Três anos depois de perder o filho em uma explosão na fábrica da JBS/Seara em Xanxerê, no Oeste catarinense, a técnica de enfermagem Adinai Pasini ainda se emociona ao falar do jovem Bruno Corrêa, de 22 anos. A Justiça do Trabalho condenou a empresa a indenizar a mãe em R$ 500 mil e a irmã do rapaz em R$ 300 mil, por danos morais.
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A decisão, publicada em 17 de julho, reconheceu que houve negligência grave da multinacional, que permitiu que trabalhadores realizassem tarefas de alto risco sem a supervisão adequada e com equipamentos precários.
A notícia no hospital
O dia 2 de novembro de 2022 ficou marcado para sempre. Adinai estava de plantão no Hospital Regional São Paulo, em Xanxerê, quando ouviu as sirenes das ambulâncias. No início, não imaginou que se tratava do próprio filho.
— É um assunto que mexe muito comigo. Eu não sei nem falar do Bruno sem chorar. Eu estava de plantão aquele dia na clínica médica do Hospital Regional São Paulo. Eu estava tomando um café com uma colega, quando uma outra colega veio e deu a notícia. Cheguei na sala vermelha, lá da emergência, e eu vi duas pessoas. Uma era o Bruno e a outra era o Leandro [outro funcionário da empresa]. Na hora, assim, eu não acreditei que era o Bruno. Porque ele estava muito queimado, muito. Só reconheci o Bruno porque ele tinha um cordão no pescoço, que eu comprei na última viagem que nós fizemos juntos, lá em Ametista— relembra.
O cordão, comprado como um símbolo de proteção, foi o único detalhe que permitiu à mãe reconhecer o filho. Ainda no hospital, ela pediu uma tesoura para cortar a peça, guardada como lembrança.
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A luta pela vida e a despedida
Bruno foi levado imediatamente para o centro cirúrgico, onde passou por um procedimento de emergência. Depois, foi encaminhado à UTI, em isolamento. Adinai passou as horas seguintes sentada diante do vidro, em preces silenciosas.
— Eu fiquei sentada em uma cadeira, pedindo a Deus e a Nossa Senhora para cuidar do meu filho. Foram momentos terríveis, sabe? Momentos terríveis — conta.
No dia seguinte, já exausta, a filha, Bianca, pediu que a mãe fosse para casa descansar. Adinai passou pouco tempo fora do hospital, mas ao chegar em casa, recebeu a ligação que mudaria sua vida para sempre.
— No outro dia, o acidente foi no dia 2. No dia 3, foi por volta das 21h30, minha filha, Bianca, me disse: ‘Mãe, vamos para casa, você toma um banho e depois você volta’. Porque eu já estava há 24 horas dentro do hospital. Eu não tinha tomado banho, não tinha comido nada. Aí eu fui para casa. Quando eu cheguei em casa, tocou o celular, era do hospital, pedindo pra eu voltar. Quando eu cheguei, eu entrei pela porta e o médico disse que ele teve uma parada. Eu não tinha mais o que fazer. E naquele dia, começou o meu tormento. O meu mundo caiu.
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Além de Bruno, a explosão também tirou a vida de Leandro Jorge Vargas, outro funcionário da unidade.
As marcas na família
A perda transformou a vida de toda a família. Adinai conta que não conseguiu voltar ao trabalho no Hospital São Paulo, desenvolveu ansiedade, depressão e síndrome do pânico, e passou a associar qualquer sirene de ambulância ao trauma da morte do filho.
— Uma vez que eu ouvia uma ambulância, o som da sirene, eu entrava em pânico, eu começava a chorar muito — relata.
Entre idas e vindas a psiquiatras e psicólogos, ela e o marido chegaram a se mudar para Goiás, na tentativa de recomeçar. Mas, debilitada pela saúde, voltou para Faxinal dos Guedes no fim do ano passado. Há quatro meses, conseguiu retornar à rotina de técnica de enfermagem em um hospital da cidade.
Já Bianca, irmã de Bruno, também teve a vida profundamente impactada. Foi ela quem tentou, no dia seguinte ao acidente, convencer a mãe a descansar algumas horas. Agora, também reconhecida como vítima pela Justiça, vai receber indenização de R$ 300 mil. A decisão levou em conta o sofrimento causado pela perda precoce do irmão e a ausência de condições seguras de trabalho que levaram à tragédia.
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Indenização histórica
O advogado da família, Rafael Medeiros, afirma que os valores fixados pela Justiça do Trabalho estão entre os maiores já registrados no Brasil em casos de acidente de trabalho, em que as indenizações costumam girar em torno de R$ 50 mil.
Para o juiz do trabalho Ozeas de Castro, que assinou a decisão, a JBS falhou em garantir a fiscalização efetiva das normas de segurança e permitiu que os trabalhadores assumissem riscos desnecessários e extremos.
O que diz a empresa
Em nota, a JBS informou que “esclarece que prestou todo apoio às famílias dos colaboradores, incluindo suporte financeiro e que cumpre, com rigor, as normas de segurança em suas unidades de negócio”.
A decisão cabe recurso.
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