiltração monocitária e formação de células espumosas. 
  • Ativação endotelial: aumento na expressão de moléculas de adesão (ICAM-1, VCAM-1), facilitando a migração de monócitos para a íntima arterial. 
  • Disfunção do HDL: alterações na função antioxidante e anti-inflamatória do HDL reduzem sua capacidade de remover colesterol dos macrófagos. 
  • Instabilização da placa: a exposição prolongada leva ao aumento da expressão de metaloproteinases (como MMP-9), promovendo a degradação da capa fibrosa, além de elevação de marcadores trombogênicos e formação de núcleos necróticos instáveis. 


Os autores destacam que, embora as evidências epidemiológicas e mecanísticas sejam robustas, os efeitos cardiovasculares da poluição ainda são subestimados em políticas públicas e na prática médica. Reforçam que a variabilidade nos resultados se deve, em grande parte, a limitações metodológicas como imprecisões na estimativa de exposição, variabilidade individual e dificuldades na medição de pequenas alterações morfológicas. Também argumentam que é necessário o desenvolvimento de métodos de imagem mais sensíveis e padronizados para detecção precoce de aterosclerose. 


Entre novas abordagens e direções futuras de pesquisas sobre poluição do ar e aterosclerose, é colocado a criação de sensores pessoais de exposição e uso de inteligência artificial para análise de grandes bases de dados. Também é destacada a importância da identificação de poluentes específicos e de populações mais suscetíveis para o direcionamento de intervenções, além da necessidade urgente de estudos que avaliem o impacto de medidas de mitigação (zonas de baixa emissão, uso de máscaras ou purificadores) sobre marcadores de aterosclerose. 


A revisão traz dados importantes que colocam a poluição do ar como um potencial fator de risco para a aterosclerose e para eventos cardiovasculares maiores. Esse risco ao que parece, contribui para progressão de todas as fases da doença aterosclerótica, desde a disfunção endotelial até a ruptura da placa. Diante desse panorama, cabe a reflexão: você tem incluído a exposição à poluição do ar na estratificação de risco cardiovascular dos seus pacientes?


By Daniel Wege

Consultor HAZOP Especializado em IA | 20+ Anos Transformando Riscos em Resultados | Experiência Global: PETROBRAS, SAIPEM e WALMART

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