A outrora próspera cidade romana de Pompeia parece uma cápsula do tempo assombrosa, aparentemente intocada desde a catastrófica erupção vulcânica do ano 79 d.C., com os restos de seus habitantes eternamente preservados sob uma camada de cinzas. Mas uma análise mais atenta pode revelar outro capítulo sombrio no pós-tragédia, segundo novas pesquisas.

Pistas recentemente descobertas sugerem que várias pessoas — incluindo sobreviventes do desastre e viajantes de passagem — retornaram para viver entre as ruínas depois da erupção. A conclusão vem de achados nas escavações em andamento no Parque Arqueológico de Pompeia, no sul da Itália. Ainda assim, não é possível reconstituir um quadro completo de quantos voltaram ou em quais circunstâncias, afirmou Gabriel Zuchtriegel, diretor do parque.

Pesquisadores que investigam a Insula Meridionalis, bairro na extremidade sul da cidade, encontraram fragmentos de cerâmica e outros vestígios datados de depois da destruição, ao longo do último ano. Os artefatos mostram que, após a erupção, as pessoas buscaram abrigo nos andares superiores de edifícios que permaneciam visíveis acima da camada de cinzas, disse Zuchtriegel.

Os moradores de Pompeia acabaram abandonando o local após nova erupção devastadora no século V, e a cidade permaneceu intocada até o início das escavações, em 1748.

Zuchtriegel, arqueólogo e coautor de um estudo publicado em 6 de agosto no E-Journal of the Excavations of Pompeii, disse que a destruição inicial no ano 79 “monopolizou a memória” do local. Vestígios dessa reocupação eram conhecidos pelos pesquisadores, mas amplamente ignorados.

“Na ânsia de alcançar os níveis de 79, com afrescos e móveis maravilhosamente preservados, os vestígios sutis da reocupação foram literalmente removidos e muitas vezes varridos sem qualquer registro”, afirmou em comunicado.

“Graças às novas escavações, o quadro agora é mais nítido: a Pompeia pós-79 ressurge menos como cidade e mais como um aglomerado precário e cinzento, uma espécie de acampamento, uma favela entre as ruínas ainda reconhecíveis da antiga Pompeia.”

Artefatos de uma segunda chance

Durante as escavações de um edifício na Insula Meridionalis, arqueólogos determinaram que alguns de seus tetos abobadados só desabaram entre os séculos II e IV, o que indica que seus depósitos provavelmente permaneciam parcialmente visíveis na superfície quando as pessoas retornaram.

Os artefatos encontrados sugerem que antigos pavimentos térreos se transformaram em porões e cavernas, onde os novos ocupantes improvisaram fornos, moinhos e lareiras.

Itens localizados nos depósitos também indicam que a reocupação foi provavelmente mais permanente do que passageira, segundo Zuchtriegel. Entre eles, estavam fragmentos de cerâmica e utensílios de cozinha, incluindo uma lamparina decorada com um dos primeiros símbolos de Cristo, todos datados do século V. A equipe também descobriu um pequeno forno familiar do mesmo período, construído com materiais reutilizados — como tijolos e telhas — dentro de uma cisterna romana.

Uma moeda achada na Insula Meridionalis, com a imagem do imperador romano Marco Aurélio e datada de 161 d.C., sugere que pessoas voltaram a Pompeia poucas décadas após a erupção, disse Zuchtriegel.

Vida depois do desastre

A cidade permaneceu habitada até a chamada “erupção de Pollena” do monte Vesúvio, em 472, mas nunca voltou a ser o porto próspero e movimentado que fora antes. Houve ainda outras erupções no início do século VI, segundo os autores do estudo.

“Esses eventos provavelmente causaram sérios danos a uma economia já fragilizada e podem ter levado ao abandono dos assentamentos registrados na região vesuviana”, escreveram.

