Não há Conservação Que Resulta Sem Envolver as Comunidades • Diário EconómicoA ilusão económica é pertinente para salvaguardar locais de conservação

O Governo e as organizações de conservação defenderam, durante a Conferência da Biodiversidade, a necessidade de incluir nas comunidades o processo de preservação da marinha, através da combinação de benefícios económicos e de uma educação ambiental “mais forte e contínua”.

A biodiversidade marinha no País enfrenta ameaças que comprometem a sustentabilidade. Por exemplo, quando se olha para a sobrepesca e para a pesca ilegal, que reduz significativamente as paisagens de espécies comerciais e coloca em risco o equilíbrio natural. Por outro lado, a poluição atmosférica, resultante de resíduos sólidos, descargas industriais e esgotos urbanos, degrada habitats sensíveis como os mangais e os recifes de coral. E as alterações climáticas intensificam fenómenos extremos, como ciclones e a subida do nível do mar, destruindo comunidades e ecossistemas que fazem parte da própria identidade da costa.

A sustentabilidade e a preservação ambiental incluíram pilares centrais nas agendas de empresas internacionais, governos e organizações de desenvolvimento. No entanto, os especialistas alertam que há um actor que não pode ser deixado de fora desse esforço: as comunidades costeiras. A sua participação activa é vista como condição indispensável para o sucesso das políticas de conservação marinha em Moçambique. Esta ideia foi especialmente sublinhada durante a 3.ª Conferência da Biodiversidade Marinha (CBM), realizada em setembro, na cidade da Beira.

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Comunidades Costeiras no centro da agenda

Milagre Nuvunga, diretora executiva da Fundação Micaia, critica o afastamento das populações locais, como tem acontecido nalguns projetos. “As comunidades dependentes da terra e dos recursos naturais, mas muitas vezes são chamadas apenas para obedecer a regras que limitam o uso desses recursos, sem oferecer alternativas.”

Cerca de 1,2 a 1,4 milhão de pessoas vivem dentro ou na periferia de áreas protegidas, em Moçambique, dependendo diretamente dos recursos naturais que a conservação pretende proteger, criando um potencial conflito permanente

A responsável defende a criação de cadeias de valor que transformam a biodiversidade em rendimento. “Temos a experiência da Mozambique Honey Company, que exporta mel para a Europa e para os Estados Unidos, envolvendo directamente os produtores como accionistas. Este modelo pode ser adaptado ao mar, garantindo que a conservação se traduza em melhoria de vida para as famílias”, afirmou.

Na ocasião, o setor privado destacou alternativas econômicas. Bruno de Oliveira, diretor-geral da Selt Marine Moçambique, disse que “as comunidades costeiras dependem quase exclusivamente da pesca” e que é urgente diversificar. “O estudo das algas marinhas já provou ser uma alternativa viável. Trabalhamos sobretudo com mulheres, que assim conseguem a sua própria fonte de rendimento, sem depender apenas da pesca dos maridos. Com maior apoio do Estado e das organizações não-governamentais, Moçambique pode até superar a Tanzânia, que já tem uma indústria consolidada”, afirmou.

No campo da restauração, Jorge Mafuca, coordenador da Blue Forest, sublinhou que “sem garantir o direito legal das comunidades sobre as suas terras, não é possível falar de conservação eficaz.” O responsável revelou que a sua organização está a restaurar 30 mil hectares de mangal em Sofala e Zambézia, dentro de um projecto que cobre 155 mil hectares no total. “A chave é criar comitês de gestão locais e dar poder às comunidades. Só assim é possível garantir resultados duradouros”, explicou.

Conhecimento científico e saberes tradicionais

A conferência também abriu espaço para o diálogo entre saberes tradicionais e inovação científica. O vereador do município da Beira, Getúlio Manhique, apresentou a experiência dos “workshops de sonho”, encontros participativos que integram o conhecimento das comunidades no planeamento urbano. “Conseguimos envolver a população para que apresente a situação da sua comunidade, em vez de esperar só pelos técnicos do município”, afirmou.

O investigador Raimundo Alberto Mulhaisse lembrou que “as comunidades costeiras usam o calendário lunar para prever marés e épocas de abundância de espécies” e que os tabus religiosos acabam por restringir a pesca em determinadas áreas, funcionando como mecanismos tradicionais de conservação.

Sean Nazeralli, da Biofund, defendeu a expansão dos modelos de co-gestão, como os exemplos bem sucedidos dos Parques Nacionais da Gorongosa e do Bazaruto, que atraem financiamento das empresas

Paralelamente, durante o evento, foram apresentadas propostas inovadoras pela comunidade científica. Yathima Oraibo Abdul defendeu a aquicultura sustentável, mostrando resultados de um projeto de cultivo de caranguejo do mangal em Cabo Delgado com taxas de sobrevivência de 95%. Scheila Condelaque apresentou uma iniciativa que converte resíduos plásticos recolhidos em praias e mangas em filamentos para impressão 3D. “O lixo marinho pode e deve ser transformado em matéria-prima. Cada garrafa desperdiçada é uma oportunidade de inovação perdida”, frisou.

