Altri bem poderia ser o acrónimo de Alternativas para a Linguagem sobre a Terra Revolucionárias e Insurgentes. Ao nos reapropriamos do nome da empresa, abrimos uma linha de combate. Igualmente, a palavra ecocídio resume os dados sobre a contaminação do Ulha e da ria da Arousa de maneira feroz. As práticas do greenspeak desestabilizam. Rompem o falso debate entre um ecologismo romântico e uma posição mais realista, orientada às cousas do comer, a denunciar que esta última é falaz e deixa Galiza sem futuro.

Porém, analisar os discursos de resistência contra Altri demostra como o capitalismo se infiltra por todas as gretas; também nos movimentos contrapoder. As organizações ambientalistas advertem do aumento de patologias a causa da contaminação, dos riscos do monocultivo de eucalipto ou da ruína dos bancos marisqueiros. Apesar das boas intenções, focam o problema em termos exclusivamente humanos e esquecem que nenhuma massa crítica vai surgir do desenvolvimento sustentável a que apelam. Não deveram de ler a web da empresa, que usa esse e ainda outros conceitos vagamente verdes, como compromisso, comunidades locais ou economia circular. As plataformas de afetadas chegam a denunciar o ataque contra um suposto modo de vida galego, embora incêndios, eólicos, minas e marés negras demonstrem que o mais tradicional neste país é devastar enclaves irrecuperáveis.

Após o afundimento do Prestige, enquanto os médios de comunicação lavavam a cara às administrações, o Nunca Máis alertava do desastre económico para a pesca e o turismo. Sempre nos doem as perdas materiais. Achava-se em falta uma ótica ecocentrada até ao ponto de as forças políticas transformadoras insistirem na defesa dos nossos sectores produtivos, como se o território fosse um puro recurso ao nosso dispor —para não falarmos desse questionável possessivo—.

A humildade implícita na perspetiva ecológica convoca-nos para preservar o entorno no seu difícil equilíbrio. Nem tudo é economia. Se corremos para a praia ou o monte no lazer é porque desfrutamos da natureza. Mais ainda: os nossos corpos estão feitos da mesma matéria que a paisagem e somos fauna. Com este olhar, a libertação nacional invocada pela esquerda soberanista não atingiria só os seres humanos. Haveria que conceder esse status de autodeterminado e livre do dente do capital também ao território, às criaturas não humanas, a mares, rios e montanhas: à biosfera inteira. Porque a política não se faz com as emoções vinculadas ao nosso, mas com análises profundas que exigem revisar a história e as prioridades.

Depois do Prestige, a organização ecologista Adega cindiu-se: parte dela considerava que se agia de forma demasiado benévola quando o poder era amigo. Tal insatisfação solidificou no movimento Galiza não se vende, que primava a consciência ecológica sobre as lealdades políticas habituais. A sua crítica encontrou as organizações desacauteladas, como se se tratasse da versão galega (e precedente) do 15M, mesmo se não conseguíssemos rendibilizar aquela intensidade. O discurso marxista clássico podia insinuar que, se para as classes trabalhadoras viverem melhor, for necessário contaminarmos, já se procurarão soluções tecnológicas. Como hoje não temos esse tempo, não existem discursos transformadores sem ecologia. E este país, eminentemente rural, podia ter gerado uma alternativa ao extrativismo e tornar-se em vanguarda ecológica. Mas a tendência foi chamar o Prestige de catástrofe —como se um fio de desgraças se orquestrasse a sós— para pelejar por ajudas para zona catastrófica. No caso de Altri nem sequer podemos jogar à semiótica: o projeto está impregnado desse canibalismo que Nancy Fraser adverte na infinita sede por acumular capital desvalorizando a vida, como se as suas capacidades fossem ilimitadas.

O pensamento ecofeminista vem formulando aproximações inovadoras e radicais sobre o papel que nos toca: nem é certo que o planeta esteja ao serviço do homem (nesse esmagador masculino genérico), nem que a racionalidade nos outorgue o privilégio de assolar tudo ao nosso passo. Tão potente greenspeak pode inspirar-nos para sair da miséria ética e da ineficácia política atuais. Não basta com entoar Altri não, porque virá outra empresa megalómana com a sua capacidade de desfeita. Temos de construir uma ecopolítica valente contra a crise que padecemos, aqui e no mundo inteiro, a entrelaçar as lutas duma multitude híbrida, um sujeito biopolítico amplo e capaz, portanto, de ter muitos olhos diferentes.

By Daniel Wege

Consultor HAZOP Especializado em IA | 20+ Anos Transformando Riscos em Resultados | Experiência Global: PETROBRAS, SAIPEM e WALMART

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