Estima-se que Pompeia abrigava cerca de 20 mil pessoas no momento da erupção do ano 79, e o número de mortos segue em debate. Até hoje, arqueólogos escavaram dois terços da cidade e encontraram restos de cerca de 1.300 pessoas — número que não inclui as vítimas fora do centro urbano.

Sem ter para onde ir, sobreviventes provavelmente voltaram às ruínas, vivendo em um deserto de cinzas e procurando vestígios de suas casas e pertences — às vezes encontrando restos mortais de vítimas, como o esqueleto de um cavalo preso entre duas vigas na Insula Meridionalis.

Em meio ao saque de residências, magistrados romanos teriam sido enviados para evitar um cenário de anarquia, com base em fontes literárias antigas citadas no estudo.

Tito, imperador romano de 79 a 81 d.C., enviou dois cônsules à região da Campânia, onde fica Pompeia, para prestar ajuda, avaliar a cidade e redistribuir propriedades de vítimas sem herdeiros, disse Zuchtriegel. O imperador também destinou recursos aos sobreviventes e, segundo um texto, teria até visitado Pompeia após a erupção.

A vegetação voltou lentamente e os moradores pós-erupção cavaram poços para acessar água subterrânea sob a camada de cinzas. Eles também enterravam seus mortos, como indica o sepultamento de um recém-nascido encontrado no local.

“Temos que presumir que, embora a ocupação não fosse temporária, a vida nas ruínas devia ser bastante rudimentar — ainda que tenha sido construída uma latrina, provavelmente para quem cuidava do forno de pão”, disse Zuchtriegel. “A maioria dos confortos da vida romana do século I tinha desaparecido.”

O estudo mostra que a arqueologia contemporânea não busca tesouros, mas sim lê sinais no sedimento e compreende relações entre todas as evidências físicas sobreviventes, afirmou Daniel Diffendale, pesquisador de pós-doutorado na Scuola Normale Superiore de Pisa, que não participou da pesquisa.

Diffendale observou que já havia indícios dispersos de atividade humana em Pompeia após a erupção, mas a nova pesquisa revela um nível de detalhe inédito.

“É mais uma evidência de ocupação estável pós-erupção”, escreveu por e-mail. “São pessoas transformando espaços utilitários em moradias, e não vivendo em luxuosas casas com átrio. Por outro lado, isso também pode representar uma parte da população que, mesmo antes da erupção, não vivia nesses casarões e cuja vida é pouco visível no restante de Pompeia.”

Escavações futuras podem revelar como esses moradores se sustentavam — se reaproveitavam os restos da cidade, cultivavam a terra ou criavam outras formas de comércio, disse ele.

Marcello Mogetta, chefe do departamento de clássicos, arqueologia e religião da Universidade do Missouri, elogiou a equipe do Parque Arqueológico de Pompeia por trazer mais clareza à “vida após a morte” da cidade romana, por meio de escavações e exposições.

Mogetta não participou do estudo, mas lidera um projeto em uma área próxima à pesquisada. Um dos autores do novo estudo é o responsável pelo setor que ele investiga.

“O estudo destaca a resiliência dos habitantes da região vesuviana e seu papel ativo na recuperação econômica da área, em períodos pouco lembrados na história de longo prazo do sítio”, disse Mogetta.

As descobertas lançam luz sobre a “cidade invisível” de Pompeia, que renasceu após o ano 79 — e que está apenas começando a ser explorada, escreveram os autores.

“Nesses casos, nós, arqueólogos, nos sentimos como psicólogos da memória enterrada na terra: trazemos à tona as partes apagadas da história, e esse fenômeno deve nos levar a refletir mais amplamente sobre o inconsciente arqueológico — tudo aquilo que é reprimido, obliterado ou permanece oculto, à sombra de outras coisas aparentemente mais importantes”, concluiu Zuchtriegel.

By Daniel Wege

Consultor HAZOP Especializado em IA | 20+ Anos Transformando Riscos em Resultados | Experiência Global: PETROBRAS, SAIPEM e WALMART

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