A enchente repentina que atingiu o Rio Guadalupe, no Texas, na madrugada do dia 4 de julho foi rápida e implacável. Uma parede de água atravessou comunidades da região montanhosa do estado americano, matando mais de 130 pessoas.

Em apenas duas horas, a inundação varreu acampamentos, carros e casas, deixando centenas de famílias arrasadas com as perdas de filhos e entes queridos.

Os fatores que levaram ao desastre na região montanhosa — terreno íngreme, rios transbordando e pessoas em perigo — não são exclusivos do Texas.

Nos Estados Unidos, existem bolsões de vulnerabilidade onde a geografia, o clima e a natureza humana convergem de maneiras que aumentam o risco de enchentes repentinas.

Alguns desses perigos são bem conhecidos: cânions e vales que canalizam água para canais estreitos, rios e córregos que transbordam facilmente.

Mas outros são menos óbvios — lugares onde as pessoas vão em busca de diversão e tempo longe da vida na cidade, sem saber que as mesmas características que tornam esses locais tão convidativos também os tornam mortais durante tempestades.

Para entender melhor onde esses desastres podem acontecer, a CNN fez uma parceria com a First Street, uma organização de pesquisa especializada em dados de risco climático, para identificar alguns dos lugares onde a vulnerabilidade a inundações repentinas e destrutivas permanece alta, além de serem frequentemente ignoradas.

Perigos nas montanhas do estado da Geórgia

Helen é uma cidade com um vislumbre inesperado que lembra a Alemanha. O vilarejo fica entre as montanhas do norte do estado da Geórgia e conta com um ponto turístico: o Rio Chattahoochee.

Em um dia quente e úmido de verão, poucos lugares são mais convidativos do que o rio refrescante, onde os visitantes podem passear por cervejarias e lojas de doces, além de flutuar em boias coloridas.

Durante os momentos de diversão, é difícil imaginar como apenas alguns centímetros de chuva podem transformar o mesmo curso d’água em uma torrente estrondosa num piscar de olhos. Mas a geografia que confere charme à região também carrega consigo uma ameaça silenciosa.

Pessoas em boias no Rio Chattahoochee • CNN/Julian Quinones

“Helen está localizada na base de algumas das montanhas mais altas” da Geórgia, disse Laura Belanger, hidróloga sênior do Serviço Nacional de Meteorologia, à CNN, enquanto estava ao lado do medidor de inundação na Main Street.

“Este é o mesmo rio que atravessa Atlanta e desce até Columbus e ao longo da fronteira com o Alabama — ele tem um longo caminho a percorrer, e começa aqui”, afirmou a hidróloga.

O Rio Chattahoochee percorre os condados mais chuvosos da Geórgia, e isso algumas traz consequências. A topografia da região e o solo argiloso deixam pouca oportunidade para a água penetrar no solo, disse ela. “Em vez disso, ela escorre e pode fluir muito rapidamente para os nossos sistemas fluviais.”

Helen já sofreu inundações antes, mais recentemente devido aos resquícios do furacão Helene, que elevou o nível do rio em 90 a 1,8 metro. Isso é insignificante em comparação com a enchente recorde de 1967, provocada por mais de 20 centímetros de chuva em 24 horas, fazendo com que o Chattahoochee subisse 3,6 metros.

Desde então, Helen deixou de ser uma cidade madeireira deserta e se transformou na “Baviera do Sul”, com margens repletas de lojas, restaurantes e cabanas — todas vulneráveis à próxima grande enchente.

Uma enchente tão grande quanto a de 1967 hoje provavelmente submergiria casas e motéis, cortaria estradas e inundaria grande parte da infraestrutura da cidade com 60 a 120 centímetros de água, de acordo com as diretrizes do Serviço Nacional de Meteorologia.

As pontes em arco, construídas com o tema europeu, funcionariam como represas em caso de enchente, acumulando água e agravando a erosão.

“Embora as inundações ao longo do Rio Chattahoochee sejam certamente uma preocupação, ameaças igualmente graves incluem raios, ventos fortes e outras condições climáticas em rápida mudança que podem afetar atividades ao ar livre — não apenas a recreação no rio”, disse um porta-voz da Segurança Pública do Condado de White.

A hidróloga Laura Belanger disse que está particularmente preocupada com uma comunidade no Rio Hiwassee, ao norte de Helen, onde trailers residenciais permanentes ficam perto de um medidor de nível de rio que, segundo um estudo recente, está entre os mais propensos a inundações repentinas no país.

Independentemente da preparação de uma comunidade, tantas pessoas morando tão perto de um rio são uma receita para o desastre, disse a hidróloga.

“Esses são os lugares que me tiram o sono.”

