O marinheiro filipino Cocoy estava de folga. Descansava em sua cabine quando a voz do capitão ecoou pelo interfone do cargueiro: “Estamos sob ataque”. O homem de 38 anos percebeu que o que parecia uma “batida” vinda de dentro da embarcação eram tiros trocados entre a segurança do navio e rebeldes houthis que o invadiam.
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O ataque de 6 de julho ao Magic Seas, de propriedade grega, interrompeu uma pausa de meses nos ataques dos rebeldes houthis do Iêmen contra a navegação do Mar Vermelho, iniciada após o início da guerra de Gaza em outubro de 2023.
Os tripulantes correram para chegar ao “posto de reunião” no centro do navio, considerado o local mais seguro caso um projétil atingisse a embarcação.
— Houve pânico, mas sabíamos que precisávamos nos mover. É como se estivéssemos no piloto automático — disse Cocoy, que pediu para ser chamado pelo apelido durante a entrevista. — [A tripulação] Estava atordoada, mas todos estavam correndo para fazer suas tarefas de acordo com o nosso protocolo de segurança… Talvez eu também parecesse atordoado.
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Segundo ele, havia lanchas rápidas à direita, à esquerda e na parte de trás do navio. Havia também um barco maior, com cerca de 15 tripulantes que tentavam entrar na embarcação, mas foram impedidos pelos guardas armados.
O grupo se amontoou dentro do posto de concentração por quase cinco horas enquanto os três guardas de segurança armados do navio tentavam impedir o ataque.
— Perdi a conta de quantos tiros recebemos — disse ele à AFP sobre os projéteis houthis.
Um porta-voz houthi posteriormente afirmaria que cinco mísseis balísticos e de cruzeiro e três drones foram empregados no ataque. Um deles rompeu o casco.
— A inundação havia começado, então decidimos abandonar o navio — disse Cocoy. — Abrimos nosso bote salva-vidas, todos os 22, e deixamos o navio principal.
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Os marinheiros filipinos representam cerca de 30% da força de navegação comercial mundial. Os quase US$ 7 bilhões que enviaram para casa em 2023 representaram cerca de um quinto das remessas enviadas ao arquipélago.
Marinheiro há mais de 15 anos, foi a primeira travessia de Cocoy pelo Mar Vermelho, e o que ele chamou de um caso de “momento realmente ruim”.
— Durante o tiroteio, os rostos da minha esposa e do meu filho passaram diante dos meus olhos. Fiquei pensando… Será que eles sobreviverão sem mim? — disse ele. — Achei que iria morrer.
Após abandonar o navio, Cocoy e seus companheiros passaram três horas flutuando no Mar Vermelho antes de serem resgatados por um navio porta-contêineres com bandeira do Panamá.
— Foram as horas mais longas da minha vida — disse.
O Magic Seas não estava mais à vista deles enquanto afundava sob as ondas.
Um dia após o calvário de Cocoy, outro navio tripulado em grande parte por marinheiros filipinos, o Eternity C, foi atacado e afundado. Dez dos tripulantes foram resgatados. Outros 15 estão mortos ou desaparecidos.
Foi o ataque mais mortal desde que três pessoas foram mortas em um ataque com mísseis contra outro navio em março do ano passado.
Na noite de quarta-feira, oito filipinos resgatados do Eternity C desembarcaram no aeroporto internacional de Manila.
Os houthis, apoiados pelo Irã, disseram na semana passada que “resgataram” um número não especificado de tripulantes do Eternity C e os levaram para um local seguro, o que levou o governo americano a acusações de sequestro.
O jornal de notícias marítimas Lloyd’s List relatou que seis marinheiros filipinos “acredita-se que tenham sido feitos reféns”.
O governo filipino não forneceu até o momento nenhuma informação sobre a possibilidade de reféns ou negociações.
— Estou aterrorizado pela tripulação (desaparecida) do Eternity C — disse Cocoy à AFP. — Tivemos sorte, porque todos nós sobrevivemos… Rezo para que muitos dos tripulantes ainda possam ser localizados com vida.
Cocoy, atormentado por pesadelos com o ataque, disse não ter certeza se retornará ao mar.
— O que aconteceu conosco não foi normal — disse ele, pedindo aos armadores que encontrem rotas que evitem o Mar Vermelho. — É algo que ninguém deveria jamais vivenciar.