Por António Araújo (*)
Nos últimos anos, a disponibilidade e a qualidade dos dados de Observação da Terra (OT) transformaram profundamente a forma como a humanidade compreende e gere as crises. A partir de satélites que orbitam a centenas de quilómetros acima da Terra, é hoje possível obter informação quase em tempo real sobre desastres naturais, degradação ambiental e emergências humanitárias. Esta revolução não é apenas tecnológica — é também, e sobretudo, humanitária.
Quando ocorre um desastre, seja um furacão, um terramoto, um incêndio florestal, uma inundação ou até os efeitos de uma guerra, o acesso a informação imediata e precisa é crucial. Os dados de OT fornecem uma visão situacional rápida que os sistemas terrestres não conseguem igualar. Os satélites de Radar de Abertura Sintética (SAR), por exemplo, podem penetrar nas nuvens e operar de noite, assegurando monitorização contínua mesmo em condições meteorológicas adversas. As imagens óticas, por sua vez, ajudam a mapear destruição, avaliar danos e orientar os esforços de socorro de forma eficiente — tudo isto à distância de apenas alguns cliques.
Em contextos humanitários, os dados de OT permitem que os decisores aloquem recursos onde são mais necessários. Durante inundações, por exemplo, os mapas de cheias ajudam a identificar comunidades isoladas e a planear rotas de resgate. Em zonas de conflito, a OT pode apoiar a monitorização do deslocamento de populações, detetar danos em infraestruturas, otimizar a logística de corredores humanitários e acompanhar a entrega de ajuda, sobretudo quando a informação no terreno é escassa ou contraditória.
Quando combinada com outras fontes de informação — sensores terrestres, modelos, dados colaborativos ou até publicações em redes sociais — a OT permite construir uma visão multidimensional de uma crise e desenvolver simulações que apoiam uma tomada de decisão preditiva e proativa.
Na Europa, o Serviço de Gestão de Emergências do Copernicus (CEMS) é um exemplo notável desta capacidade. Operando 24 horas por dia, sete dias por semana, fornece dados geoespaciais abertos e análises rápidas que apoiam autoridades e organizações humanitárias em todo o mundo, desde a preparação até à recuperação pós-crise.
A democratização dos dados de OT — impulsionada pelos programas abertos dos satélites Sentinel e Landsat, e pelo crescimento de constelações comerciais como a Planet, ICEYE e Maxar — reduziu significativamente os custos e aumentou a acessibilidade. Em paralelo, o processamento em nuvem, a inteligência artificial e as plataformas digitais estão a eliminar barreiras técnicas, permitindo que um número crescente de utilizadores transforme dados complexos em informação útil.
Para muitas organizações, especialmente em países com menor maturidade tecnológica, esta evolução representa uma oportunidade para ultrapassar limitações de infraestrutura e de capacidade técnica. O desafio já não é obter os dados, mas sim convertê-los em conhecimento acionável e promover a sua integração nas políticas públicas e na resposta a crises.
À medida que o mundo enfrenta emergências cada vez mais frequentes e intensas, a Observação da Terra consolida-se como uma pedra angular da resiliência global. Investir na sua adoção institucional é essencial para desbloquear todo o seu potencial.
Os dados de OT não são apenas píxeis vindos do espaço: são os olhos da humanidade a olhar para si própria — e um instrumento essencial para respostas mais rápidas, justas e informadas às crises que definem o nosso tempo.
(*) Country Business Manager and Section Head of the Remote Sensing Division at GMV