Trailers próximos ao Rio Hiwassee,ao norte de Helen • CNN, POOL, WXIA, WSB
Trailers próximos ao Rio Hiwassee,ao norte de Helen • CNN, POOL, WXIA, WSB

Risco de inundação na fronteira EUA-México

O Nogales Wash nasce na cidade montanhosa de Nogales, em Sonora, no México, e segue em direção ao norte, atravessando a paisagem desértica e cruzando a fronteira até sua cidade-irmã, Nogales, Arizona.

O canal de drenagem, construído na década de 1930, permanece completamente seco durante a maior parte do ano. Ele entra em operação quando o verão chega na região.

“Essas tempestades são chamativas. Despejam muita água em um período muito curto”, disse Allan Sanchez, coordenador de áreas de inundação do Condado de Santa Cruz. “Não é incomum ver a região ser atingida por 6,3 cm de chuva por hora”, acrescentou.

“O risco de inundações é agravado pela geografia da área e pela infraestrutura obsoleta. Como muitas outras cidades em risco, a maior parte de Nogales foi construída em uma planície de inundação por ser o local mais plano”, disse Allan Sanchez, coordenador de áreas de inundação do Condado de Santa Cruz.

A população da cidade também aumentou ao longo das décadas, o que significa mais estradas, casas, telhados e calçadas — superfícies duras incapazes de absorver a chuva.

O problema se complica pelo fato de que, abaixo do Nogales Wash, há uma tubulação de esgoto que transporta milhões de galões de resíduos não tratados de Sonora para uma estação de tratamento no Arizona.

“Quando essa tubulação transborda, também há risco de contaminação”, disse Sanchez. Durante as tempestades em 2017, as águas da enchente danificaram a tubulação, fazendo com que esgoto bruto fosse despejado no Nogales Wash, levando a cidade a declarar estado de emergência.

Ele também notou que as tempestades se tornaram mais intensas nos últimos anos. No ano passado, em vez de uma ou duas, várias tempestades poderosas liberaram grandes quantidades de água em áreas muito localizadas, disse Sanchez.

Problemas nas colinas de Santa Bárbara, na Califórnia

É fácil esquecer o perigo no Condado de Santa Bárbara, no estado da Califórnia. O litoral ensolarado, a arquitetura em estilo espanhol e o clima quente e mediterrâneo oferecem a ilusão de calma. Mas logo atrás dessa fachada serena, há uma paisagem construída para o desastre.

Terrenos íngremes, tempestades torrenciais de inverno e incêndios florestais combinam para colocar a bacia hidrográfica costeira de Santa Bárbara sob alto risco de inundações repentinas e deslizamentos de terra, à medida que as chuvas descem ruidosamente pelos cânions esculpidos nas Montanhas Santa Ynez.

“Temos um longo histórico de inundações repentinas e fluxos de detritos”, e o terreno agrava tudo, disse Kelly Hubbard, diretora do Escritório de Gestão de Emergências do condado.

As encostas das montanhas tendem a sofrer erosão quando saturadas, especialmente após incêndios florestais, resultando em fluxos de detritos potencialmente mortais.

A medida que a cidade se expande para o sopé das colinas, o risco para os moradores aumenta. “Isso tende a aumentar a vulnerabilidade das pessoas em suas casas quando elas são construídas bem perto das colinas”, disse Jayme Laber, hidrólogo do Serviço Nacional de Meteorologia em Los Angeles.

“Há um limite para a área plana em que se pode construir”, disse Laber.

A área onde os bairros se aglomeram em meio a florestas, arbustos e terrenos abertos — conhecida como interface entre áreas selvagens e urbanas — está se tornando mais proeminente em Santa Bárbara. Também foi um fator importante na destruição causada pelos incêndios de Los Angeles em janeiro.

“Há um aumento no risco de inundações e eventos que vêm das colinas e atingem diretamente aquelas casas, prédios e toda aquela infraestrutura construída ali”, afirmou Laber.

O Condado de Santa Bárbara utiliza uma série de ferramentas sobrepostas para alertar as pessoas sobre o perigo: helicópteros, mensagens de texto e chamadas de emergência; viaturas policiais que emitem tons especiais, diferentes de uma sirene comum, que avisam os moradores para se sentarem e prestarem atenção.

Há 6.675 propriedades sob risco de inundação nos próximos 30 anos em Santa Bárbara, de acordo com pesquisa da First Street.

Catskill Park, nas montanhas Catskill • Photo by Andrew Lichtenstein/Corbis via Getty Images
Catskill Park, nas montanhas Catskill • Photo by Andrew Lichtenstein/Corbis via Getty Images

As Montanhas Catskill

As Montanhas Catskill, ao norte da cidade de Nova York, são exuberantes, com colinas onduladas e riachos sinuosos. Mas a paisagem esconde vulnerabilidades significativas a inundações.

Uma dessas regiões de risco é o Condado de Delaware, no estado da Pensilvânia. A pequena comunidade com cerca de 230 habitantes, apresenta um risco “extremo” de inundação, de acordo com o modelo da First Street.

