Da Lagoa Rodrigo de Freitas às praias e ilhas da Baía de Guanabara, passando pelas praias oceânicas da cidade, o Rio de Janeiro convive diariamente com uma ameaça silenciosa: a poluição por plásticos. Invisíveis a olho nu, os microplásticos e poluentes derivados estão se acumulando nos ecossistemas marinhos e costeiros, afetando a vida de peixes, camarões, moluscos e até mesmo trazendo riscos para a saúde da população que consome esses alimentos. Um estudo inédito, desenvolvido pela bióloga e pesquisadora Raquel de Almeida F. Neves, do Departamento de Ecologia e Recursos Marinhos da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (Unirio), traz à tona a dimensão desse problema ao analisar a contaminação por plásticos em diferentes pontos do litoral fluminense.
O estudo, financiado pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (FAPERJ), combinou análises químicas, biológicas e ambientais, além de experimentos laboratoriais, para medir os impactos diretos desses poluentes sobre a fauna marinha e a cadeia alimentar.
Coletas em diferentes cenários da costa
As amostras foram coletadas em locais estratégicos: Lagoa Rodrigo de Freitas, ilhas e praias da Baía de Guanabara, praias oceânicas e também estuários no sul da Bahia. Foram recolhidos sedimentos (terra do fundo), água e organismos aquáticos como peixes, camarões, siris, mexilhões e ouriços-do-mar — muitos deles de grande importância para a pesca artesanal e para o consumo humano.
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O objetivo era identificar contaminantes provenientes do plástico, como bisfenóis, ftalatos e outras substâncias que permanecem no ambiente por anos.
“Realizamos coletas simultâneas da água, sedimento e biota, o que permite entender o ciclo completo de contaminação e o impacto nos recursos pesqueiros que são consumidos pela população local”, explicou a Dra. Raquel de Almeida F. Neves. “As análises químicas foram complementadas por testes de toxicidade, para avaliarmos os efeitos diretos desses poluentes.”
Ciência aplicada para proteger sociedade e ambiente
A presidente da FAPERJ, Caroline Alves, destacou a relevância da pesquisa e o papel da instituição em fomentar estudos que unem ciência básica e aplicada.
“O projeto demonstra o compromisso da FAPERJ em apoiar pesquisas inovadoras que trazem benefícios diretos para a sociedade. A poluição por plásticos é um problema global, mas projetos como este trazem soluções e conhecimento para políticas públicas locais, contribuindo para a saúde dos ecossistemas e das pessoas”, afirmou.
Métodos de alta tecnologia
Para identificar e quantificar os microplásticos, a equipe utilizou técnicas sofisticadas como cromatografia gasosa acoplada à espectrometria de massas (CGMS), espectrometria de massas com plasma indutivamente acoplado (ICP-MS) e µ-FTIR, que permite caracterizar os microplásticos.
As análises também foram cruzadas com variáveis ambientais como temperatura, salinidade, pH, oxigênio dissolvido e nutrientes, medidos com sondas multiparamétricas e fluorímetros portáteis. Esse monitoramento integrado permitiu uma visão mais completa da situação dos ambientes amostrados.
Do laboratório para a realidade ambiental
Os testes laboratoriais reproduziram condições ambientais para medir a toxicidade dos poluentes em espécies marinhas e estuarinas. Foram avaliados efeitos agudos e crônicos, seguindo protocolos internacionais (ISO e EPA).
— Os testes incluíram múltiplas concentrações dos poluentes, permitindo calcular valores críticos como EC50 e LC50, que indicam a concentração na qual 50% dos organismos apresentam efeito tóxico ou morrem — detalha a pesquisadora. — Também aplicamos biomarcadores moleculares, celulares e comportamentais para identificar os efeitos em diferentes níveis biológicos.
Entre os organismos mais suscetíveis estavam camarões e peixes, essenciais tanto para a economia pesqueira quanto para a alimentação da população.
Contribuições para a gestão ambiental
Entre os resultados do estudo estão:
- a criação de indicadores ambientais e biológicos para monitorar a poluição por plásticos;
- mapas detalhados que mostram as áreas mais críticas da costa;
- a avaliação dos riscos para a saúde da fauna e para o consumo humano;
- a proposição de biomarcadores eficientes para monitorar a qualidade dos recursos pesqueiros;
- e a integração das comunidades locais, sobretudo os pescadores artesanais, no processo de conservação.
— Nosso objetivo é que a pesquisa não fique restrita aos laboratórios — reforça Raquel. — O engajamento dos pescadores e o diálogo com as escolas públicas são fundamentais para ampliar a conscientização e promover ações concretas de preservação.
Ciência cidadã e educação ambiental
O projeto também investiu em atividades de extensão, com palestras abertas ao público em espaços culturais do Rio, ações educativas em escolas públicas e projetos de ciência cidadã envolvendo pescadores artesanais.
— Queremos transformar conhecimento em ação, sensibilizando a população sobre os impactos dos plásticos nos ecossistemas e na saúde humana, e incentivando uma postura responsável e crítica diante do problema — conclui a pesquisadora.