A COP30, em Belém, começará nos próximos dias imersa em uma contradição incontornável: o Brasil sinaliza que quer ser um “petroestado” ao mesmo tempo que tenta projetar-se para o mundo como potência ambiental. Ou uma coisa ou outra. As duas são incompatíveis.

É uma dificuldade a mais em um cenário extremamente desafiador. Os EUA estão sob um governo negacionista do aquecimento global, Donald Trump comanda um ataque tarifário sem precedentes contra vários países, o mundo enfrenta duas guerras nas quais todas as superpotências estão envolvidas, direta ou indiretamente, e o multilateralismo parece um castelo em ruínas. Como costurar acordos climáticos nesse ambiente?

E o Brasil, que já vive uma sequência de desastres climáticos, ecoa o mantra de Trump: Drill, baby, drill (Perfure, ­baby, perfure). É oportuno lembrar que, em maio, a presidente da Petrobras, Magda Chambriard, entoou sua própria versão do lema, em evento no Texas, antevendo a obtenção de licença para explorar petróleo na Foz do Amazonas: Let’s drill, baby, drill.

Vergado sob o peso de pressões políticas e econômicas, o Ibama concedeu autorização para a perfuração de um poço exploratório na bacia da Foz do Amazonas, dentro da chamada Margem Equatorial. A pesquisa permitirá a avaliação do potencial econômico da exploração. É uma espécie de “abriu a porteira”. Uma vez iniciado, um processo como esse não tem volta diante do poder do capital fóssil.

Com suas máquinas de “marketing verde” inundando os espaços midiáticos, os arautos do combustível fóssil atuam para que a COP30 seja um fracasso e para que continuemos viciados em petróleo, acreditando que o mundo não funciona sem ele e que não há substitutos na produção de energia, nos transportes e nas indústrias. A ciência já mostrou que, sim, podemos – e devemos – evoluir para a geração de energia limpa e renovável.

Em seu artigo 225, a Constituição Federal afirma: “Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações”. O Brasil está agindo no sentido contrário, ao abrir uma nova fronteira exploratória que vai lançar toneladas de carbono na atmosfera.

Contratar mais emissão de carbono significa mais aquecimento global e, como consequência, mais desastres climáticos. E não adianta propagandear que estamos fazendo a nossa parte apenas ao reduzir o desmatamento. Sim, é preciso continuar fazendo esse dever de casa, mas deter a devastação das florestas não basta. Em torno de 70% das emissões de gases de efeito estufa têm origem na queima de combustíveis fósseis (petróleo, gás e carvão). Com que legitimidade e credibilidade o Brasil vai pedir para outros países reduzirem as suas emissões?

A transição energética para longe dos combustíveis fósseis é tarefa para ontem. Se a COP30 não conseguir estabelecer metas e prazos para tal transição, será um atestado de fracasso. Ainda sobre a bacia da Foz do Amazonas, é preciso dizer que se trata de um ecossistema extremamente sensível. O litoral daquele pedaço do Brasil setentrional tem uma das maiores extensões de manguezais contínuos do mundo.

Manguezais, tal como florestas, cumprem papel importante na estocagem de carbono. Ecossistemas de transição entre os ambientes marinho e terrestre, são berçários para peixes, crustáceos e moluscos. São também uma barreira natural contra a erosão costeira e fonte de sustento para milhares de comunidades que vivem de atividades extrativistas, sem, no entanto, esgotar os recursos naturais.

A região da foz do maior rio do mundo em vazão de água guarda outro tesouro biológico: os recifes amazônicos, estruturas encontradas entre 30 e 150 metros de profundidade, descritos em artigo publicado na revista Science Advances, assinado por 39 pesquisadores de 14 instituições, em 2016. O “Grande Sistema de Recifes do Amazonas” funciona como zona de transição entre duas regiões marinhas, o Caribe e o Atlântico Sul, onde há intenso fluxo genético de espécies.

Não precisa de um esforço de imaginação para antever a catástrofe que seria, por exemplo, um vazamento de óleo na região que tem as correntezas mais fortes do planeta. Quer dizer que a Petrobras não tem competência para exploração de petróleo com segurança em águas profundas? Deixo a sugestão para que pesquisem no Google a combinação de palavras “acidente + petróleo + Petrobras”. Proteção ambiental é uma conquista democrática e é disso que a Foz do Amazonas precisa. •

Publicado na edição n° 1386 de CartaCapital, em 05 de novembro de 2025.

Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título ‘Labirinto climático’

Este texto não representa, necessariamente, a opinião de CartaCapital.

By Daniel Wege

Consultor HAZOP Especializado em IA | 20+ Anos Transformando Riscos em Resultados | Experiência Global: PETROBRAS, SAIPEM e WALMART

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