Ó setor corporativo continua sendo um dos principais pilares da filantropia brasileira. Segundo o Censo GIFE 2022-2023as empresas responderam por 46% do total de recursos destinados ao Investimento Social Privado (ISP). No entanto, a participação deles como entrevistados no próprio Censo caiu 25% entre 2014 e 2022.
Não Dia Nacional da Filantropiao GIFE conversou com Camila Valverde, diretora-executiva da Fundação ArcelorMittalsobre os desafios e caminhos para fortalecer a atuação do setor privado nesse campo.
Considerando os números do Censo GIFE, como você enxerga a integração e participação das empresas no ecossistema da filantropia?
A leitura do Censo é multifacetada. Por um lado, os dados reforçam a relevância central do setor corporativo para a filantropia brasileira. O percentual de 46% ainda é bastante significativo e demonstra que o recurso empresarial é a espinha dorsal de muitas iniciativas sociais no país. Em contrapartida, a queda de 25% na participação das empresas ao longo dos últimos anos é bastante expressiva. Ela pode revelar que a gestão dos temas sociais e ambientais dentro das próprias companhias, das quais a filantropia faz parte, tem se alterado com a intensificação de abordagens demandantes como ESG (Ambiental, Social e Governança)integração de temas sociais e ambientais e direitos humanos. Isso não significa que as empresas estejam investindo menos no social. Pelo contrário: os dados do Censo indicam que os associados do GIFE mobilizaram quase R$ 4,8 bilhões em 2022, e os institutos/fundações empresariais representaram 50% entre os entrevistados. Ainda assim, é um cenário de alerta, apontando desafios à filantropia dentro do ecossistema empresarial.
A pandemia de Covid 19 levou a um salto no volume de recursos investidos pelas empresas – de R$ 985 milhões para R$ 2,3 bilhões –, mostrando que existe capacidade de mobilização e volume financeiro quando há urgência social. Passado esse momento, o Censo mais recente mostra que os números voltaram ao patamar anterior. Como garantir que o investimento social corporativo não dependa de crises para ganhar força, consolidando a cultura de uma filantropia contínua?
A consolidação de uma cultura de filantropia passa por diversos pontos estratégicos. O primeiro deles é comunicar internamente com frequência e narrativa envolvente qual o impacto positivo gerado. Outro aspecto fundamental é inserir a filantropia no repertório e na narrativa das lideranças – Tom no topoisto é, o engajamento dos diretores. Também é preciso “institucionalizar” a filantropia, tirando-a da esfera do senso comum da doação pontual e colocando-a firmemente dentro da estratégia de negócios e da governança ESG. Isso significa estabelecer um orçamento previsível de longo prazo e alinhar o investimento social à gestão de riscos e oportunidades de negócio. Ao se tornar um pilar estrutural do ‘S’ do ESG, o investimento ganha perenidade e relevância, contribuindo de forma consistente para o desenvolvimento da sociedade, mas também fortalecendo o valor da marca na sociedade e a atração de talentos, que busca cada vez mais intencionalmente no trabalho.
Para você, ainda é difícil para o público, e até para quem atua no campo social, saber quanto e como as empresas estão investindo socialmente? Como você avalia a forma como as empresas comunicam seus investimentos sociais?
Penso que este tema tem evoluído ao longo dos anos, em termos de narrativa e propósito. Porém, a sociedade exige mais do que boas histórias: demanda transparência rigorosa, com dados rastreáveis e auditados, e a mensuração de impacto social realisto é, vai além do relato de atividades para comprovar a transformação social. Ter precisão no dado referente a quanto e como as empresas investem, passa também por questões de governança interna e um olhar atento e constantemente atualizado sobre o tema do ISP em todas as áreas de negócio.
As empresas têm capacidade de mobilizar recursos e influenciar numa escala que poucos atores conseguem. De que maneira aqueles que já praticam o investimento social podem inspirar ou convocar seus pares a também assumir essa responsabilidade?
Dar visibilidade, comunicar e divulgar são verbos essenciais para o engajamento de outros atores. Estar disposto à colaboração entre pares e mobilizar a própria cadeia de valor é fundamental. Essa inspiração deve ser pragmática: as empresas líderes devem atuar como “curadoras de confiança”, desmistificando o processo de investimento social e compartilhando seus modelos de governança e mensuração de impacto. Ao demonstrar que a filantropia estratégica fortalece a agenda ESG e traz benefícios tangíveis para o bem-estar e desenvolvimento social, como empresas que já praticam inspiram todo o seu ecossistema de stakeholders.
