Pesquisadores do Instituto de Ciências Matemáticas e de Computação da USP (ICMC-USP), em parceria com o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), desenvolveram uma estratégia capaz de prever com mais precisão o risco de deslizamentos de terra provocados por chuvas intensas. O método, chamado AHP Gaussiano, foi validado com base no desastre ocorrido em fevereiro de 2023 em São Sebastião (SP), um dos municípios mais vulneráveis a esse tipo de evento no estado.
O estudo, publicado na revista Scientific Reports, comparou o novo método ao tradicional AHP (Processo de Hierarquia Analítica), amplamente utilizado em análises de risco geológico. Embora os ganhos quantitativos tenham sido discretos, o desempenho do AHP Gaussiano se mostrou superior, com melhor classificação das áreas suscetíveis a deslizamentos. Segundo o primeiro autor do trabalho, Rômulo Marques-Carvalho, o novo modelo reduz ambiguidades e reflete de forma mais fiel o comportamento real dos deslizamentos no território.
Como funciona o novo método
O AHP clássico depende de comparações pareadas feitas por especialistas para atribuir pesos a fatores como inclinação do terreno, proximidade de rios, estradas e cobertura do solo. Já o AHP Gaussiano substitui essa etapa por um processo totalmente estatístico baseado na distribuição normal, definindo pesos de maneira objetiva a partir da média e do desvio-padrão dos dados.
Apesar da mudança na metodologia, a lista de 16 fatores analisados é a mesma nos dois modelos. A diferença está em como cada variável influencia o resultado: na nova abordagem, geomorfologia e distância a rios e estradas surgem como fatores mais relevantes, enquanto no AHP tradicional o destaque vai para a inclinação e a posição das encostas.
Validação em São Sebastião
Para testar o método, a equipe analisou um inventário detalhado dos deslizamentos ocorridos em São Sebastião, elaborado a partir de imagens aéreas de alta resolução (10 cm), complementadas por fotos do Google Earth e PlanetScope. Foram catalogados 983 pontos de coroa — onde o deslizamento se inicia — e 1.070 polígonos de cicatriz, que delimitam a área afetada.
Com esse conjunto de dados, o AHP Gaussiano classificou 26,31% da área como de suscetibilidade muito alta, enquanto o AHP tradicional identificou 23,52%, demonstrando maior capacidade de previsão do novo modelo.
Aplicações e impacto
Para a pesquisadora do Inpe Cláudia Maria de Almeida, a relevância da proximidade de estradas se deve ao impacto que obras como cortes e aterros têm na estabilidade das encostas. O orientador do estudo, André Ferreira de Carvalho, destaca ainda que o método pode ser aplicado no monitoramento de outros problemas ambientais, como incêndios, desmatamento, rebaixamento do solo e desertificação — fenômenos que tendem a se intensificar com as mudanças climáticas.
Além do desempenho aprimorado, a solução se destaca pela simplicidade de implementação: uma prefeitura precisaria apenas de dados geoespaciais básicos e de um computador com o software livre QGIS para aplicar o modelo.
O trabalho recebeu apoio da FAPESP
