O conflito entre Israel e o Hezbollah agravou os riscos ambientais no Líbano e pôs em causa a segurança alimentar e a saúde pública.

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Ali Al-Sha’ar, um agricultor do sul de al-Hebbariyah, no Líbano, recusou-se a abandonar as suas terras, mesmo quando os vizinhos fugiram e os ataques aéreos abalaram o solo à sua volta.

Durante quase 14 meses, lavrou os seus campos sob a sombra da guerra, em que o estrondo distante das explosões era uma lembrança constante do perigo.

Agora, com um frágil cessar-fogo em vigor, a ameaça imediata desapareceu. Mas as suas colheitas, outrora prósperas, estão queimadas e murchas sob uma camada de poeira e detritos.

Durante o ano passado, a guerra no Líbano foi travada entre Israel e o Hezbollah, apoiado pelo Irão, devido ao apoio deste último ao Hamas, após o seu ataque brutal em 7 de outubro de 2023. Um cessar-fogo entrou em vigor no final de novembro, na sequência de um bombardeamento israelita implacável do sul do Líbano e de Beirute.

O conflito agravou a crise ambiental do Líbano, que originou devido a anos de corrupção e má governação, provocando receios quanto à capacidade do país satisfazer as necessidades alimentares locais, de acordo com a agência noticiosa nacional.

Conflito destruiu a agricultura

Enquanto as Forças de Defesa Israelitas (FDI) lançavam milhares de toneladas de munições no Sul do Líbano – incluindo fósforo branco, proibido internacionalmente- o setor agrícola, que representa cerca de 80% do PIB local, ficou devastado.

Mais de 37 aldeias, quintas e pomares foram destruídos durante a violência.

“A época da colheita da azeitona coincidiu com a escalada do conflito, que impediu muitas pessoas chegarem aos seus pomares”, afirma Hussein Ismail, antigo presidente da Associação dos Proprietários de Lagares de Azeite do Sul.

Segundo Ismail, cuja associação calcula que 80% das perdas ocorreram em todas as regiões, os pomares foram queimados devido a bombas de fósforo e incendiárias.

“Estas árvores precisarão de vários anos para recuperar”, acrescenta Ismail. “A maioria das árvores foi destruída ou queimada nas aldeias ao longo da linha da frente, enquanto outras perderam os frutos prematuramente, deixando as azeitonas estragarem-se”.

Em zonas como Maimes, no distrito de Hasbaya, onde 90% das terras são dedicadas à azeitona, os agricultores fizeram a colheita mais cedo devido ao receio de uma escalada de violência, apesar de terem sido poupados aos bombardeamentos diretos.

De acordo com Wahib Madi, diretor da Cooperativa de Desenvolvimento Agrícola de Maimes, a colheita abruta provocou uma redução de 20% na produção de azeite.

Em toda a região, o impacto vai para além da produção de azeitona. Os agricultores ao longo do rio Hasbani cultivaram apenas cerca de 20% das suas terras, o que resultou em mais perdas nas culturas hortícolas e frutícolas.

Para agricultores como al-Sha’ar, os desafios têm sido implacáveis.

“Devido à ameaça, só trabalhámos algumas horas na maioria dos dias”, afirma. “Numa parcela em Shebaa, eu e o meu amigo plantámos couve-flor e repolho, mas os ataques aéreos destruíram toda a colheita. Perdi pelo menos 10 mil dólares [9 mil e quinhentos euros].”

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As suas plantações de maçãs e cerejas no Monte Sadaana tiveram um destino semelhante, uma vez que os ataques aéreos tornaram a colheita impossível.

As florestas do Líbano ameaçadas

O impacto ambiental do conflito não se limita apenas à agricultura, mas estende-se às florestas e à saúde pública, o que chama a atenção dos especialistas.

De acordo com George Metri, diretor do Programa de Terras e Recursos Naturais da Universidade de Balamand, os incêndios provocados pela guerra devastaram milhares de hectares de vegetação.

“O nosso levantamento inicial para 2024 mostra 5.745 hectares queimados, incluindo 2.165 hectares de florestas e 908 hectares de terras agrícolas”, afirma.

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Hala Kallani, presidente da organização ambiental IndyACT, descreve a devastação como “imediata e a longo prazo”.

“Foram queimados mais de cinco milhões de metros quadrados de terras florestais, que albergam uma biodiversidade única. Estes ecossistemas são vitais para a atenuar as alterações climáticas e para a manutenção da vida ao longo das gerações”, afirma Kallani.

