Em entrevista exclusiva, o Capitão de Fragata Barcellos detalha como o navio ampliará as capacidades de ajuda humanitária e defesa da Marinha
O Brasil está prestes a fortalecer sua Esquadra com um navio de grandes dimensões e capacidades. O HMS “Bulwark”, adquirido da Marinha britânica, encontra-se em processo de revitalização em Plymouth, na Inglaterra, período após o qual será incorporado à Marinha do Brasil (MB).
Este será o segundo maior navio de guerra brasileiro, atrás somente do Navio-Aeródromo Multipropósito (NAM) “Atlântico”, e terá a missão de apoiar o Estado em emergências e em contexto de calamidade pública. “Em situações de desastre natural, onde tempo é um fator crítico, um navio com essa capacidade logística permite que a resposta seja mais rápida e organizada, minimizando impactos e salvando vidas”, afirma o Capitão de Fragata Antonio de Barcellos Neto, que atualmente está em treinamento no Reino Unido para comandar o futuro Navio Doca Multipropósito (NDM) “Oiapoque”, como será batizado o novo reforço da Força Naval brasileira.
Nesta entrevista exclusiva para a Agência Marinha de Notícias, o Comandante Barcellos detalha os desafios e expectativas para essa nova embarcação, que promete ampliar as capacidades de ajuda humanitária e defesa naval nacional.
Agência Marinha de Notícias (AgMN): Diante de recorrentes acionamentos da Marinha do Brasil em situações de calamidade, como a de São Sebastião (SP), em 2023, no estado do Rio Grande do Sul, em 2024, e no Pantanal, em 2025, o que representa para a população brasileira poder contar com um navio desse porte para socorrê-la quando necessário?
Capitão de Fragata (CF) Barcellos: Ter um navio do porte do Navio Doca Multipropósito (NDM) “Oiapoque” representa um salto significativo na capacidade da Marinha do Brasil de apoiar a população em momentos de calamidade. Essa embarcação pode transportar grandes quantidades de mantimentos, equipamentos, pessoal especializado e até estruturas médicas, chegando a áreas isoladas ou de difícil acesso quando estradas estão comprometidas.
Em situações de desastre natural, onde tempo é um fator crítico, um navio com essa capacidade logística permite que a resposta seja mais rápida e organizada, minimizando impactos e salvando vidas. A população pode contar com um meio robusto, capaz de apoiar ações de socorro, evacuação e assistência.
AgMN: Quais as principais características do NDM “Oiapoque” que o tornam mais vocacionado para ações humanitárias comparado aos demais navios da Marinha do Brasil?
CF Barcellos: O NDM “Oiapoque” tem características que o tornam especialmente apto para missões humanitárias. Ele possui grande capacidade de carga e transporte de pessoal, veículos e equipamentos, incluindo hospitais de campanha, que são essenciais para suporte à população. Seu convés doca permite operar embarcações menores que levam socorro diretamente à costa ou a áreas afetadas.
Além disso, o Navio dispõe de um convés de voo para helicópteros de grande porte, possibilitando evacuações, transporte de materiais e apoio aéreo em regiões isoladas. Sua autonomia e espaço para suprimentos o tornam ideal para missões de longa duração, acomodando equipes e recursos essenciais ao socorro civil.
AgMN: Os militares que guarnecerão essa nova embarcação precisam frequentar um treinamento de cerca de um ano para aprender a operar o meio naval e suas respectivas peculiaridades. Qual é o principal desafio, tanto para o comando quanto para a tripulação?
CF Barcellos: O principal desafio está relacionado à operação de sistemas e procedimentos complexos de uma embarcação desse porte. Grandes navios multipropósito não são apenas plataformas de transporte, eles demandam coordenação integrada de navegação, logística, centro de comando e controle, além de operações aéreas e anfíbias.
Essa gama de tarefas, bem como alguns equipamentos que são novidades para a Marinha do Brasil, exige treinamento técnico específico, incluindo o uso de sistemas avançados de comunicação e gerenciamento, além da geração de energia de alta-tensão e motores elétricos para a propulsão. Por isso, o treinamento é fundamental para garantir que a tripulação opere todas as capacidades do Navio com segurança e eficácia.
AgMN: Embora a chegada desse navio à Marinha do Brasil tenha como propósito fortalecer as missões em situações de desastre natural, trata-se de um navio de guerra e o segundo maior da Esquadra. Quais as principais características dessa nova embarcação em termos de defesa, dissuasão e negação do uso do mar brasileiro?
