Por José é Amorim Reis-Filho, Tommaso Giarrizzo, Friedrich Wolfgang Keppeler, Eurico Noleto-Filho, Marcelo Oliveira Soares, Valter M. Azevedo-Santos, Guilherme O. Longo, Mariana Bender, Rafael A. Magris e Philip M. Fearnside

Publicamos uma carta na revista Science [1], disponível aqui, explicando a inconsistência entre o discurso brasileiro sobre aquecimento global e a atuação do governo na exploração de petróleo na foz do rio Amazonas e em outros novos campos de extração propostos. Aqui trazemos este texto em português:

A autorização concedida pelo governo brasileiro em 20 de outubro para a perfuração de petróleo na foz do rio Amazonas contrasta fortemente com o papel do Brasil como anfitrião, nesta semana, da 30ª Conferência das Partes da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (COP30) [2]. Essa decisão mina a credibilidade dos compromissos climáticos do Brasil e a mensagem que o país busca transmitir no cenário global.

O projeto permite que a empresa estatal Petrobras realize perfurações exploratórias de petróleo em uma área marítima próxima à foz do Rio Amazonas. Isso contraria a posição da Agência Internacional de Energia (Net Zero até 2050), que defende o não desenvolvimento de novos campos de petróleo e gás em qualquer lugar do mundo [3]. Estima-se que o projeto leve cerca de 5 anos para iniciar a produção comercial de petróleo, seguidos de outros 5 anos para recuperar o investimento inicial. Depois disso, é improvável que os investidores interrompam as operações com lucro zero, o que significa que a extração continuará.

A profundidade da água no local da perfuração é o dobro da profundidade do local do derramamento de petróleo no Golfo do México em 2010, que levou 5 meses para ser contido. Um derramamento no local da Amazônia pode não ser contido por muitos meses, o que poderia levar a um desastre sem precedentes para a biodiversidade [4]. A área é ecologicamente diversa [5, 6], incluindo recifes de coral e manguezais costeiros [7, 8]. Os meios de subsistência dos povos indígenas e das comunidades pesqueiras tradicionais estariam ameaçados por tal desastre [4].

A postura ambígua do Brasil — proclamar a responsabilidade ambiental global enquanto expande as fronteiras dos hidrocarbonetos — revela uma perigosa incoerência entre a retórica e a realidade. Pouco antes da COP30, o Brasil e outras nações amazônicas assinaram a Declaração de Bogotá, um compromisso de liderar a diplomacia climática como uma frente unificada [9]. As nações amazônicas têm a oportunidade de apresentar uma posição forte e compartilhada na COP30 e atuar como líderes nas negociações climáticas. Se esses países buscam liderar pelo exemplo na COP30, o Brasil deve conciliar suas estratégias de desenvolvimento com os imperativos ecológicos e éticos que defende publicamente [10]. A liderança não surgirá da extração da última gota de petróleo, mas sim da adoção de um futuro ancorado na integridade ecológica, na justiça e em um compromisso genuíno com a transição energética pós-carbono.


Notas

[1] Reis-Filho, J.A., T. Giarrizzo, F.W. Keppeler, E. Noleto-Filho, M.O. Soares, V.M. Azevedo-Santos, G.O. Longo, M. Bender, Rafael A. Magris & P.M. Fearnside. 2025. Brazil’s hypocrisy at COP30. Science. _

[2] Moura, B.F. 2025. Petrobras granted environmental license to explore Equatorial Margin. Agência Brasil, 20 de outubro de 2025.

[3] IEA (International Energy Agency). 2021. Net Zero by 2050: A Roadmap for the Global Energy Sector. IEA, Paris, França. 222 p.

[4] Duarte, H.O.B., Mustin, K., Costa-Campos, C.E. S.V. Costa-Neto, I.J. de Castro, H.F.A. Cunha, A.C. da Cunha, R.R. Hilário, F. Pedroso‐Santos, J.C.E. Vilhena, P.M. Fearnside & W.D. Carvalho. 2025. Threats of Brazil’s new oil drilling frontier. Nature Sustainability 8: 1105–1107.

