Amara Hartmann
Como a falência de uma das maiores marcas de roupa da minha adolescência me fez pensar sobre o que nos é vendido
Quando vi que tinha saído um documentário sobre a American Apparel eu não consegui descansar até assisti-lo.
American Apparel é uma marca de roupas estadunidense que vendia roupas básicas, até meio preppy, mas sempre com uma pegada do estilo de vida americano. Convertendo pra cá, custava uma fortuna, mesmo com o dólar 2 para 1 na época. A saia de jogadora de tênis branca era meu sonho de consumo (talvez ainda seja).
A loja fechou e, pro sul do Equador – ou até com meu estilo de vida mudando da adolescência pra fase adulta -, eu não me liguei em que momento exatamente a American Apparel tinha acabado. E ela acabou, bastante.
O nicho da marca eram os alternativos, a galera que curtia indie rock, os esquisitões, os hipsters. As propagandas eram com garotas que pareciam normais, com – reforço – roupas básicas, mas que ficavam super estilosas. As It Girls. As rainhas da festa.
O que me impressiona até hoje é como a publicidade influencia mais do que o próprio produto. Era o entorno que chamava atenção, as músicas que tocavam na loja, a vice. Lembro que comprei uma camiseta de uma artista e quando ela chegou em casa, vi na etiqueta que a camiseta era da marca – a artista tinha estampado o desenho. Eu quase tremi. Fazia parte. Era uma delas.
Depois de um tempo, a etiqueta com o nome parou de fazer sentido. Eu não era uma das modelos por ter uma – por acaso – camiseta da American Apparel. Mas aquele sentimento, de conhecer e – mesmo que por pouco tempo – fazer parte, me deu muito prazer.
Prazer talvez seja uma palavra forte e oblíqua pra trazer aqui. As propagandas tinham uma sensualidade forte, eram jovens muito confortáveis com seus corpos, suas vidas, suas sexualidades. Como eu disse, era mais a embalagem do que propriamente o produto.
Assiste ao “Desastre Total: A Seita da American Apparel” meio que matou uma parte ingênua de mim que achava aquilo tudo muito legal. E a época era, até certo ponto, é difícil não sentir saudades da minha adolescência nos anos 2010. Mas conhecer realmente, ou abrir os olhos para o que se passava, é terrível.
Dov Charney, o criador da marca, é uma pessoa horrível. Do nível de ligar de madrugada pra um funcionário pra dizer que odeia ele. Do nível de estuprar mulheres, as modelos das roupas. Do nível de transformar essa visão deturpada de mulheres em venda e lucrar milhões com ela.
Fiquei desesperada. Eu queria ser uma menina da American Apparel. Mas eu não imaginava que por trás disso havia um vilão, literalmente uma pessoa disposta a fazer o mal e lucrar/ganhar/vencer em cima disso.
E ele ainda tá por aí, trabalhando com – pasme – Kanye West. E eu acabei de entrar no site da sua nova marca, a Los Angeles Apparel (a marca antiga meio que acabou com os escândalos sexuais e quando ele teve que demitir todos os imigrantes ilegais que ele contratava) e ela existe, e as roupas são básicas e as mulheres são cool e eu me pergunto: a vida vai ser um eterno perder a inocência? Vai ser eternamente descobrir que as coisas que nós achávamos lindas, na verdade são horríveis?
Acho que é o caso é só de aprender a não cair na embalagem, na publicidade, e entender que às vezes é só uma camiseta mesmo. E ela vai te vestir. E vai ser legal usar ela pelo tempo que vocês tiverem juntas. É só não esperar muito de algo que não precisa ser muito.
FONTE/CRÉDITOS (IMAGEM DE CAPA): Internet
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