CF Barcellos: Além do emprego humanitário, o NDM “Oiapoque” também agrega valor substancial à defesa naval brasileira. Como um dos maiores navios da Esquadra, a sua simples presença serve como elemento de dissuasão nas regiões marítimas sob jurisdição do Brasil, reforçando a soberania e a capacidade de projeção de poder ao longo do nosso extenso litoral e ilhas oceânicas, bem como aumentando a mobilidade e flexibilidade da Força, características de enorme importância para todas as Marinhas.
Sua capacidade de movimentar tropas de Fuzileiros Navais e equipamentos significa que ele pode apoiar operações prolongadas e de caráter expedicionário, integrando-se a outras unidades navais em exercícios, patrulhas ou situações de crise. Em termos de negação do uso do mar, ou seja, impedir que forças adversárias operem livremente nas nossas águas, um navio desse porte amplia as opções estratégicas da Marinha, seja em apoio logístico, seja em missões conjuntas com outras Forças.
AgMN: O Senhor já participou de uma situação de calamidade em que prestou socorro à população, em nome da Marinha do Brasil? Pode contar como foi a experiência?
CF Barcellos: Estive presente a bordo do Navio-Aeródromo Multipropósito “Atlântico” na ocasião em que o Navio foi empregado para apoiar as vítimas das enchentes que assolaram o litoral norte de São Paulo em 2023. Já como Comandante da Fragata “Independência”, tive a oportunidade de poder contribuir com as equipes que prestaram socorro aos atingidos pelas chuvas na Região Sul do País, em 2024. Apesar dos nossos treinamentos serem voltados para a defesa da Pátria, a cooperação com ações do Estado é uma atribuição subsidiária da Força. Para mim, em especial, é uma honra e uma satisfação enorme ver a Marinha do Brasil empregar seus meios e militares para ajudar a população brasileira que está em situação de risco ou de necessidade.
AgMN: Quais navios já comandou ao longo de sua carreira e quais missões o Senhor desempenhou na ocasião?
CF Barcellos: Dizem que o mar é a aspiração de todo Marinheiro. Dizem também que o comando de um navio é a maior aspiração de um Oficial da Marinha. Eu me sinto abençoado por estar tendo mais uma oportunidade de comandar um navio. Este será o meu quarto comando no mar. O primeiro, ainda como Capitão-Tenente, foi o Aviso de Pesquisa “Aspirante Moura”. Como Capitão de Corveta, tive a missão de ser o primeiro Comandante do Navio de Apoio Oceânico “Mearim”, convertendo um navio civil em um navio militar. Quando recebi a notícia desta missão, estava no mar exercendo o comando da Fragata “Independência”.
AgMN: O que significa para a carreira do Senhor e também para o campo pessoal receber a indicação desse comando?
CF Barcellos: É um sentimento que dificilmente se traduz em palavras, mas que posso definir como uma realização plena. Sinto que toda a dedicação construída ao longo da minha carreira foi reconhecida e recompensada. Sempre fui motivado por desafios e esta missão representa, sem dúvida, o maior deles até agora.
Embora eu me sinta preparado, carrego a responsabilidade de garantir que todos os interesses da Marinha sejam plenamente atendidos no processo de recebimento do Navio. Além disso, liderar cerca de 200 militares aqui no Reino Unido é uma honra e uma enorme responsabilidade, assegurando que cada um desempenhe seu papel da melhor forma possível, para que juntos formemos a primeira tripulação adestrada, coesa e motivada, mesmo longe do nosso País e de nossos familiares.
AgMN: Pode comentar um pouco sobre a experiência do treinamento no Reino Unido e de outros treinamentos que tenha feito anteriormente para comandar esse navio?
CF Barcellos: Tive a oportunidade de participar do recebimento de outro navio que a Marinha adquiriu do Reino Unido, o Navio de Desembarque de Carros de Combate (NDCC) “Almirante Saboia”. Assim como aconteceu naquela época, passamos por treinamentos a bordo e cursos em Centros de Treinamentos da Royal Navy. Desta vez, o desafio é bem maior. Agora como Encarregado do Grupo de Recebimento do NDM “Oiapoque”, teremos que lidar com um navio repleto de equipamentos que não possuímos na Marinha do Brasil, como, por exemplo, geração de energia de alta tensão e motores elétricos para a propulsão do navio.
AgMN: Quais são as expectativas para esse novo comando?
CF Barcellos: São as melhores possíveis. A tripulação está sendo formada por meio de um processo seletivo criterioso e que levou em consideração não somente o bom histórico dos militares, mas priorizou aqueles que tivessem uma experiência pregressa que contribuísse para a operação desse Navio. A expectativa é que consigamos formar uma tripulação motivada e capacitada, pronta para entregar à Marinha um meio com suas inúmeras capacidades operacionais.
FONTE: Agência Marinha de Notícias