Educação ambiental e mudança de comportamento

Um dos temas recorrentes foi a necessidade de reforçar a literacia oceânica, sobretudo nas escolas. Augusto Nhampossa, da Associação Natura Moçambique, alertou que “há escolas situadas junto de mangais e recifes de coral onde nunca se especifica uma visita de campo. Como podemos esperar que as futuras gerações defendam aquilo que nunca tiveram oportunidade de conhecer?”, questionou, defendendo a necessidade de criar iniciativas que exponham as crianças aos locais de conservação.

Débora Catena, consultora da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e Agricultura (FAO), acrescentou que “medidas impostas de fora de funcionamento raramente”. “É essencial envolver as comunidades na identificação dos problemas e na construção das soluções”, porque, segundo o especialista, quando os pescadores percebem que métodos destrutivos derivados do seu rendimento futuro estão mais interessados ​​em mudar de comportamento.

Na ocasião, os jovens marcaram presença com a apresentação de iniciativas criativas de sensibilização. A investigadora Líria Luís Mário Artur destacou que “a música revelou-se uma ponte entre a ciência e a cultura, facilitando a compreensão e a valorização do mangal entre os mais novos”. Nélia Tomo, responsável pelo projecto Eco-Acção, em Maputo, provou que “as crianças não são apenas beneficiárias, mas protagonistas da conservação. São futuros líderes ambientais em formação.”

Desafios estruturais permanecem

Eugénio Manhiça, da Autoridade Nacional de Áreas de Conservação (ANAC), acordou a insuficiência de quadros especializados como o primeiro “grande obstáculo”. “Apesar de termos um número específico de técnicos para áreas terrestres, na componente marinha, a insuficiência de técnicas específicas e especializadas é um grande desafio”, afirmou. O profissional alertou para uma crise iminente de capacidade: “Dentro de cinco anos, a maior parte dos nossos quadros experientes vão sair do sistema devido à idade da reforma. É um desafio encontrar uma plataforma para reter este conhecimento e garantir a continuidade.” Além disso, a falta de conhecimento e adoção de tecnologias eficientes para monitorar a vasta rede de áreas de conservação foi outro ponto crítico sublinhado.

Como mudar o cenário? O financiamento foi apontado como um dos desafios na área de conservação. Eugénio Manhiça citou um estudo de 2014 que estimou as necessidades de financiamento do sistema nacional em 803 milhões de meticais (12,5 milhões de dólares) por ano, um valor largamente dependente de fundos externos. O custo de gestão por quilómetro quadrado foi estimado entre 15 968 meticais a 19 161 meticais (250 a 300 dólares). “Temos uma rede que requer recursos financeiros enormes para a gestão”, explicou, salientando que a maioria dos fundos ainda provém do Orçamento do Estado, bem como de financiamento externo, e pouco da exploração de fontes inovadoras e sustentáveis ​​de receita.

A pressão socioeconómica sobre as áreas protegidas também mereceu destaque. Eugénio Manhiça indicou que cerca de 1,2 a 1,4 milhões de pessoas vivem dentro ou na periferia destas áreas em Moçambique, dependendo directamente dos recursos naturais que a conservação pretende proteger, criando um potencial conflito permanente.

A ilusão económica é pertinente para salvaguardar locais de conservação

Seguir bons exemplos com resultados

Em contrapartida, Sean Nazeralli, da Biofund, apresentou três oportunidades de financiamento em diferentes níveis. Primeiro, a nível comunitário, propôs a criação de empresas comunitárias que exploram recursos de forma sustentável e lucrativa como peixe, carvão ou produtos florestais não madeireiros, dando às comunidades a propriedade, gestão e benefício desses recursos. Segundo, a nível das áreas de conservação, defendeu a expansão dos modelos de co-gestão, como os exemplos bem sucedidos dos Parques Nacionais da Gorongosa e do Bazaruto, que atraem financiamento e conhecimento técnico do sector privado, aliviando o encargo do Estado. Terceiro, a nível nacional, sugeriu explorar mecanismos de “troca de dívida por natureza” (designados “swaps de dívida por natureza”).

Estas foram muitas das soluções apresentadas por diversos intervenientes durante o evento e que convergem com a ideia de se incluirem as comunidades no processo de conservação da biodiversidade, através de incentivos económicos com uma educação acirrada.

O Presidente da República, Daniel Chapo, presidiu à sessão de abertura e sublinhou que Moçambique é “uma nação oceânica que precisa de gerir os seus recursos marinhos de forma sustentável e de valorizar o capital natural como pilar da economia azul.”

Daniel Chapo reafirmou ainda os compromissos internacionais reforçados pelo País, incluindo a meta de proteger 30% da terra e do mar, através da criação de reservas ambientais, até 2030. “Estamos aqui para reafirmar o envolvimento do nosso Governo na protecção e preservação da biodiversidade marinha, promovendo soluções que gerem emprego, sobretudo para a juventude, e que reforcem a das nossas comunidades”.

Texto: Nário Seispeno • Fotografia: Mariano Silva & DR.

By Daniel Wege

Consultor HAZOP Especializado em IA | 20+ Anos Transformando Riscos em Resultados | Experiência Global: PETROBRAS, SAIPEM e WALMART

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