Olhe para este mundo: uma fotomontagem de dores, onde guerras sem sentido, fome e intolerância desenham um caos que nos fere a alma. José Saramago, já partido, dizia que vivemos “num mundo que é um desastre” e se recusava a aceitá-lo.
Essa inquietação nos atravessa, nos provoca, nos chama a mudar o que não suporta mais ser. Você se conforma com esse cenário?
Sonhar com justiça plena é quimera. Mas e um mundo um pouco mais humano? Menos cruel, onde a exclusão não engula multidões, onde a África não seja esquecida, entregue a doenças e conflitos sem lógica? “Abandono de continentes inteiros, como é o caso da África, destroçada”, lamentava Eduardo Galeano, revisando a angústia de um planeta em crise.
Essa revolta não é só minha. É de uma geração que viu os EUA deixarem o Vietnã, após rios de sangue. Que vibrou com Yuri Gagarin e depois com Neil Armstrong na Lua, um feito que uniu o mundo por instantes. Que se emocionou com o jovem da sacola desafiando um tanque na Praça da Paz Celestial. Momentos que marcaram nossas memórias coletivas.
Os Beatles, de Liverpool, incendiaram o planeta com canções que ainda são entoadas em grupos. Aquela turma de Woodstock, dançando naquele aguaceiro sob o lema de paz e amor, gritava contra toda guerra. “Um mundo de angústia total”, como dizia Milan Kundera, não era o que sonhavam. Eles queriam liberdade, igualdade, um futuro em que o ódio não vencesse.
Mas o presente nos trai.
O mundo se arma, vira as costas ao diferente, ignora dois terços de sua gente na miséria e rejeita sua maior riqueza: a diversidade. Essa geração, que ergueu bandeiras de esperança, não aceita um planeta xenófobo, militarizado, cego à dor alheia.
É hora de transformar inconformismo em ação. A mudança exige passos firmes: paz como prática diária, respeito ao planeta que nos acolhe, força para as mulheres em todos os espaços, fim dos abismos entre extrema riqueza e extrema miséria.
Para conflitos globais, diálogo, não bombas. Consulta sobre as motivações, as causas e as consequências das decisões que estamos para tomar. A desumanidade não pode ser o que nos define. Precisamos de pontes, não de muros.
Enquanto a indignação pulsar contra o que rebaixa a humanidade, há esperança. “É aquilo que pretendo passar aos meus leitores”, dizia Kundera sobre suas inquietações. Essa chama nos dá motivo para viver, para lutar por um mundo que não humilhe, que não descarte, que celebre o que nos une.
Rabindranath Tagore, em Gitanjali, cantava a conexão universal: “O mesmo rio da vida que corre em minhas veias noite e dia corre pelo mundo e dança em pulsações rítmicas”. Um lembrete de que todos compartilhamos o mesmo sopro vital, uma corrente que não deve ser quebrada.
Pablo Neruda, em Os Versos do Capitão, sonhava com transformação: “Quero fazer contigo o que a primavera faz com as cerejeiras”. Um chamado para cultivar paz, para fazer florescer o que o ódio tenta secar, para regar a humanidade com esperança.
Maya Angelou, em Human Family, abraçava a pluralidade: “Notei as diferenças óbvias na família humana. Alguns de nós são sérios, alguns prosperam no riso”. Ela via na diversidade a força que o mundo insiste em negar, mas que precisamos defender com unhas e dentes.
Galeano escrevia com dor: “guerras completamente absurdas” destroem o que poderia ser. Essa herança de luta, de Woodstock ao jovem de Tiananmen, nos convoca.
A África clama, as periferias resistem, o céu está coalhado de drones. Mas a recusa em aceitar o caos nos define, nos empurra a construir um futuro diferente, se apenas o quisermos.
Essa faísca se alastra, lenta, mas firme. De Kundera aos ativistas nas ruas, o coro ganha força. Um mundo menos cruel não é miragem; é meta possível, se agirmos. E agir, no fundo, é o que nos mantém vivos, é o que faz algo no lado esquerdo do peito bater por algo maior.