A desastre ambiental de Barcarena refere-se ao conjunto de crises socioambientais na cidade, oriundas de transformações profundas em decorrência das ações humanas que transformaram o município em um ponto notável para as indústrias de exportação e mineração.

O processo de industrialização deu origem a aspectos positivos como o aumento do PIB paraense bem como a geração de empregos, contudo, moradores de comunidades mais vulneráveis relatam que as mesmas atividades que desenvolvem a economia estão colocando a natureza e suas vidas em risco. Entenda mais sobre o assunto neste texto da Politize!.

Este conteúdo integra a trilha do Projeto Amazônia Urbana, uma iniciativa que busca aprofundar o entendimento sobre os desafios e transformações ambientais das cidades na região amazônica.

O projeto é realizado pela Politize!, em parceria com o Pulitzer Center.

O que é o desastre ambiental de Barcarena? 

Barcarena (PA), cidade localizada dentro da Amazônia Legal e que se destaca devido ao seu potencial econômico, tornou-se palco de repetidos casos de vazamentos de substâncias tóxicas ocasionados por atividades de exploração e processamento de minérios, contaminando tanto o ecossistema quanto os moradores da região.

Desde o início dos anos 2000 o município registra desastres ambientais relacionados ao seu complexo industrial. Em 2003, Barcarena registrou 3 desastres em 3 meses consecutivos (abril, maio e junho), todos relacionados ao vazamento de “lama vermelha”, nome genérico dado aos rejeitos fabricados no processo de refinamento da bauxita em alumina, atingindo o Rio Murucupi

Já em 2009, uma bacia de contenção de lama vermelha transbordou, colocando mais uma vez em risco a saúde dos ecossistemas aquáticos e das populações ribeirinhas que dependem do Rio Murucupi.  

Porém, foi em fevereiro de 2018, que o episódio mais conhecido aconteceu. Os moradores de Barcarena denunciaram que o município estava sofrendo com o vazamento de dejetos acumulados de uma mineradora

Na época do ocorrido, a região estava sendo impactada por chuvas intensas, levando a uma inundação de água avermelhada na região em um evento que futuramente geraria repercussão internacional.

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Moradores, ativistas e líderes comunitários alegaram que a cor da água servia como prova de que o município estava sendo contaminado pelos rejeitos, enquanto que a mineradora se defendeu com um pronunciamento justificando que a cor da água estava avermelhada devido às próprias características do solo da área. 

Porém, por meio de uma análise laboratorial do Instituto Evandro Chagas (IEC), foi comprovada a alteração no solo e nos corpos hídricos na região afetada em decorrência de metais tóxicos, como chumbo, arsênio, urânio e mercúrio, validando as denúncias feitas pelos habitantes. 

Imagem: G1

Quem mora perto do polo industrial afirma que o contato com essas substâncias tóxicas não acontece pontualmente, mas de forma constante. Desse modo, a condição em que o município se encontra pode ser descrita como um verdadeiro desastre ambiental. 

O que levou ao desastre ambiental de Barcarena?

Durante a ditadura militar, o governo brasileiro destacou o município de Barcarena como polo para atividades de mineração com a criação da Companhia de Desenvolvimento de Barcarena (Codebar). 

Assim, no ano de 1979, a cidade foi reestruturada para integrar o complexo metalúrgico, expulsando quilombolas que já habitavam o território. 

A implantação de complexos industriais na região veio acompanhada com perspectivas de modernização e urbanização, mas principalmente, com o objetivo de desenvolver a economia por meio de grandes projetos relacionados à exploração da riqueza mineral, resultando em consequências positivas como a geração de empregos e aumento do PIB do Pará, porém, também ocasionou efeitos como a desterritorialização de comunidades tradicionais

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Barcarena foi escolhida para esse processo de industrialização por possuir uma posição geográfica estratégica devido a sua capacidade de comportar o trânsito de embarcações de grande porte (inclusive, o nome da cidade é uma junção das palavras “Barca” e “Arena”) assim como uma abundância de matérias-primas para a produção de alumínio, em especial, a bauxita. 

Antes da implementação desses grandes projetos, a base econômica era composta majoritariamente da agricultura familiar, da pesca, da confecção de peças artesanais e do turismo, mas o município também vivia um período de declínio econômico

Impacto social do desastre ambiental em Barcarena

Na época em que o desastre de 2018 estava sendo mais amplamente noticiada, um dos representantes do Conselho Estadual do Meio Ambiente pontuou que o órgão já havia recebido diversas denúncias da população quanto à contaminação por lama vermelha. 

Somado a isso, um estudo realizado pela Universidade Federal do Pará antes do episódio constatou que havia presença de 21 tipos de metais pesados no organismo de pessoas que moravam perto do Polo Industrial de Barcarena.

Em uma publicação feita pela Organização Mundial da Saúde (OMS) o mercúrio, o arsênico e o chumbo aparecem aparecem na lista de 10 produtos químicos de maior preocupação para a saúde pública

Mesmo em concentrações baixas, a presença desses metais pesados no corpo podem causar problemas, como diarreia, náusea, coceiras, dores de cabeça e, nos casos mais graves, doenças crônicas, além de outros efeitos negativos que podem ser sentidos por intoxicação desses metais pesados.

A contaminação do solo e da água também é especialmente preocupante para a região, visto que ela é historicamente ocupada por comunidades ribeirinhas, indígenas e quilombolas, cujos modos de vida dependem bastante da natureza. 

Desse modo, uma crise como a de Barcarena não coloca somente a saúde dessas populações em risco, mas também as próprias condições para a sua subsistência, que depende de atividades como a pesca. Fora isso, moradores relataram que o setor de turismo foi impactado, pois as pessoas não desejam mais visitar as praias, bem como se recusam a consumir água e alimentos de Barcarena. 

