Geraldo Magela, pós-graduado em Filosofia e Sociologia, atuou como auxiliar nas obras de infraestrutura e depois na parte administrativa de uma empresa prestadora de serviços para a Samarco — responsável pela recuperação após o rompimento da barragem de Mariana.

Passados dez anos da tragédia, ele analisa o que chama de “aprendizado inexistente” do País diante do maior desastre socioambiental da sua história.

“Os impactos ainda são visíveis, sobretudo nos municípios de Baixo Guandu, Aimorés, Colatina e Linhares”, afirma. Ele explica que as marcas deixadas pela lama não se limitam ao meio ambiente. “Os prejuízos foram sociais, psicológicos e econômicos.”






Foto: Reprodução/ Acervo pessoal

Geraldo Magela é um homem branco de cabelos curtos pretos


A agricultura e a pecuária, que dependiam da irrigação do rio Doce, foram gravemente prejudicadas. Para o sociólogo, o que mais se sente hoje é a desconfiança — as pessoas não sabem se o rio realmente está sendo recuperado, nem quando terão uma resposta definitiva.

“A tragédia desestruturou o modo de vida de milhares de pessoas. Mesmo com as indenizações, as comunidades continuam sem um projeto de sequência de vida. Um pescador, por exemplo, não pode simplesmente voltar ao rio e recomeçar”, comenta. 

Para Geraldo, falta um plano que garanta a retomada das atividades tradicionais. O que existe é uma dependência das indenizações e um custo de vida muito maior do que antes. Até o preço dos produtos básicos subiu.

Segundo ele, os esforços de restauração ambiental, embora amplos, também enfrentam entraves. Há projetos de reflorestamento e recuperação das nascentes do rio Doce em Minas Gerais, mas a execução é falha. As empresas responsáveis são inexperientes e tecnicamente frágeis, comprometendo os resultados.

“O reflorestamento não alcança nem 80% de sucesso”, aponta, e há dúvidas sobre como as ações estão sendo realizadas e fiscalizadas. Os resultados visíveis, observa Geraldo, ainda são poucos — “o que se vê a olho nu é muito limitado”.

Geraldo acredita que o Brasil não avançou em nada essencial desde 2015. “A tragédia de Mariana deveria ter servido como um divisor de águas. No entanto, a fiscalização das barragens continua falha, a legislação pouco mudou e não houve investimento real em educação ambiental.”



Área afetada pelo rompimento de barragem no distrito de Bento Rodrigues, zona rural de Mariana, em Minas Gerais(Foto:  Antonio Cruz/Agência Brasil)


Foto: Antonio Cruz/Agência Brasil

Área afetada pelo rompimento de barragem no distrito de Bento Rodrigues, zona rural de Mariana, em Minas Gerais



O maior problema, segundo o sociólogo, é a ausência de fiscalização e de estrutura. Falta monitoramento das barragens e segurança para as comunidades que vivem próximas. Minas Gerais convive com alertas constantes de risco, o que mostra que o modelo continua o mesmo.

As barragens antigas não seguem padrões técnicos atuais, e o que se faz, na prática, é “torcer para que não rompam novamente”.




Fábio Sobral é um homem branco de cabelos escuros e curtos(Foto: Reprodução/ Acervo pessoal)


Foto: Reprodução/ Acervo pessoal

Fábio Sobral é um homem branco de cabelos escuros e curtos


Geraldo também lamenta o abandono das comunidades atingidas. Quem está no baixo rio Doce teve um tipo de impacto; quem vive na foz, em Regência, sofreu outro. Reparar esses lugares é muito difícil. “O que mais se vê hoje são oportunistas e políticos tentando lucrar com a dor alheia. Falta ação concreta, algo que realmente marque a história como reparação”, opina.

Ele conclui com um misto de resignação e crítica: as pessoas continuam sem confiança. Não há um marco de mudança, nem ambiental, nem social. Mariana foi uma tragédia anunciada — e outras, teme ele, ainda podem acontecer.

Fabio Sobral, professor da Universidade Federal do Ceará (UFC) nos cursos de Economia e no Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento e Meio Ambiente (Prodema-UFC) também destaca a degradação do rio Doce: “Levará muitos anos para ser superada.”

Conforme o professor, o principal impacto no rio Doce é a impermeabilização do solo. A destruição da fauna também foi muito grave, e será necessário esperar muitos anos até que o ecossistema seja recomposto. 

“Existem iniciativas de recuperação ambiental em andamento, mas elas são insuficientes diante da dimensão do desastre. Além disso, a morte das pessoas deixou marcas irreparáveis nas famílias, e não há como restaurar as vidas perdidas nem os laços rompidos”, comenta. 

Para Fábio, o principal e mais imediato aprendizado para o Brasil foi a necessidade de observar com mais atenção as barragens de rejeitos de grandes companhias mineradoras.






No entanto, não se sabe se essa vigilância será permanente. O professor alerta que ela pode ser somente temporária, diminuindo à medida que o tema sai do foco público. “No País, é preocupante perceber o quanto se aprende com uma tragédia e o quanto esse aprendizado é facilmente esquecido.”

Falta ainda punição efetiva às empresas envolvidas. As mineradoras, em sua avaliação, têm saído praticamente ilesas de desastres e crimes ambientais. As penalidades são pequenas e, em muitos casos, tornam-se até mais lucrativas.