[5] Marceniuk, A.P., B.E. Soares, R.A. Caires, A. Carvalho-Filho, R. Barthem, S.R. Floeter, R.S. Rosa, A.G.C.M. Klautau, I.H.A. Cintra, M.M. Rotundo & L.T. Nunes. 2024. Megahabitats shape fish distribution patterns on the Amazon Coast. Estuarian, Coastal and Shelf Science 305: art. 108847.

[6] Klautau, A.G.C.M., A.P.B. Cordeiro, R.A. das Chagas, W.C.R. dos Santos, A.P. Marceniuk, P.S.V. da Nóbrega, J.M. Martinelli-Lemos, I.H.A. Cintra, N.S.S. de Castro, C.E.M.C. Bastos, F.A. Alves-Junior,vL.C. Pinheiro & B. Bentes. 2025. Biodiversity hotspots and threatened species under human influence in the Amazon continental shelf. Scientific Reports 15: art. 26681.

[7] Francini-Filho, R.B., N.E. Asp, E. Siegle, J. Hocevar, K. Lowyck,  N. D’Avila,A.A. Vasconcelos, R. Baitelo, C.E. Rezende, C.Y. Omachi, C.C. Thompson & F.L. Thompson. 2018. Perspectives on the great Amazon reef: Extension, biodiversity, and threats. Frontiers in Marine Science 5: art. 142.

[8] Banha, T.N.S., O.J. Luiz, N.E. Asp, H.T. Pinheiro, R.A. Magris, R.T.S. Cordeiro, M.M. Mahiques, M. Mies, V.J. Giglio, C.Y. Omachi, E. Siegle, L.C. Nogueira, C.C. Thompson, F.L. Thompson, V. Nora, P.A. Horta, C.E. Rezende, P.Y.G. Sumida, C.E.L. Ferreira, S.R. Floeter & R.B. Francini-Filho. 2022. The great Amazon reef system: A fact. Frontiers in Marine Science 9: art. 1088956.

[9] Vilela, P.R. 2025. Bogotá Declaration advances coordination but falls short of targets. Agência Brasil, 25 de agosto de 2025.

[10] Fearnside, P.M. & W. Leal Filho. 2025. COP 30: Brazilian policies must change. Science 387: 1237.


Sobre os autores

José Amorim Reis-Filho possui graduação e mestrado em biologia e doutorado em ecologia pela Universidade Federal da Bahia. Atualmente é ligado ao Programa de Pós-Graduação em Ecologia: Teoria, Aplicação e Valores, Universidade Federal da Bahia (UFBA), Salvador, o Grupo de Ecologia Aquática e Centro de Ecologia Aquática, Universidade Federal do Pará, Belém, o Instituto de Ciências Marinhas (LABOMAR), Universidade Federal do Ceará, Ceará, e Planejamento do Espaço Marinho Nordeste (PEM NE), Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN). Pesquisa poluição de plástico do mar e manejo da pesca, inclusive com estudos etnográficos em comunidades tradicionais.

Tommaso Giarrizzo possui graduação em ciência agrária tropical e subtropical pela Universidade de Firenze (Itália) e doutorado em biologia marinha pela Universidade dee Bremen (Alemanha). Ele é professor visitante no Instituto de Ciências do Mar, Universidade Federal do Ceará, Fortaleza e professor colaborador na Universidade Federal do Pará, Belém e Altamira. É pesquisador do CNPq Nível 1D. Estuda a dinâmica nos ecossistemas aquáticos, inclusive peixes em mangues na costa do Pará e o acúmulo de microplástico em peixes de água doce na Amazônia.

Friedrich Wolfgang Keppeler é bacharel e licenciado em Ciências Biológicas pela UNISINOS, mestre em Ecologia pela Universidade Federal de Rio Grande do Sul (UFRS) e doutor em Ciências da Caça e Pesca pela Universidade Texas A&M, EUA. Atualmente é bolsista de pós-doutorado no departamento de Ecologia Aquática e Pesca da Universidade Federal do Pará (UFPA), Belém. Desenvolve pesquisa em ecologia de comunidades e ecossistemas, com foco em conservação, restauração ecológica, teias alimentares, interação predador-presa, estrutura de comunidades e metacomunidades.