Nas Filipinas, ocorre uma situação similar. Comunidades tradicionais temem pela degradação do ecossistema devido à proliferação de rejeitos de um grupo de mineração. 

Pesquisadores coletaram amostras da água de um rio tanto em períodos mais secos quanto em períodos de chuva, sendo que os resultados desse estudo apontaram que níveis perigosos de metais pesados eram sempre encontrados nas amostras relacionadas ao período chuvoso, indicando que a chuva pode ser um fator que facilita os dejetos das fábricas a serem dissolvidos e propagados para o meio aquático

A questão torna-se ainda mais delicada considerando a própria situação de precariedade sanitária, segundo dados do IBGE, somente 14,28% dos domicílios apresentaram esgotamento sanitário adequado em 2019. 

Essa baixa porcentagem pode ser associada à maneira desordenada pela qual Barcarena foi urbanizada.

Reação pública e a mobilização social

Devido à gravidade do desastre ambiental de 2018, diversas autoridades e órgãos públicos buscaram tomar providências e investigar o caso. 

Cerca de dois dias após o alagamento, a Câmara dos Deputados criou uma comissão externa para avaliar o problema com apoio do Ministério do Meio Ambiente. 

Em adição, o Conselho Estadual do Meio Ambiente (Coema) pediu para a OAB-PA realizar uma audiência pública emergencial bem como uma ação judicial, também de caráter emergencial, para suspender temporariamente a licença de operação da fábrica pertencente à empresa privada. 

Em um esforço para minimizar os estragos causados pela crise ambiental, os Ministérios Públicos do Estado e Federal emitiram um documento direcionado a entidades públicas e privadas envolvidas no caso, determinando o fornecimento de água potável para a população atingida, sob a premissa de que caso essa e outras recomendações não fossem acatadas, os envolvidos poderiam enfrentar consequências nas esferas cível e criminal.

Consequências legais e ambientais

Após a repercussão do caso, registros fotográficos relacionados a possíveis pontos de vazamento de rejeitos foram divulgados. 

Fiscais do Ministério Público do Estado do Pará (MPPA) e da Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Sustentabilidade (Semas) realizaram uma inspeção na refinaria da empresa acusada de contaminação e encontraram três pontos de despejo irregular, inclusive, de uma tubulação que descartava os rejeitos em área florestal bem como um canal clandestino ligado ao rio Pará. 

Apesar disso, a mineradora encomendou que a consultoria ambiental SGW Service fizesse uma análise crítica dos laudos emitidos pelo IEC e realizasse um estudo para confirmar a existência de contaminação no solo e nos corpos hídricos da região, sendo que os resultados desse estudo foram de que não havia indícios de impacto ambiental significativo para Barcarena. 

A empresa também emitiu uma nota afirmando que suas operações seguem a legislação ambiental. O IEC rebateu as críticas feitas pela consultoria ambiental SGW Services, descrevendo-as como uma tentativa de desqualificar a ciência brasileira

Cinco ações mobilizadas por lideranças comunitárias foram protocoladas e a Justiça Federal chegou a homologar um acordo entre a mineradora e o Ministério Público Federal, no qual a empresa ficaria responsável por expandir estações de tratamento de rejeitos, criar um plano de contingência para caso haja novos vazamentos, fornecer uma alternativa viável de acesso à água própria para consumo e distribuir tickets de alimentação para os indivíduos impactados pelo acontecimento. 

Em adição, o Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e os Recursos Naturais Renováveis (Ibama) também aplicou uma multa de 20 milhões de reais.  

Contudo, insatisfeitas com o acordo firmado pelo sistema jurídico brasileiro, mais de 11 mil pessoas recorreram a uma ação pública e coletiva em âmbito internacional para receber compensações pelos prejuízos sofridos

Ismael Moraes, advogado que representou a Associação dos Caboclos, Indígenas e Quilombolas da Amazônia (Cainquiama), pontuou que essa foi a primeira ação motivada por danos socioambientais na Amazônia a ser apresentada perante uma corte europeia.

Prevenção de futuros desastres ambientais 

O desastre ambiental de Barcarena pode ser considerado um exemplo histórico de como atividades extrativistas em larga escala podem apresentar riscos à saúde humana e ambiental, principalmente quando há o envolvimento de metais pesados. 

Outras pautas de reflexão são acerca da responsabilidade, tanto das grandes empresas, quanto dos próprios órgãos públicos para zelar pelo bem-estar da sociedade, em especial, das comunidades mais vulneráveis. 

Na crise ocorrida em 2018, podemos observar também a importância de líderes comunitários bem como da cidadania ativa. A análise dos registros históricos sobre esses acidentes pode nos levar a pensar sobre medidas preventivas, por exemplo: um bom planejamento urbano, e planos de contingência para futuros desastres. 

Você já conhecia esse episódio de desastre ambiental em Barcarena? O que você acha que deve ser feito para evitar mais episódios como esse? Se ficou alguma dúvida, deixe nos comentários!

Se você gostou do conteúdo, conheça o Projeto Amazônia Urbana, uma iniciativa da Politize! em parceria com o Pulitzer Center. O projeto busca ampliar o olhar sobre os desafios das cidades amazônicas, promovendo conteúdos acessíveis e didáticos sobre urbanização, justiça climática e participação cidadã na região. Acompanhe essa jornada!

Referências

By Daniel Wege

Consultor HAZOP Especializado em IA | 20+ Anos Transformando Riscos em Resultados | Experiência Global: PETROBRAS, SAIPEM e WALMART

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