A região é vulnerável a inundações de rios e a inundações causadas pelo excesso de precipitação, que estão se agravando à medida que o clima continua a aquecer. A tempestade tropical Irene provocou graves inundações na região em agosto de 2011.

O Condado de Delaware ocupa o primeiro lugar entre todos os condados da Pensilvânia em declarações federais de desastre desde 1954, de acordo com Steve Hood, diretor de gestão de emergências do condado.

A maioria dessas declarações foi por inundações, e uma avaliação recente das ameaças que o condado enfrenta colocou esses desastres naturais no topo da lista, disse ele.

Hood afirmou à CNN que muitas enchentes repentinas não atingem centros populacionais, pois a região é escassamente povoada, com as enchentes dos rios constituindo uma ameaça um pouco maior para as vilas e cidades.

Tim Brewster, hidrólogo do Serviço Nacional de Meteorologia em Binghamton, Nova York, disse que o Condado de Delaware é um importante foco de enchentes repentinas dentro de sua área de previsão — e o terreno é o fator-chave.

“O condado tem encostas muito íngremes e pequenas bacias hidrográficas de drenagem rápida”, disse ele, o que pode levar a enchentes repentinas devido a tempestades de movimento lento, por exemplo.

Os meteorologistas estão cientes do fluxo significativo de pessoas durante o verão que vêm ao condado para escapar do calor das grandes cidades da Costa Leste, disse Brewster, acrescentando que há muitos acampamentos de verão espalhados pela região.

“Definitivamente, precisamos ter maior conscientização sobre esse fluxo populacional”, disse ele.

Enchentes repentinas na Carolina do Norte

O Rio Yadkin e seus afluentes no noroeste da Carolina do Norte — cercados por florestas e vinhedos — não são estranhos a enchentes repentinas. Mas mesmo os danos causados pelo furacão Helene no ano passado são insignificantes em comparação com o histórico de inundações neste trecho ao pé das Montanhas Blue Ridge.

A cidade de Elkin converge com o Riacho Big Elkin e com o Rio Yadkin, que serpenteia por mais de 320 quilômetros através do estado até a Costa Atlântica. A cidade é propensa a tempestades intensas, pois o ar quente e úmido do Atlântico é atraído para terrenos mais altos, o que pode potencializar os impactos.

Vales estreitos e íngremes canalizam a chuva para os cursos d’água abaixo, fazendo com que eles rapidamente inchem e transbordem.

Quando o Furacão Helene abriu um caminho de destruição de 800 quilômetros da Flórida até os Apalaches do Sul em setembro de 2024, Elkin e suas cidades vizinhas — Wilkesboro, Ronda e Jonesville — estavam no caminho.

Elkin foi poupada da destruição mortal causada em outras partes do estado, mas o nível do Rio Yadkin subiu 7 metros, inundando casas e empresas, e deixando estradas submersas.

Jim Neese levou uma semana para limpar seu acampamento, o Riverwalk RV Park, situado às margens do rio, depois que Helene o deixou nadando em um redemoinho lamacento de água da enchente.

Inundações fazem parte da vida aqui, disse ele à CNN. “Sempre que o tempo está ruim, você pensa nisso.” Elas tendem a ser previsíveis, acrescentou: “Você vê chegando e sabe que (o rio está) subindo… Nós monitoramos tudo. Eu olho três ou quatro aplicativos diferentes.”

A vigilância é importante: a cidade é vulnerável a inundações muito mais catastróficas.

Elkin foi uma das muitas áreas afetadas quando uma sequência dupla de ciclones tropicais levou a uma inundação devastadora em 1916. Então, em 1940, o rio Yadkin atingiu 11,4 metros, seu nível mais alto já registrado, quando os restos de um furacão atingiram partes da bacia do rio com mais de 20 centímetros de chuva, causando grandes danos à cidade.

O Rio Yadkin está mais bem protegido hoje, em parte devido à barragem W. Kerr Scott, construída em 1962, rio acima de Wilkesboro, pelo Corpo de Engenheiros do Exército dos EUA, disse Nick Fillo, hidrólogo do Serviço Nacional de Meteorologia em Blacksburg, Virgínia.

Ela absorve grande parte do escoamento e retém água, disse ele à CNN. “Para ver outra enchente como a que vimos em 1940 ou 1916, precisaríamos de muito, muito mais chuva.”

Por enquanto, as pessoas nesta comunidade se sentem preparadas para as enchentes. Mas o furacão Helene mostrou que elas não podem se acomodar.

“Quando vemos algo se aproximando, é uma preocupação”, disse Brent Cornelison, administrador municipal de Elkin. “E depois de Helene, será uma preocupação muito maior.”

By Daniel Wege

Consultor HAZOP Especializado em IA | 20+ Anos Transformando Riscos em Resultados | Experiência Global: PETROBRAS, SAIPEM e WALMART

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