Os danos nas infraestruturas e a poluição ambiental estão a agravar a situação, de acordo com Jalal Helwani, diretor do Laboratório de Ciências Ambientais e da Água da Universidade Libanesa. Helwani observa que a crise da água no Líbano, que já era um problema premente em tempo de paz, que foi “agravada” pela guerra em curso.

Abastecimento de água do Líbano está à beira do colapso

“O Líbano não tem um excedente de água”, explica Helwani. “Embora recebamos uma precipitação significativa, a má gestão dos recursos hídricos tem prejudicado a nossa capacidade de tirar o máximo partido dessa precipitação”.

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Os problemas hídricos do país são causados por décadas de infraestruturas de armazenamento deficientes, que resultaram no esgotamento das águas subterrâneas, especialmente nas zonas costeiras. “Nestas regiões, a bombagem de água para satisfazer as necessidades da população em crescimento aumentou os níveis de salinidade”, afirma Helwani.

A guerra sobrecarregou ainda mais estes recursos ao destruir infraestruturas hídricas essenciais, incluindo redes e reservatórios. Os produtos químicos tóxicos provenientes de armas proibidas, como o fósforo e o chumbo, poluíram o ambiente, uma vez que as chuvas transportam poluentes para águas subterrâneas.

“A poluição ambiental no Líbano é multifacetada, mas a poluição da água é a mais perigosa. Coloca desafios significativos no que diz respeito à segurança da água potável, à reabilitação das redes e à recuperação das infraestruturas, o que seria dispendioso e moroso”, acrescenta Helwani.

Helwani adverte para a iminência de uma crise social quando as populações deslocadas regressarem a zonas com infraestruturas destruídas e água contaminada.

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Beirute envolta em nevoeiro

Najat Aoun Saliba, deputada e especialista em química atmosférica, está a liderar os esforços para compreender o impacto dos poluentes relacionados com a guerra na saúde pública.

“Estamos atualmente a realizar um estudo na Universidade Americana de Beirute que se centra nos poluentes gerados pelos geradores a diesel e nos produtos químicos contidos nas munições utilizadas durante o conflito”, afirma, referindo que os geradores, frequentemente utilizados devido à falta de eletricidade, produzem emissões tóxicas.

Combinadas com os detritos dos ataques aéreos e outras atividades relacionadas com a guerra, estas emissões criaram um nevoeiro negro persistente sobre a capital.

“É um cocktail de partículas minúsculas nocivas, como dioxinas, hidrocarbonetos policíclicos e formaldeído”, diz Saliba, referindo que o nevoeiro contém partículas tóxicas, metais pesados, subprodutos de combustível de foguetões e emissões provenientes da queima de plásticos e outros materiais.

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Fazendo eco das preocupações de Saliba, Kilani observa que as guerras também geram gases com efeito de estufa significativos que raramente são contabilizados, criticando o ponto cego global relativamente às emissões militares.

De acordo com Saliba, a exposição prolongada a estes poluentes, durante mais de cinquenta dias consecutivos nalgumas zonas, apresenta riscos graves para a saúde. Aconselhou os residentes a tomarem precauções, tirando a roupa ao entrar em casa, tomando banho e limpando os espaços comun com água e sabão.

O Ministério do Ambiente do Líbano iniciou a recolha de amostras de solo para avaliar a poluição causada pelas bombas de fósforo e outras munições, de acordo com Mohammad Al-Abyad, conselheiro do ministro.

Embora as chuvas de inverno possam diminuir a poluição atmosférica, o sistema de monitorização da qualidade do ar do país necessita de ser reativado, um objetivo que o Ministério está a tentar alcançar com o Banco Mundial e o PNUD.

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“A destruição causada no ano passado levará décadas a sarar”, diz Kilani. “Os ecossistemas foram perturbados, as florestas dizimadas e o solo e a água contaminados. A recuperação exigirá esforços coordenados e a longo prazo para restaurar a biodiversidade, reabilitar as terras agrícolas e combater a poluição – desafios agravados pelas crises económicas e infraestruturas existentes no Líbano”.

Este artigo foi publicado em colaboração com o Egab.

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By Daniel Wege

Consultor HAZOP Especializado em IA | 20+ Anos Transformando Riscos em Resultados | Experiência Global: PETROBRAS, SAIPEM e WALMART

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