Na manhã de 16 de julho de 1945, uma explosão sem precedentes no deserto do Novo México marcava o início da era nuclear. Era o teste Trinity, a primeira detonação de uma bomba atômica, conduzida pelo Projeto Manhattan nos Estados Unidos. Menos de um mês depois, Hiroshima e Nagasaki seriam os alvos das únicas bombas nucleares usadas em guerra, matando mais de 100 mil pessoas instantaneamente e milhares a mais nos anos seguintes, devido à radiação.
A arma utilizava uma tecnologia revolucionária: a fissão nuclear, ou seja, a divisão do núcleo de átomos pesados como o urânio e o plutônio. Essa divisão libera uma quantidade imensa de energia, algo previsto teoricamente por Albert Einstein em sua famosa equação E=mc². O teste Trinity confirmou que a teoria poderia ser aplicada com efeitos devastadores.
O físico Sérgio Duarte, do Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas (CBPF), explica: “Quando você quebra um núcleo, obtém fragmentos com energia. Consequentemente, ganha-se muita energia, que é formada na energia cinética, de movimento das partes que se fragmentaram. Isso é o que faz a situação de explosão”.
A ciência por trás da destruição
A descoberta da fissão nuclear ocorreu poucos anos antes da bomba, em 1938, pelos cientistas alemães Otto Hahn e Fritz Strassmann, com interpretações cruciais feitas por Lise Meitner e Otto Frisch. Essa descoberta provocou um salto na física nuclear. O modelo do átomo já havia sido completado em 1932 com a comprovação da existência dos nêutrons pelo britânico James Chadwick.
Com o início da Segunda Guerra Mundial, cientistas como Leo Szilard e o próprio Einstein alertaram o então presidente norte-americano Franklin D. Roosevelt sobre o potencial militar da fissão. Nascia o Projeto Manhattan, liderado por Julius Robert Oppenheimer e formado por cientistas que, em muitos casos, fugiam da perseguição nazista.
O projeto centrou seus esforços na utilização de dois elementos: urânio-235 e plutônio-239. O urânio-235 representa apenas 0,72% do urânio natural, o que torna necessário seu enriquecimento. Já o plutônio-239 é sintético, produzido em reatores a partir do urânio-238.
O físico Takeshi Kodama, da UFRJ e também do CNPq, detalha: “Esses núcleos são muito pesados e instáveis por possuírem um número maior de nêutrons que de prótons. Assim, quando mais um nêutron é incluído, o núcleo se desestabiliza ainda mais, provocando a fissão nuclear”. O processo ainda pode gerar nêutrons adicionais, provocando uma reação em cadeia.
No próprio teste Trinity, com uma explosão equivalente a 20 mil toneladas de TNT, apenas 1,7% do material físsil (6,1 kg de plutônio) participou da reação em cadeia — ainda assim, o impacto foi gigantesco.
Da fissão à fusão: a escalada da corrida armamentista
Após os bombardeios no Japão, a corrida armamentista nuclear se intensificou, especialmente entre Estados Unidos e União Soviética durante a Guerra Fria. Entrava em cena uma nova e ainda mais potente tecnologia: a fusão nuclear. Nesse processo, dois átomos leves — como o hidrogênio — se fundem, formando um átomo mais pesado e liberando uma energia ainda maior que a da fissão.
A fusão, no entanto, só é possível em temperaturas e pressões extremamente altas, como as existentes nas estrelas. Para contornar essa limitação, os cientistas projetaram bombas que combinam os dois processos: uma explosão de fissão inicial é usada para gerar as condições necessárias para a fusão.
Em 1952, os EUA testaram a primeira bomba de hidrogênio. A URSS respondeu em 1961 com a explosão da Tsar Bomba, de 50 megatons — o equivalente a 3.800 bombas de Hiroshima detonadas simultaneamente, segundo o Museu Nuclear.
Esses testes levaram à assinatura, em 1963, do Tratado de Proibição Parcial de Testes Nucleares, que proibia detonações na atmosfera, no espaço e no mar, mas ainda permitia testes subterrâneos. França e China, porém, mantiveram testes atmosféricos até as décadas de 1970 e 1980.
O legado civil: medicina e energia nuclear
Apesar de sua origem militar, a energia nuclear encontrou aplicações pacíficas e benéficas. Um dos marcos dessa virada ocorreu com a intensificação das pesquisas sobre o uso controlado da radioatividade. O desenvolvimento de reatores nucleares permitiu não apenas a geração de energia elétrica, mas também avanços importantes na área médica.
Hoje, a medicina nuclear é essencial em diversas especialidades, como oncologia, neurologia e cardiologia. Técnicas com uso de radiação são aplicadas tanto em diagnósticos quanto em tratamentos, como no combate ao câncer.
“Passamos a conhecer melhor a dinâmica do núcleo atômico na interação com a matéria”, afirma Sérgio Duarte. “Usamos os feixes radioativos para bombardear tumores cancerígenos. Hoje você tem reatores que produzem marcadores para radiografias, imagens de todo o organismo humano, por intermédio da radiação. É claro, uma radiação terapêutica, muito menor que a usada em usinas ou bombas.”
Outros usos incluem detectores de fumaça, que operam com base na emissão de partículas alfa, e a esterilização de equipamentos médicos por radiação. No entanto, o potencial destrutivo da energia nuclear continua presente no imaginário coletivo e nas preocupações geopolíticas.
80 anos depois: reflexões sobre a era atômica
Oito décadas após o teste Trinity, o mundo continua dividido entre o fascínio pela potência da energia nuclear e o temor por seu uso bélico. A ameaça de proliferação, os acidentes em usinas como Chernobyl e Fukushima, e os debates sobre a transição energética tornam a discussão sobre essa tecnologia mais atual do que nunca.
Se a bomba atômica simboliza o ápice da destruição humana, também é verdade que a física nuclear proporcionou ganhos científicos e médicos incontestáveis. O desafio do século 21 está em manter esse equilíbrio delicado entre ciência, segurança e responsabilidade global.