Passatempo
Se perguntarmos a quem anda à procura de trabalho como está o mercado, a resposta tende a ser: não está fácil. Em vários setores, a criação de emprego tem desacelerado e as equipas de recrutamento estão mais cautelosas. Em paralelo, a inteligência artificial (IA) atravessa um pico de entusiasmo sem precedentes: multiplicam-se investimentos em centros de dados, as Big Tech anunciam produtos todas as semanas e as avaliações em bolsa disparam.
O paradoxo é evidente: promessas de eficiência recorde, mas pouco reflexo imediato em novas oportunidades de trabalho e nos salários, lê-se no Futurism.
Numa entrevista recente, o CEO da Alphabet (Google), Sundar Pichai, reforçou a ideia de que a IA é uma viragem histórica, com benefícios enormes e disrupções equivalentes. Chegou a admitir que até o seu próprio cargo poderia ser automatizado no futuro. Esta mensagem encontra eco em muitos líderes tecnológicos: a IA é inevitável, transformará tarefas e, por arrasto, funções inteiras.
Convém, no entanto, recordar um ponto crítico: quem define a narrativa tem interesses. Grandes plataformas investem fortemente em IA, desde GPU a energia para alimentar centros de dados. Quanto mais a sociedade aceitar a inevitabilidade da automação, mais espaço existe para acelerar a adoção e captar orçamento empresarial. O discurso sobre o “fim dos empregos” vende manchetes; o detalhe, por vezes, fica pelo caminho.
Análises recentes sugerem que os cargos mais expostos à automação por IA não estão, para já, a sofrer cortes massivos. Em vez disso, há um efeito de “economia de baixa contratação”: menos vagas abertas, mais prudência e substituição parcial de tarefas; não de empregos inteiros. Ao mesmo tempo, a incerteza macro (tarifas, eleições, pós-pandemia) pesa mais do que se admite no ritmo de criação de emprego.
Isto não significa que a IA não tenha impacto. Tem e crescente. Mas a distância entre “capacidade técnica” e “reconfiguração real das empresas” é maior do que parece. Processos, cultura, regulação, integração de dados, segurança e um ROI comprovado demoram a alinhar. Ainda estamos na fase em que muitos pilotos brilham em apresentações, mas patinam ao escalar para a operação diária.
Quando discutimos automação, convém separar tarefas de empregos:
Tarefas repetitivas e baseadas em texto (resumos, rascunhos, tradução inicial, QA de código) estão a ser automatizadas rapidamente;
Empregos combinam tarefas técnicas, coordenação, contexto, ética, responsabilidade legal e relacionamento humano. É esse “aglomerado” que resiste mais;
Em tecnologia, marketing e apoio ao cliente, começam a surgir funções híbridas: menos foco na execução manual, mais na curadoria, validação e desenho de processos.
Traduzindo: a IA já substitui partes do trabalho. Transformar isso em eliminação de postos exige maturidade técnica, mudanças organizacionais e confiança – três variáveis que evoluem mais devagar.
Há um desfasamento entre a promessa pública e o ganho medido. A atenção mediática privilegia previsões grandiosas; a prática empresarial exige provas. O resultado é ansiedade social e decisões precipitadas (por exemplo, cortar equipas antes de comprovar ganhos reais de produtividade). O mais sensato é ancorar a discussão em evidências, não em soundbites.
Fonte: Futurism