Eurico Mesquita Noleto-Filho possui graduação em Ciências Biológicas pela Universidade Federal do Maranhão, Mestrado em Oceanografia Biológica pela Universidade Federal de Rio Grande do Sul e Doutorado em Aquicultura pela Universidade Estadual Paulista Julio Mesquita Filho (UNESP). Atualmente é professor visitante no Instituto Geofísico, Universidade de Bergen, Bergen, Noruega. Pesquisa sobre pesca interior e marinha. Atua em gestão de projetos de dados de pesquisa voltados à economia, cadeia de valor, e conservação de recursos ambientais.

Marcelo de Oliveira Soares possui graduação em Ciências Biológicas e mestrado em Ciências Marinhas Tropicais pela Universidade Federal do Ceará (UFC) e doutorado em Geociências pela Universidade Federal de Rio Grande do Sul. Atualmente é Professor Associado IV do Instituto de Ciências do Mar (LABOMAR) da UFC. É pesquisador 1-A de CNPq. Estudo impactos em ambientes marinhos, incluindo invasões biológicas, perda de corais, poluição por plástico e derramamentos de petróleo.

Valter M. Azevedo-Santos possui graduação em ciências biológicas pela Universidade do Estado de Minas Gerais (UEMG) e mestrado e doutorado em ciências biológicas (zoologia) pela Universidade Estadual Paulista (UNESP). Tem interesse em conservação da biodiversidade aquática. Ele é professor no Centro Universitário Eduvale de Avaré, Avaré, SP, e docente permanente no Programa de Pós-Graduação em Biodiversidade, Ecologia e Conservação (PPGBEC), na Universidade Federal do Tocantins, Porto Nacional, TO.

Guilherme Ortigara Longo possui graduação em Ciências Biológicas pela Universidade Federal de Santa Catarina, mestrado em Ecologia e Conservação pela Universidade Federal do Paraná e doutorado em Ecologia pela Universidade Federal de Santa Catarina. Atualmente é professor adjunto no Departamento de Oceanografia e Limnologia da Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Pesquisa sobre ecologia e conservação marinha e impactos locais e das mudanças globais sobre ecossistemas recifais em múltiplas escalas de tempo e espaço.

Mariana Bender possui graduação em Ciências Biológicas pela Universidade Federal de Santa Maria, RS, Mestrado em Ecologia pela Universidade Federal de Santa Catarina, e doutorado em Ecologia e Conservação pela Universidade Federal do Paraná em cotutela com a Université Montpellier 2, na França. Atualmente é Professora Adjunta do Departamento de Ecologia e Evolução da Universidade Federal de Santa Maria. Pesquisa sobre macroecologia, ecologia de comunidades, e conservação de peixes recifais, e a história da exploração de ambientes recifais.

Rafael Almeida Magris possui graduação em Oceanografia e Mestrado em Biologia Animal pela Universidade Federal do Espírito Santo e doutorado em Planejamento para Conservação – Estudos de Recife de Coral pela James Cook University, Queensland, Austrália. Atualmente é Analista Ambiental do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade, Brasília, DF. A sua pesquisa enfoca na aplicação de métodos científicos para subsidiar à tomada de decisão no que tange as ações de conservação marinha.

Philip M. Fearnside é doutor pelo Departamento de Ecologia e Biologia Evolucionária da Universidade de Michigan (EUA) e pesquisador titular do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa), em Manaus (AM), onde vive desde 1978. É membro da Academia Brasileira de Ciências. Recebeu o Prêmio Nobel da Paz pelo Painel Intergovernamental para Mudanças Climáticas (IPCC), em 2007. Tem mais de 800 publicações científicas e mais de 800 textos de divulgação de sua autoria que estão disponíveis aqui: http://philip.inpa.gov.br.

By Daniel Wege

Consultor HAZOP Especializado em IA | 20+ Anos Transformando Riscos em Resultados | Experiência Global: PETROBRAS, SAIPEM e WALMART

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