Não é por falta de avisos que o Brasil se encontra na situação atual. O país tem excesso de diagnósticos bem feitos; a falha sempre esteve na hora de agir e colocar em prática as medidas necessárias para reverter os problemas já identificados. Mais um desses avisos acaba de vir da Instituição Fiscal Independente (IFI), vinculada ao Senado, em seu mais recente Relatório de Acompanhamento Fiscal (RAF). Sem correções firmes de rumo, o Brasil caminha para ter, em dez anos, uma dívida pública de país rico com a confiabilidade de um país encrencado: uma situação insustentável que levará a um colapso em um futuro nada distante.
Até 2035, diz a IFI, a Dívida Bruta do Governo Geral (DBGG) chegará a 124,9% do Produto Interno Bruto (PIB). É um patamar digno de algumas das principais economias do mundo, algumas das quais têm dívidas ainda maiores. No entanto, esses países são vistos como nações mais sólidas economicamente e conseguem rolar suas enormes dívidas a juros baixos, o que nem de longe é o caso do Brasil. Essa explosão da dívida, alerta o relatório, ocorrerá mesmo que o Brasil passe vários anos cumprindo metas fiscais, como as estabelecidas pelo atual arcabouço, válido desde 2023. E há vários motivos para isso.
O estado atual de toda discussão sobre contas públicas se baseia no ditado “farinha pouca, meu pirão primeiro”. Ninguém está disposto a abrir mão de nada, enquanto alguns acham que a solução está em gastar ainda mais
O primeiro deles está nas fraquezas do próprio arcabouço, que permite – na verdade, praticamente garante – aumento real (ou seja, acima da inflação) nas despesas públicas independentemente da situação da economia. Além disso, a infinidade de formas possíveis de contornar legalmente o arcabouço, por exemplo excluindo certas despesas da conta oficial, permite que, no papel, a meta seja cumprida, mas na prática o país continue gastando muito mais do que arrecada. O ano de 2025 é um exemplo: o déficit primário estimado pela IFI é de R$ 83,1 bilhões, mas os R$ 54,9 bilhões em precatórios não entram na conta. Os R$ 28,2 bilhões de rombo “oficial” estarão dentro da meta de déficit zero com tolerância de 0,25 ponto porcentual do PIB para mais ou para menos, o que corresponde a cerca de R$ 30 bilhões. O valor dos precatórios pode não estar nos cálculos oficiais, mas tem de ser pago da mesma forma, e para isso o governo precisa ou emitir moeda (gerando inflação), ou aumentar (ainda mais) os impostos, ou ampliar seu endividamento.
Um arcabouço falho, no entanto, não é o único problema. O Orçamento da União é extremamente engessado, com suas despesas carimbadas, mínimos constitucionais, indexações e vinculações – limitações às quais se somou, mais recentemente, a avidez de congressistas por meio da explosão nas emendas parlamentares, que deixaram à disposição do governo de turno, seja ele de esquerda, de direita ou de centro, uma parcela ainda menor dos recursos que já não estão comprometidos por algum outro tipo de obrigação legal. Ainda que algumas dessas obrigações sejam bem intencionadas ou façam sentido isoladamente, em conjunto elas criaram um modelo destinado à paralisia no médio e longo prazo.
“Os gargalos são econômicos, as soluções são políticas”, afirmou o diretor-executivo da IFI, Marcus Pestana. Este é o problema. “Só um amplo diálogo entre Congresso Nacional, governo e sociedade pode arquitetar as saídas para a grave situação do quadro fiscal”, afirma o diretor, mas o estado atual de toda discussão sobre contas públicas se baseia no ditado “farinha pouca, meu pirão primeiro”. Ninguém está disposto a abrir mão de nada, enquanto alguns acham que a solução está em gastar ainda mais. A IFI até destaca os debates recentes sobre o aumento do IOF e cortes de gastos como indicativos de que está havendo uma “tomada de consciência” sobre o caos fiscal, mas reverter a perigosa trajetória atual exigirá muito mais.