A socióloga Catarina Reis Oliveira, que dirigiu o Observatório das Migrações até ao ano passado e analisou estatísticas da imigração durante vários anos, considera que os números recentemente divulgados sobre o crescimento da população estrangeira residente em Portugal – que deverá chegar aos 1,6 milhões, segundo projecções – não revelam uma explosão repentina.

São antes a “actualização” de processos que estiveram parados, de pessoas que já estavam a trabalhar e a descontar para a Segurança Social — muitos desde a pandemia, período durante o qual os serviços de estrangeiros deixaram de funcionar ou reduziram substancialmente a sua capacidade de resposta.

“Estes números estão-nos a dar nota da resposta que o Estado não deu durante vários anos”, afirma a professora no Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas da Universidade de Lisboa. Além disso, a pandemia funcionou como “uma sala de espera”, travando movimentos migratórios que só recentemente voltaram a ganhar fluidez.

Para a socióloga, a declaração do ministro sobre o facto de, entre 2017 e 2024, população estrangeira ter quadruplicado e de isso configurar “o maior choque demográfico em democracia”, tem de ser contextualizada porque o que se verificou foi uma mudança na composição da imigração, sobretudo no que diz respeito às nacionalidades de origem.

Tradicionalmente, Portugal recebia sobretudo cidadãos de países lusófonos e, a partir dos anos 2000, também migrantes do Leste Europeu. Hoje, os novos fluxos são marcadamente provenientes da Ásia, com destaque para imigrantes indianos – mas é preciso lembrar que Portugal assinou, em 2021, acordos bilaterais com a Índia de recrutamento de mão-de-obra, e que isso impulsionou a migração desta zona do globo.

A investigadora refere que esta nova fotografia migratória coloca desafios, sobretudo porque Portugal já não tem uma estrutura centrada na integração de imigrantes – como era o Alto Comissariado para as Migrações (ACM), que foi absorvido pela Agência para a Integração, Migrações e Asilo (AIMA).

Em Portugal, historicamente os imigrantes “justificavam a sua permanência em Portugal desde logo com encontrar um trabalho e começar a descontar para a Segurança Social” —, por isso considera que instabilidade na resposta do Estado mina esse contrato de confiança: “Não podemos estar sempre nestes avanços e recuos.”

Só em 2024 os estrangeiros deram um saldo positivo à Segurança Social de 2,96 mil milhões de euros. Em 2023 esse saldo foi de 2,67 mil milhões de euros. Em quatro anos, entre 2021 e 2024, o saldo positivo para a Segurança Social decorrente das contribuições (retirando o valor das prestações sociais auferidas pelos estrangeiros) foi de 8,7 mil milhões de euros.

“Não é pressão, é contribuição”

Quanto ao impacto da imigração na sociedade, lembra que “estamos a falar, essencialmente, de uma mão-de-obra que está a chegar, contributiva, a querer inserir-se no mercado de trabalho”, impacto que se faz sentir em sectores como a agricultura, construção e transportes, onde os trabalhadores estrangeiros representam, em alguns casos, mais de 40%.

Para esta especialista, os imigrantes têm ainda sido cruciais para o sistema educativo: “Os estudantes estrangeiros, em determinados contextos, vieram permitir que escolas não fechassem.”

Por isso defende que a integração deve ser pensada com visão estratégica e de futuro, nomeadamente através do reconhecimento das qualificações de imigrantes que muitas vezes acabam por aceitar empregos para os quais estão sobrequalificados. “Nós temos imigrantes, trabalhadores imigrantes, a quem não é dada a possibilidade de participar no mercado de trabalho de outra forma.”

O mesmo acontece na área da saúde: Portugal já recorreu a profissionais estrangeiros para suprir carências no SNS; há profissionais de saúde que já estão no país, mas não estão a ser aproveitados: “Estão a trabalhar em sectores não qualificados, em situação clara de sobrequalificação. Portanto, nós não estamos a aproveitar.”

Sobre a palavra “pressão” usada agora a propósito do crescimento, conclui que é preciso deixar de ver a imigração como uma “pressão” sobre os serviços públicos e começar a reconhecê-la como uma contribuição indispensável. “Não é uma pressão, é uma contrapartida, uma contribuição, nomeadamente ao nível destas questões da integração”.

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By Daniel Wege

Consultor HAZOP Especializado em IA | 20+ Anos Transformando Riscos em Resultados | Experiência Global: PETROBRAS, SAIPEM e WALMART

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