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“O Ramadã este ano começa durante um cessar-fogo”, diz Esraa Abo Qamar, jornalista palestina e correspondente de Gaza à Al Jazeera. “Quando quebramos o jejum, não há explosões aéreas sacudindo o chão ou reverberando no silêncio do Fajr [oração matinal]. Sem medo decorando nossas casas, sem medo de que pendurar luzinhas coloridas possa nos fazer um alvo”.
Foi o primeiro Ramadã celebrado em Gaza após o acordo de cessar-fogo, embora frágil, estabelecido entre Israel e Hamas, que deu uma pausa aos 15 meses de conflito responsáveis pela morte de mais de 48 mil pessoas. O evento — que corresponde ao nono mês do calendário islâmico, de 28 de fevereiro a 30 de março de 2025 — foi marcado por cenas de esperança em meio à enorme destruição do território.
Quase 60% dos prédios foram completamente destruídos, 90% das casas civis já não existem, e 46 mil palestinos foram mortos nos últimos meses.
A volta à normalidade deve levar anos — ou até décadas —, dizem estimativas das Nações Unidas.
Os danos estruturais se estendem por mais de 276 mil edifícios.
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O cenário de fome também salta aos olhos: com a maior parte da população vivendo em campos de refugiados e em barracas improvisadas ao longo da Faixa de Gaza, nos 41 quilômetros entre o Mediterrâneo e as fronteiras de Israel e Egito, há muitas regiões inabitáveis e distritos agrícolas destruídos, solapados pelo trânsito de veículos pesados como os tanques de guerra movidos por tropas israelenses nos últimos meses.
Mais de 90% da população de Gaza foi deslocada ou precisou ser evacuada durante o conflito.
“Famílias inteiras foram apagadas do registro civil e não estarão presentes no Ramadã este ano”, prossegue Esraa. “Em muitas mesas, vai haver um assento vazio: um pai cuja voz que chama seu filho nunca será ouvida de novo, um filho cuja impaciência para quebrar o jejum nunca mais vai ser vista, ou uma mãe cujas mãos hábeis nunca mais vão preparar comidas deliciosas”.
Em imagens, a destruição se espalha em cinza ao longo do território, e uma fileira de mesas sob luzes festivas é a única coisa a dar cor ao ambiente.
O Ramadã se inicia quando uma pequena parte da lua se torna visível no céu, e é seguido por um período de jejum que vai desde o nascer até o pôr-do-sol. Quando o dia se dispersa, as pessoas se reúnem para quebrar juntas seu jejum.
Este ano, para o evento, alguns supermercados e feiras de rua reabriram.
“Entre a dor e a devastação, a vida — que esteve pausada por tanto tempo — está tentando voltar às ruas de Gaza”.
Em Nuseirat, local de um campo de refugiados na região central da Faixa de Gaza, que sofreu diversos ataques ao longo do ano passado — um deles responsável por destruir a escola de Al-Jaouni, em setembro de 2024 —, o supermercado Hyper Mall, o maior da região, reabriu suas portas, conta Esraa.
Mas toda a comida que abastece as prateleiras dos mercados de Gaza ainda vem de caminhões de ajuda humanitária — aqueles que são autorizados a entrar no território. E os produtos são, em sua maioria, inacessíveis à população.
Por isso, as refeições do Ramadã são menores: compostas por alimentos enlatados, algum arroz e pouca variedade de vegetais.
“A maioria das pessoas em Gaza não pode pagar pelo frango fresco que reapareceu nos mercados, agora pelo dobro do preço do pré-guerra”, conta ela.
“O espírito festivo se foi, mas o central do Ramadã ainda está aqui.”
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