Socorristas usam tapumes para dar estabilidade ao terreno e se arrastam no meio do lamaçal de rejeitos em Brumadinho (MG)(Foto: Mauro Pimentel/AFP)


Foto: Mauro Pimentel/AFP

Socorristas usam tapumes para dar estabilidade ao terreno e se arrastam no meio do lamaçal de rejeitos em Brumadinho (MG)



“Obtém-se um lucro enorme com o crime e paga-se uma taxa mínima de punição, o que, na prática, funciona como um estímulo para continuar e ampliar as violações”, analisa.

Os órgãos ambientais, por sua vez, atuam isoladamente — estado a estado, município a município —, sem uma regulação nacional unificada e efetiva. Para o professor, o principal passo que o Brasil precisa dar é tornar esse sistema suficiente, integrado e capaz de prevenir, e não apenas reagir, tragédias como a de Mariana. 




Flávia Yoshie Yamamoto tem ascendência asiática, cabelos longos, escuros e lisos(Foto: Reprodução/ Acervo pessoal)


Foto: Reprodução/ Acervo pessoal

Flávia Yoshie Yamamoto tem ascendência asiática, cabelos longos, escuros e lisos


“De modo geral, verifica-se que os efeitos da exposição (contato) a estes contaminantes são crônicos, ou seja, serão percebidos mais a longo prazo, tanto para humanos, como para outros organismos locais”, explica Flávia Yoshie Yamamoto, professora do Programa de Pós-Graduação em Ciências Marinhas Tropicais (PPGCMT) do Instituto de Ciências do Mar (Labomar-UFC). “Até 2019, o nosso estudo demonstrou que o consumo dos peixes não era seguro.” 

Em 2019, ao realizar uma palestra para a comunidade de rio Doce, a pesquisadora percebeu que o medo ainda predominava. “As pessoas não se sentem seguras e têm muitas dúvidas sobre os riscos e sobre as informações que chegam até elas.”

Para ela, o País ainda avança lentamente na restauração ambiental e na prevenção de novos desastres. “Falta uma legislação e uma fiscalização mais rigorosa das empresas responsáveis, com prioridade em práticas sustentáveis e no bem-estar dos trabalhadores.”

Ela acredita que a cooperação entre indústrias e universidades poderia ser um caminho para mitigar riscos e aprimorar o intercâmbio de conhecimento. A mesma lógica, diz, vale para outros desastres, como os derramamentos de óleo.

“Os impactos também são crônicos, mas a população não tem percepção sobre eles. O óleo pode se associar ao sedimento marinho ou ser absorvido por ostras e moluscos, que acumulam esses contaminantes”, alerta.

Poucos estudos, no entanto, investigam os níveis seguros de consumo desses organismos. O grupo de pesquisa do qual faz parte está conduzindo um estudo em seis estados do Nordeste para identificar a influência dos contaminantes em espécies de peixes e possíveis efeitos carcinogênicos.



Em 2019, durante vazamento de petróleo no litoral nordestino, Everton Miguel dos Anjos, de 13 anos, ajudou na retirada dos resíduos(Foto: Leo Malafaia / AFP)


Foto: Leo Malafaia / AFP

Em 2019, durante vazamento de petróleo no litoral nordestino, Everton Miguel dos Anjos, de 13 anos, ajudou na retirada dos resíduos



A pesquisadora complementa com uma comparação entre o caso do óleo ao de Mariana: “Em ambos, há múltiplas fontes de contaminação, o que dificulta a interpretação dos efeitos e a adoção de medidas eficazes.”

Para Flávia, a saída passa pela educação ambiental, tanto para a população exposta quanto para empresas e governos. “Se todos entendessem os riscos e custos envolvidos, seria possível otimizar recursos e reduzir os impactos”, finaliza. 

Adriana Pereira do Nascimento, doutora em Ciências Marinhas Tropicais, reforça que ainda há resíduos de óleo em áreas costeiras e em animais marinhos, o que mostra que a contaminação continua e o processo de limpeza é lento.




Adriana Pereira do Nascimento é uma mulher negra de cabelo cacheado médio e preto(Foto: Reprodução/ Acervo pessoal)


Foto: Reprodução/ Acervo pessoal

Adriana Pereira do Nascimento é uma mulher negra de cabelo cacheado médio e preto


Na prática, isso significa perda de biodiversidade, mudança no equilíbrio dos ecossistemas e danos a ambientes sensíveis, como recifes de corais, manguezais e praias.

“Do ponto de vista socioeconômico, ainda se verificam prejuízos às atividades pesqueiras e turísticas, além da vulnerabilidade agravada de comunidades tradicionais que dependem diretamente dos recursos marinhos”, completa. 

Para a especialista, existem lacunas significativas na legislação e na educação ambiental voltadas para emergências costeiras e marítimas. “O País carece de um sistema nacional permanente de prevenção e resposta a derramamentos de óleo, com recursos contínuos, planos atualizados e responsabilidades claramente definidas.”

Falta também transparência e integração entre os órgãos fiscalizadores e o setor privado, sobretudo no que se refere ao transporte marítimo de petróleo e derivados.

No campo educacional, ela inclui, é essencial fortalecer a educação ambiental nas escolas e nas comunidades costeiras, promovendo consciência sobre os riscos da poluição marinha e incentivando práticas sustentáveis de uso dos recursos oceânicos.







By Daniel Wege

Consultor HAZOP Especializado em IA | 20+ Anos Transformando Riscos em Resultados | Experiência Global: PETROBRAS, SAIPEM e WALMART

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