Colatina, Linhares e Baixo Guandu seguem entre as mais afetadas pelos impactos do desastre; julgamento na Inglaterra pode criar precedente mundial em responsabilidade ambiental e corporativa.
Dez anos após o rompimento da barragem de Fundão, em Mariana (MG), o maior desastre socioambiental da história do Brasil continua impondo consequências severas à população do Espírito Santo. O Rio Doce, que atravessa cidades como Baixo Guandu, Colatina e Linhares, segue marcado por contaminação, prejuízos ambientais e problemas de saúde pública que atingem milhares de capixabas.
Agora, a expectativa cresce em torno de uma decisão histórica. A Justiça da Inglaterra deve anunciar, até o fim de 2025, o veredito sobre a responsabilidade da mineradora BHP Billiton, uma das controladoras da Samarco, ao lado da Vale, pelo desastre ocorrido em 5 de novembro de 2015.
A ação coletiva internacional, movida em 2018 pelo escritório Pogust Goodhead, reúne mais de 700 mil autores — entre pessoas físicas, comunidades, empresas e municípios — que buscam responsabilizar a BHP pelos danos causados.
A primeira fase do julgamento, conduzida pela juíza Finola O’Farrell no Technology and Construction Court, em Londres, foi concluída em março de 2025, após ouvir vítimas, especialistas e peritos. A decisão está prevista para ser anunciada entre novembro e dezembro de 2025.
Uma segunda fase, programada para outubro de 2026, determinará a extensão dos danos e o valor das indenizações devidas às vítimas.
“O que aconteceu em 5 de novembro de 2015 não foi um acidente — foi um crime que continua afetando vidas e ecossistemas uma década depois”, afirmou Alicia Alinia, CEO do Pogust Goodhead. “Uma decisão favorável contra a BHP enviará uma mensagem clara: o lucro jamais pode estar acima da vida humana ou do meio ambiente.”
O colapso da barragem despejou mais de 44 milhões de metros cúbicos de rejeitos de minério nos rios de Minas Gerais e Espírito Santo. A lama atingiu o Rio Doce e percorreu 675 quilômetros até chegar ao oceano.
As cidades capixabas de Baixo Guandu, Colatina e Linhares estão entre as mais prejudicadas. A água usada para o abastecimento e a irrigação foi contaminada, e muitos moradores ainda convivem com restrições de consumo e pesca.
Pesquisas recentes mostram que os metais pesados da barragem chegaram à cadeia alimentar marinha, afetando peixes, tartarugas e golfinhos. Estudos da Fundação Getúlio Vargas (FGV) apontam que, desde o desastre, os casos de câncer dobraram e os abortos espontâneos quadruplicaram nas regiões atingidas. Em alguns municípios, a expectativa de vida caiu em mais de dois anos.
Para os atingidos, a reparação ainda é uma promessa distante. A viúva Alinne Ribeiro, que perdeu o marido — um trabalhador terceirizado que morreu soterrado pela lama —, resume a dor e a esperança:
“Meu marido foi morto pelo desastre, e o corpo só foi encontrado uma semana depois, a 100 quilômetros da barragem. Fiquei sozinha com quatro filhos. Quero que este julgamento sirva de exemplo, para que ninguém mais passe o que vivi.”
O julgamento contra a BHP pode se tornar um divisor de águas na governança corporativa internacional, estabelecendo que grandes empresas podem ser julgadas fora de seus países de origem pelos impactos de suas atividades.
A decisão poderá influenciar políticas de segurança, sustentabilidade e responsabilidade social em todo o mundo.
“Uma decisão justa trará esperança às vítimas e mostrará que desastres como o de Mariana jamais poderão ser tratados como tragédias sem culpados”, destacou um dos coordenadores do caso no Brasil.
Para as cidades capixabas banhadas pelo Rio Doce, como Colatina, Linhares e Baixo Guandu, a possível condenação da BHP representa não apenas um passo rumo à justiça e reparação, mas também um símbolo de resistência e memória.
Dez anos após o desastre, o Rio Doce continua a carregar consigo as marcas da destruição — mas também a esperança de que a justiça internacional reconheça a dor e a luta dos capixabas que seguem firmes em busca de um futuro mais justo e sustentável.
ES FALA: a matéria teve como fonte o documento enviado pelo escritório Pogust Goodhead
