O que muda com a nova classificação
Até então, a avaliação da IARC sobre a atrazina datava de 1998, quando a substância era considerada segura por falta de evidências científicas contrárias. Agora, o cenário mudou. Segundo o Volume 140 das Monografias da IARC, a nova classificação no grupo 2A (“provavelmente carcinogênico”) baseia-se em três pilares:
- Evidências limitadas de câncer em humanos (associações positivas para linfoma não Hodgkin);
- Evidências suficientes de câncer em animais de laboratório;
- Fortes evidências sobre os mecanismos de atuação da substância em sistemas experimentais.
Contaminação “invisível” nas águas de SP
A cientista brasileira Cassiana Montagner, coordenadora do Laboratório de Química Ambiental da Unicamp, é uma das autoras do artigo publicado na revista The Lancet Oncology que detalha essas conclusões. No Brasil, ela lidera o projeto “Plast-Agrotox”, financiado pela Fapesp, que monitora o destino desses compostos na natureza.
Os dados locais são preocupantes. O doutorando Luís Felipe Lobo, orientado por Montagner, analisou a água da sub-bacia do rio Atibaia — responsável pelo abastecimento da região de Campinas e parte do Sistema Cantareira (que atende a Grande São Paulo).
Em resultados preliminares obtidos ao longo de 2025, o pesquisador encontrou atrazina em 100% dos pontos de coleta. Embora as concentrações estejam dentro dos limites que a legislação brasileira atual considera “seguros”, a nova classificação da OMS coloca essa segurança em xeque.
“Não há concentrações seguras quando se trata de câncer. A ‘política’ adotada nesses casos é quase como a da legislação sobre consumo de bebidas alcoólicas: uma única gota já se torna intolerável”, avalia Cassiana Montagner.
O desafio do tratamento da água
Outro ponto crítico levantado pelos pesquisadores é a ineficiência dos sistemas tradicionais de limpeza da água para remover esses químicos. A estudante Isabela Bedani, que também integra o grupo da Unicamp, alerta que as redes de saneamento básico atuais não eliminam a atrazina.
Pior: o processo de tratamento pode gerar “subprodutos” — compostos derivados da degradação do agrotóxico — que muitas vezes são mais tóxicos que a substância original.
O efeito “coquetel” com microplásticos
A pesquisa também investiga como a atrazina interage com outros poluentes modernos, como os microplásticos. A pós-doutoranda Mariana Dias estuda a capacidade de materiais como a poliamida (usada em roupas esportivas) e o polietileno (embalagens) de “sorver” o agrotóxico.
O termo “sorver”, na química, significa que o plástico carrega a molécula do veneno em sua superfície. Estudos preliminares mostram que a poliamida tem alta capacidade de reter a atrazina, transportando-a para locais onde originalmente ela não existiria e criando um “coquetel” químico de consequências ainda desconhecidas para o meio ambiente e para a saúde humana.
Para Montagner, a atrazina é um poluente onipresente. “É uma contaminação invisível que precisa ser priorizada com urgência, especialmente diante da nova reclassificação feita pela OMS”, conclui a pesquisadora.
