Portugal é um país com risco sísmico. Sempre foi. E continuará a sê-lo. Ainda assim, o risco permanece sistematicamente empurrado para o fundo da agenda política, como se o silêncio pudesse adiar o próximo abalo. Não pode. Um sismo moderado, com magnitudes entre 5.5-6.5 ocorrido próximo de um grande centro urbano, é suficiente para provocar danos extensos, interromper serviços essenciais e comprometer, durante décadas, o bem-estar social e económico de um país.

No entanto, cidades, edifícios, escolas, hospitais, quartéis de bombeiros e outras infraestruturas críticas podem ser planeados e reabilitados para resistirem melhor. O problema não é a ausência de conhecimento técnico – é a persistente falta de decisão.

O recente inquérito “Eurobarómetro Especial 547” da União Europeia (2024), que inquiriu os cidadãos dos 27 Estados-Membros sobre o nível de consciencialização e preparação face ao risco de catástrofes traça um retrato claro – e pouco lisonjeiro – de Portugal. Cerca de 68% dos portugueses afirmam não se sentir preparados para enfrentar um desastre, 67% dizem não estar bem informados sobre os riscos que os podem afetar, mais de metade refere ter dificuldade em obter informação sobre os riscos junto das autoridades, e 61% desconhece como seria alertado em caso de emergência. Em todos estes indicadores, Portugal apresenta resultados significativamente piores do que a média europeia, o que denuncia falhas estruturais na comunicação pública, na educação para o risco e no envolvimento da população.

Apesar da crescente preocupação com os riscos climáticos, económicos ou de saúde, a maioria dos cidadãos continua sem orientação clara sobre como agir ou onde obter informação fiável. Questões práticas – como avaliar se a habitação é resistente a sismos, o que fazer para reforçar um edifício, ou como reagir perante um incêndio florestal – permanecem largamente desconhecidas. O Eurobarómetro deixa, assim, um alerta claro: preparar o país para catástrofes não é apenas uma questão de emergência, é também um desafio de governação e de educação cívica.

No plano político, o contraste entre o diagnóstico amplamente conhecido e a ação concreta é alarmante. Em março de 2023, várias propostas para mitigar o risco sísmico tais como avaliação de edifícios, indicadores de risco, fundos para desastres e reforço da regulamentação, foram discutidas na Assembleia da República. Nenhuma foi aprovada. Os governos passam e o risco fica convenientemente fora do debate central.

Após cada sismo sentido no território nacional, como os registados em 2024 e 2025, repete-se o discurso de que “Portugal está preparado”. Não está. Tentar acalmar a população transmitindo uma falsa sensação de segurança desincentiva a prevenção e não reduz o risco, aumentando a probabilidade de vítimas em futuros eventos. Sem medidas estruturais, esta afirmação não passa de retórica. A isso somam-se comunicações oficiais frequentemente contraditórias, que diluem responsabilidades, minimizam a urgência e afastam a sociedade do debate sobre riscos, sejam eles sismos, cheias, incêndios ou outros de natureza tecnológica.

A fragilidade do país reflete-se também nos números. Cerca de 80% do edificado não dispõe de seguro contra fenómenos sísmicos e apenas cerca de um terço das habitações tem seguros multirriscos ou de incêndio. A maioria das famílias não tem capacidade financeira para reforçar edifícios vulneráveis; muitas nem sequer conhecem os riscos a que estão expostas. Isto revela, por um lado, falta de consciência do risco e, por outro, ausência de mecanismos financeiros acessíveis que permitam preparar o cidadão, ao mesmo tempo que antecipa um forte encargo para o Estado, que acaba por assumir grande parte das perdas não seguradas, com impactos diretos na dívida pública e na instabilidade financeira.

Mitigar o risco sísmico é possível. Avaliar, reforçar ou substituir edifícios antigos, promover seguros adequados e investir em educação e comunicação eficaz do risco custa incomparavelmente menos do que reconstruir após uma catástrofe. Ainda assim, a prevenção continua a ser encarada como despesa e não como investimento estratégico na segurança coletiva e na sustentabilidade do país. 

É possível viver em cidades resistentes aos sismos, mas só se houver estratégia, planeamento e gestão do território assentes no conhecimento dos riscos, educação e comunicação eficaz do risco, políticas públicas consistentes, fiscalização exigente e qualidade na construção. Sem estes pilares, a resiliência sísmica continuará a ser um discurso e não uma realidade.

By Daniel Wege

Consultor HAZOP Especializado em IA | 20+ Anos Transformando Riscos em Resultados | Experiência Global: PETROBRAS, SAIPEM e WALMART

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