A decisão da Justiça Federal de Minas Gerais de transferir os empresários Alan Cavalcante do Nascimento e Helder Adriano de Freitas e o ex-deputado estadual João Alberto Paixão Lages para o Sistema Penitenciário Federal de Segurança Máxima foi tomada a partir do entendimento de que eles representam “risco concreto às instituições judiciárias e à segurança pública”. Os três foram presos na última quarta-feira (17) durante a deflagração da Operação Rejeito, da Polícia Federal (PF).
A decisão, tomada em caráter de urgência por prazo inicial de um ano no último sábado (20), fundamenta-se em evidências de intimidação de magistrados, corrupção sistemática de órgãos públicos e capacidade financeira para pressionar autoridades.
O Fator teve acesso à decisão, feita pelo colegiado da 3ª Vara Criminal de Belo Horizonte.
O principal fundamento da decisão judicial foi a intimidação velada de uma magistrada responsável por decisões no âmbito da investigação. Alan Cavalcante adquiriu um apartamento no mesmo edifício onde reside a juíza e se mudou para o local, configurando estratégia de proximidade maliciosa típica de organizações criminosas que buscam neutralizar a jurisdição penal por meio de pressão psicológica.
A conduta foi caracterizada pela Justiça como forma de intimidação que coloca em risco a independência do Poder Judiciário e a integridade de membros da magistratura. O documento judicial considera o ato como evidência da sofisticação da organização criminosa e de sua capacidade de interferir no processo judicial através de métodos de coação indireta.
As investigações revelaram também que João Alberto Paixão Lages mantinha planilha detalhada com informações de autoridades públicas, incluindo juízes, promotores, procuradores da República e membros de entidades da sociedade civil. O documento continha dados de identificação, função exercida e observações específicas sobre cada autoridade monitorada.
O sistema de monitoramento foi interpretado pela Justiça como instrumento de mapeamento de instituições estatais para fins de cooptação e intimidação. O colegiado considerou que a existência da planilha demonstra a metodologia empregada pela organização para exercer influência sobre os órgãos de controle e persecução penal.
O colegiado de juízes federais fundamentou a transferência no elevado poder econômico dos investigados, que movimentaram mais de um bilhão de reais durante o período investigado. Parte dos recursos foi destinada ao pagamento de propinas e aliciamento de servidores públicos, demonstrando a capacidade financeira da organização para corromper instituições.
Corrupção sistemática
A decisão judicial destaca o suposto domínio exercido pelos líderes da organização criminosa sobre órgãos públicos ambientais e minerais de fiscalização. O grupo desenvolveu esquema de corrupção nos diversos órgãos públicos estaduais e federais através da cooptação sistemática de servidores públicos.
A metodologia empregada pela organização envolvia identificação de agentes públicos com poder decisório em órgãos ambientais e oferecimento de vantagens que evoluíam de benefícios menores para pagamentos sistemáticos de valores expressivos. O esquema permitia a liberação de licenças fraudulentas para projetos minerários sem validade legal em áreas sensíveis.
Os projetos minerários ligados ao esquema teriam previsão de lucro superior a 10 bilhões de reais, com potencial dano à União estimado em mais de 18 bilhões de reais. A dimensão econômica da operação foi considerada pela Justiça como fator que potencializa a capacidade de intimidação e corrupção do grupo criminoso.
MPF foi contra
O Ministério Público Federal (MPF) se manifestou contrariamente à transferência dos três líderes da organização criminosa para o Sistema Penitenciário Federal.
Na manifestação, o MPF argumentou que os investigados não preenchem todos os requisitos que justificariam a inclusão no sistema federal de segurança máxima. Segundo o parecer, apesar de serem lideranças de organização criminosa, não se vislumbram os fundamentos de proteção à integridade dos presos e de preservação da segurança pública, já que não integram facções criminosas e não cometeram reiterados crimes violentos.
O Ministério Público destacou que os três investigados nem sequer se encontravam presos por ordem judicial no momento da representação policial, de modo que não há circunstância concreta de prática delitiva ordenada da prisão, tentativa de fuga, violência ou grave indisciplina em estabelecimento prisional estadual.
Inadequação dos presídios mineiros
A Justiça concluiu, também, que o sistema prisional de Minas não dispõe de condições de segurança “capazes de conter a influência e a capacidade de comunicação extramuros dos custodiados”. As unidades estaduais, segundo os magistrados, apresentam fragilidades estruturais que permitem a “manutenção da liderança criminosa a partir do cárcere”.
As investigações apontaram que mesmo após se tornarem réus pela exploração irregular de minério em 2020, os três líderes da organização não apenas permaneceram na atividade ilícita como a intensificaram exponencialmente. No período entre novembro de 2020 e maio de 2022, foram criadas 21 novas empresas fictícias para blindagem patrimonial e continuidade das atividades.
A persistência na prática criminosa mesmo durante o processo judicial foi interpretada pela Justiça como indicativo da necessidade de medidas mais rigorosas de contenção. O sistema federal de segurança máxima foi considerado a única alternativa capaz de neutralizar a atuação da organização criminosa.
O regime prevê cela individual, restrição de visitas e monitoramento das comunicações, medidas consideradas imprescindíveis para impedir que os custodiados continuem comandando atividades criminosas.