Estamos ingerindo por semana, em média, 5 gramas de microplásticos, o equivalente à massa de um cartão de crédito. Os dados fazem parte de um estudo publicado na revista científica “Physics of Fluids”. São 16 pedaços de microplásticos por hora que entram no nosso corpo, aproximadamente 20 gramas por mês e até 250 gramas por ano.
Microplásticos estão por toda parte: na água que bebemos, no ar que respiramos e nos alimentos que comemos. Medindo entre 1 e 5 milímetros, essas pequeníssimas partículas já foram detectadas em vários tecidos e órgãos humanos, como pulmões, coração, ossos e útero e até na placenta e no sêmen.
Os microplásticos podem se apresentar em diversas formas, como fibras, fragmentos, esferas, filmes, flocos e espumas. As partículas entram no nosso corpo principalmente pela boca e pelo nariz. E também podem ser absorvidas por meio da pele, cosméticos ou plásticos de uso cotidiano.
O cenário é especialmente complicado porque produzimos muito, mas reciclamos pouco. Somente 9% de todo o plástico feito no mundo é reciclado. No Brasil, que produz 11,4 milhões de toneladas por ano, esse índice é ainda menor, de apenas 1,3%.
E mais: segundo relatórios de agências da Organização das Nações Unidas (ONU), a poluição por plásticos, que incluem os microplásticos, representam a segunda maior ameaça ambiental ao planeta, atrás apenas das mudanças climáticas.
Esse invasor microscópico representa um risco quase invisível, mas concreto à saúde humana. Pesquisas feitas com mais de 13 mil produtos químicos associados aos plásticos revelaram que pelo menos 3,2 mil deles são perigosos para o ser humano, segundo levantamento publicado pelo Programa Ambiental da Organização das Nações Unidas.

O presidente vitalício da Associação Brasileira de Alergia e Imunologia (Asbai), o alergista e imunologista Emanuel Sarinho, diz que a contaminação por microplásticos pode causar problemas cutâneos e respiratórios, além de predispor a doenças crônicas como o câncer.
“O microplástico consegue penetrar pela mucosa intestinal ou pela mucosa pulmonar, atinge a circulação sanguínea, atinge os vasos e no sistema imunológico ele vai causar uma perturbação das defesas, fazendo com que haja algumas doenças relacionadas a isso, tais como um aumento de asma, porque facilita uma maior exposição aos alérgenos, uma maior frequência de problemas de pele como a dermatite atópica”, detalha o profissional.

O estudo “Microplásticos: O Perigo Oculto” indica um aumento nas doenças alérgicas no país relacionadas à ingestão dos microplásticos. Os pesquisadores chegaram à conclusão que os microplásticos estão causando uma verdadeira revolução silenciosa no sistema imunológico humano.
No fim das contas, nosso corpo não sabe o que fazer com essas partículas. Ele as trata como ameaças e ativa respostas de defesa que, com o tempo, podem se voltar contra nós mesmos.
“Os microplásticos vão fazer com que a capacidade do organismo de regular a entrada de substâncias estranhas e reconhecer o que é próprio do organismo e o que não é seja enfraquecida”, completa Emanuel Sarinho.
Fatores que influenciam os efeitos dos microplásticos na saúde humana
Características do material: tipo, tamanho, forma e composição química das partículas
Doses de exposição: quantidade e frequência com que o indivíduo entra em contato com microplásticos
Vias de administração: formas de entrada no corpo (oral, respiratória, cutânea)
Coexposição com outros poluentes: presença simultânea de substâncias tóxicas ou contaminantes que potencializam os efeitos
Predisposição genética: características individuais que podem aumentar a vulnerabilidade a danos causados pelas partículas
Efeitos a longo prazo estão sendo pesquisados, mas já há estudos, por exemplo, que mostram como as altas concentrações de microplásticos em peixes também provocam impactos no sistema imunológico.
“A longo prazo, o microplástico pode fazer com que haja fibrose no pulmão, ajudando a agravar o enfisema e a doença pulmonar obstrutiva crônica e também predispor ao aparecimento de doenças crônicas. Há quem diga que esses nanoplásticos podem estar relacionados também com o aumento das doenças neurodegenerativas e das doenças neurológicas e neuropsiquiátricas que estão acontecendo nos dias atuais”, discorre o representante da Asbai.

O professor do Departamento de Oceanografia da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) Mário Barletta explica que os microplásticos se originam principalmente a partir de resíduos plásticos descartados incorretamente. Os detritos se fragmentam com o tempo por causa da luz solar, do calor e da água salgada, especialmente em áreas costeiras.
O especialista ainda afirma que essa fragmentação faz com que os microplásticos sejam transportados pela chuva para os rios e para os oceanos, acumulando-se em manguezais ou bancos de algas marinhas antes de chegarem ao mar.
“A contaminação pode ocorrer por via aérea, através da própria atmosfera, pode ser tomando água com microplástico ou alimentos contaminados por microplástico. Produtos que foram industrializados, nem que seja no momento do engarrafamento, têm partículas de microplástico”, detalha o professor.
Os principais impactos na saúde humana causados pelos microplásticos são:
Sistema imunológico: ativação de inflamações, menor resistência a infecções
Pulmões: disfunção do surfactante pulmonar e inflamação crônica
Tireoide: interferência hormonal com riscos ao desenvolvimento infantil
Cérebro: alteração de comportamentos e risco aumentado de doenças neurodegenerativas
Sistema reprodutivo: danos a espermatozoides, óvulos, e até ao feto
Sistema digestivo: alterações na microbiota intestinal, inflamações e disfunções metabólicas
Sistema circulatório: bloqueio de vasos e danos aos glóbulos vermelhos
Mário Barletta argumenta ainda que mesmo se a produção de plástico no mundo cessasse hoje, a contaminação provavelmente persistiria pelos próximos 10 anos por causa dos microplásticos presentes atualmente no ambiente.
“Temos que trabalhar mais, mas não é só individualmente, não é institucionalmente, é um projeto de estado. É um compromisso de estado que independe da ideologia do próximo governador ou do próximo presidente, nós temos que ter esse compromisso em utilizar menos plástico e o que for utilizado tem que ser reciclado”, pontua o professor da UFPE.

E o que podemos fazer?
Diante desse cenário problemático, é imprescindível pensar em soluções estratégicas para repensar um futuro mais limpo. Emanuel Sarinho argumenta que entre as principais estratégias de prevenção para mitigar os efeitos estão consumir e utilizar o mínimo possível de plásticos.
“Já existem locais em que é proibido o uso de bolsas plásticas, inclusive no Brasil. E quando já houver um consumo consciente, a gente tentar reutilizar essas bolsas plásticas e evitar usar plástico o máximo possível, substituindo por vidro ou por metal ou pelo próprio pano de tecido”, completa.
A Asbai elenca como podemos atuar nessas estratégias:
- Usar sacolas reutilizáveis, copos e talheres duráveis
- Evitar embalagens plásticas sempre que possível
- Optar por roupas de fibras naturais (algodão, linho)
- Escolher cosméticos sem microesferas plásticas
- Preferir embalagens biodegradáveis
- Utilizar filtros que retêm partículas pequenas
- Evitar garrafas plásticas descartáveis
- Limpar com pano úmido para reduzir poeira com microplásticos
- Proibição de plásticos de uso único
- Incentivo à economia circular
- Criação de normas sobre rotulagem e controle de microplásticos
- Investimento em educação ambiental
- Redução do uso de plásticos em embalagens
- Implementação de materiais biodegradáveis
- Logística reversa para reciclagem
Fonte: Asbai