A madrugada de 23 de julho de 1982 é uma das mais trágicas e desconhecidas de Hollywood. Não importa quanto tempo tenha passado, há algo suspenso no ar, como se o tempo se recusasse a fechar essa porta. “Além da Imaginação“, um filme antológico composto por vários episódios de ficção científica, mistério e terror dirigidos por diferentes cineastas, sendo John Landis o responsável pelo segmento em questão, estava sendo gravado em Indian Dunes, um rancho na região de Santa Clarita, na Califórnia. Com cerca de 600 acres de espaço aberto, o local era amplamente utilizado para filmagens externas. Seus rios, florestas e trechos de deserto serviam para simular cenários de diversas produções, especialmente aquelas ambientadas no Vietnã.
E era justamente filmando uma sequência ambientada no Vietnã que Landis cometeu um dos maiores equívocos de sua carreira. Algo que o perseguiria em pesadelos por toda a vida. Ali, em Indian Dunes, o cineasta buscava recriar, da forma mais verossímil possível, o inferno da guerra. Rifles cenográficos, explosões milimetricamente cronometradas, um helicóptero voando baixo, tudo isso fazia parte da cena que deixaria uma cicatriz indelével na história do cinema. Nos bastidores, técnicos já alertavam sobre problemas. As explosões estavam fortes demais, até mesmo para o piloto do helicóptero, extremamente experiente, que pedia mais distanciamento. Assistentes observavam o rio onde a câmera tremulava e segredavam sobre como a produção insistia em ignorar limites.
O instante impossível
O ator veterano Vic Morrow dividia a cena com duas crianças: Myca Dinh Le e Renee Shin-Yi Chen, de sete e seis anos, que já atuavam fora das regras trabalhistas, que proíbem o trabalho infantil durante a madrugada no cinema. Suas pequenas mãos seguravam a de Morrow enquanto Landis gritava para que o take tivesse “mais energia“, “mais verdade“. O helicóptero se aproximava lentamente, até que algo deu errado. Ele perdeu o controle, como um animal ferido, tombando. Uma das explosões havia sido ativada cedo demais. As hélices foram engolidas por uma onda de fogo. Em um instante impossível, algo terrível aconteceu. As lâminas do helicóptero deceparam as cabeças de Morrow e Myca. Renee foi esmagada pelos destroços da aeronave.
Uma cena de horror sem precedentes, e que poderia ter sido evitada com mais responsabilidade. A produção sabia dos riscos. A equipe estava ciente. As crianças sequer deveriam estar ali. A busca pela cena perfeita foi a justificativa para uma sucessão de erros e decisões apressadas. Nos tribunais, depoimentos fragmentados e silêncios desconfortáveis. Mesmo assim, toda a equipe foi absolvida. Landis seguiu sua vida. Os outros continuaram trabalhando. O estúdio arquivou o caso com a pressa pragmática dos grandes sistemas. Embora nenhuma medida reparadora tenha sido possível naquela situação, a tragédia provocou uma revolução nas normas de segurança e trabalho em Hollywood.
O silêncio que permanece
O cinema, embora tão associado à construção da fantasia, também carrega dentro de si histórias estranhas, sombrias e dolorosas. Cada vez que essa história é lembrada, o set daquela madrugada parece se reconstruir em silêncio: Morrow segurando firmemente as duas mãozinhas, enquanto uma das crianças ri baixinho. A equipe, tensa, observa a cena. A apenas alguns instantes da queda do helicóptero, tudo poderia ser interrompido, encerrado sem grandes problemas. Mas ninguém diz nada. O instante não volta. Ele acontece, inevitável e impiedoso.
