Hetta

Entre a descarga e a contemplação emotiva, os Hetta assinam um manifesto de ambição

Acetate, o primeiro registo dos Hetta com selo da Lovers & Lollypops, assume-se desde logo como um statement estrondoso: não só pela força demolidora das treze faixas que o compõem – sublimes portentos de post-hardcore/screamo cuspidos com uma paixão arrepiante – , como pela vontade palpável de testar os limites da sua própria fórmula, num disco onde a autodescoberta e a catarse andam sempre de mãos dadas.

“Fire the Choir” abre logo com aquelas guitarras “nervosas”, que sempre definiram o quarteto do Montijo, a sugerirem uma explosão iminente. Mas é uma malha como “Plainclothes Man” que realmente nos deixa boquiabertos: basta escutar aquele refrão catchy mas poderoso, entre a melodia e a explosão eufórica de energia, para nos lembrarmos dos Glassjaw e de um hino como “Siberian Kiss”, porque também os Hetta souberam aqui criar uma peça intemporal de post-hardcore. É uma composição triunfal, possivelmente a melhor que alguma vez escreveram, e o absoluto destaque de todo o disco. Ouvimo-la e voltamos a escutá-la uma, duas, três vezes, num loop infinito de entusiasmo que desejamos imortalizar no tempo. Quase que se torna difícil, na verdade, regressar ao resto do álbum, pois sentimo-nos surrealmente maravilhados com esta pérola… O que nos deixa mesmo a pensar: se o clássico ao qual comparamos esta faixa foi produzido pelo mítico Ross Robinson – figura influente que também trabalhou em obras incontornáveis do post-hardcore, incluindo discos seminais dos At the Drive-In, The Blood Brothers ou os referidos Glassjaw -, só podemos imaginar os níveis ainda mais assombrosos de grandeza criativa que os Hetta atingiriam se trabalhassem com ele. Um autêntico match made in heaven com o qual insistimos em sonhar.Contudo, o resto do disco mostra-se, felizmente, cheio de momentos memoráveis. “Career Blonde”, a faixa seguinte, aponta para caminhos muito próximos de um mathcore na onda dos The Dillinger Escape Plan, entre o caos controlado e a densidade rítmica dissonante. Trata-se de uma faixa pujante e explosiva – fúria hardcore destilada com uma precisão quase cirúrgica -, e que termina inesperadamente com uma sequência de acordes melódicos e poéticos.

A melodia é, aliás, um elemento bem presente em certas composições, como é o caso de “Caught Again”, que alterna entre a serenidade melancólica e a energia prestes a rebentar, mas que se mantém controlada em lume brando, como uma peça de vulnerabilidade exibida em formato de lamento introspetivo. Verdadeiramente tocante, é também uma das melhores músicas do disco, prova irrefutável de que os Hetta pretendem ser bem mais do que uma “típica” banda de hardcore. Situam-se, antes, no mesmo terreno de uns Fugazi – ainda que com as suas diferenças -, mas com a mesma mentalidade de interpretar cada álbum como uma escultura de reinvenção e evolução pessoal. E é isso que realmente impressiona, sobretudo na segunda metade da proposta: a sensação de estarmos perante o trabalho de uma banda que busca incansavelmente superar-se a si mesma, conhecer os seus limites para tentar quebrar essas barreiras.

Hetta

© Francisco Fidalgo

No fundo, não interessa ser simplesmente pesado ou intenso – importa, isso sim, jogar esses elementos com inteligência e sensibilidade artística. E é exatamente isso que os Hetta fazem, especialmente na música de encerramento, intitulada “Triple Tracy”: abrindo com a habitual dose de agressividade “rasgada”, e aqui bem matemática na sua estrutura, evolui eventualmente para um final contemplativo e “arrastado”, como um suspiro de alívio após a tempestade que nos fazem atravessar. É o final perfeito, o contraste coeso que adiciona aquele toque extra de requinte conceptual.

No final, mesmo sentido que o disco ganharia ainda mais se fosse ligeiramente mais curto (essencialmente pela intensidade do som), não deixamos de estar perante uma obra admirável, que consegue facilmente competir com o que se faz lá fora.

Texto redigido por Jorge Alves



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By Daniel Wege

Consultor HAZOP Especializado em IA | 20+ Anos Transformando Riscos em Resultados | Experiência Global: PETROBRAS, SAIPEM e WALMART

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